José Horta Manzano
Sempre desconfiei da atitude de certos grupos que se posicionam contra o diálogo. Pode reparar. A cada vez que os grandes deste mundo se reúnem, sempre aparece um movimento qualquer para protestar, queimar bandeiras, brandir cartazes, levantar o punho e tentar bagunçar o coreto no intuito de perturbar e ‒ se possível ‒ arruinar o encontro. Tal comportamento, além de não ajudar, acaba atrapalhando.
«É conversando que a gente se entende» ‒ diz o povo sabido. Tem razão quem pensa assim. Não é por acaso que toda assembleia nacional é genericamente chamada de parlamento. O termo pertence à grande família que deu parlar (catalão), parlare (italiano), parler (francês), assim como nosso pouco usado palrar. Todos se referem à fala. Parlamento é expressão poderosa da democracia. É o lugar onde, do debate em torno da visão de cada um, nascem as diretivas que nortearão a vida de todos.
Desde que terminou a Guerra da Coreia, em 1953, a «Terra da Manhã Calma» está dividida entre uma ditadura dinástica ao norte e uma república democrática ao sul. Faz sessenta e cinco anos que a nação está partida em dois pedaços. Apesar da cultura comum, as duas metades se dão as costas, passando por cima de tudo o que as deveria unir. Desde que as duas Alemanhas se reunificaram, a Coreia sobrou como último país dividido. Não há caso igual no planeta.
Paranoico e fechado, o regime do norte age de um modo que nos parece destrambelhado. Pode até fazer sentido para eles, mas o resto do mundo assiste embasbacado a um espetáculo surreal. A gente fica sem entender quais seriam os objetivos de tanta gesticulação e de tanta agressividade. Enquanto o povão passa fome, todos os recursos nacionais são canalizados para a indústria bélica ‒ verdadeiro disparate.
Os Jogos Olímpicos de Inverno, que atualmente se desenrolam na Coreia do Sul, deram origem a um inesperado e bem-vindo efeito colateral. Por razões difíceis de explicar, os carrancudos potentados do norte se dispuseram a esboçar um sorriso. Ofereceram-se para participar das competições ao lado dos irmãos do sul. Pela primeira vez em 65 anos, o ditador mandou embaixadores de altíssimo nível. Despachou o chefe de Estado norte-coreano acompanhado da própria irmã do ditador, primeiro membro da dinastia a pisar solo sul-coreano. Não é coisa pouca.
Os visitantes não chegaram agitando bandeira branca, mas o símbolo está subjacente. Estão sendo recebidos com tapete vermelho, sorrisos e banquetes. Achando que é bom demais pra ser verdade, o mundo está com um pé atrás. Quais serão as intenções por detrás dessa visita de cortesia? Que é que o ditador estaria tramando? Assim pensando, populares sul-coreanos andam protestando contra a visita, queimando bandeiras do norte, agitando braços e cartazes. Imaginam que, vindo de onde vem, não há de ser coisa que preste.
Pois sou de outra opinião. A experiência de uma longa existência já me permitiu constatar que as coisas mudam, mesmo aquilo que parecia gravado na pedra. É inelutável. Paradoxalmente, é possível que as bravatas de Mr. Trump estejam contribuindo para aliviar tensão acumulada há mais de meio século. Sou partidário da ideia de que a parlamentação deve ser encorajada. Pior do que está, não tem como ficar. Acredito que, apagada a tocha desta Olimpíada, a relação entre as duas Coreias nunca mais será a mesma.