Jogos… que jogos?

José Horta Manzano

Deus é brasileiro, costuma-se dizer. Há quem bote fé nesse chiste. Sete anos atrás, quando o Brasil foi designado como sede dos Jogos Olímpicos de Verão de 2016, os responsáveis pela boa preparação do evento consideraram que havia muito tempo pela frente.

Construção de instalações e modernização de transporte foram sendo empurrados com a barriga. Afinal, faltava tanto tempo! Deu no que deu. O metrô não chega até onde deveria chegar, a cor da água das piscinas varia conforme os caprichos de São Pedro, o mundo ficou sabendo que os alojamentos dos atletas era um ninho de problemas, ônibus de delegações são apedrejados e baleados. Em resumo: um mundo perfeito.

JO 2016 4A cerimônia de abertura contou com sóbrio e deslumbrante espetáculo que, se não chegou a compensar as falhas, ao menos dourou a pílula e suavizou os efeitos negativos.

Aos trancos e barrancos, a preparação dos Jogos foi feita. O momento chegou. O momento é agora. Felizmente, o mundo anda tão entretido com as competições e com os resultados, que as imperfeições passam (quase) despercebidas. Assaltos e desorganização entram na conta do que já se espera de um violento país de Terceiro Mundo.

Quando os JOs de 2008 foram atribuídos a Pequim, a China começou imediatamente a preparar não só infraestrutura, mas principalmente atletas. Afinal, o planeta não assiste às Olimpíadas pra ver imagem do Corcovado, mas pra vibrar com o desempenho dos protagonistas. As 100 medalhas conseguidas pela China nos jogos de 2008 representaram praticamente o dobro do que o país tinha alcançado, em média, nas 5 participações anteriores. Encantaram o mundo.

JO 1920No Brasil, a coisa não funciona assim. Cada vez mais se tem a impressão de que a chance extraordinária de ter conseguido sediar os JOs serviu mais para enriquecer assaltantes do erário do que para promover o esporte nacional. O importante era encher os bolsos. Quanto aos jogos… que jogos?

Ainda falta uma semana para o fim da Olimpíada, mas o panorama final já está delineado: dificilmente o Brasil conseguirá as 17 medalhas que obteve quatro anos atrás, em Londres. Um vexame para um país de mais de 200 milhões de habitantes.

Curiosidade olímpica
O Brasil participou de todas as edições dos Jogos Olímpicos, desde 1896. Adivinhe o distinto leitor em que ano conseguimos nossa melhor classificação. Não sabe? Pois eu digo logo: foi em 1920, na Olimpíada de Antuérpia, Bélgica. Naquele ano, participaram 29 países. Com 3 medalhas, o Brasil foi o 15° colocado, façanha não superada até hoje.

Pelo balanço da carroça, não será este ano que dobraremos a meta.

Falam de nós – 16

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

A colheita da semana é magra. As manchetes que mencionam o nome de nosso país foram, como de hábito, desalentadoras. Aqui estão algumas, de cinco diferentes países.

Gang of Kids
Reportagem do site Yahoo dedicado a viagens e viajantes está longe de encorajar turistas a visitar o Brasil em geral e o Rio de Janeiro em particular. Traz um vídeo de 40 segundos, presumivelmente produzido pela empresa Globo, em que uma impressionante sequência de assaltos é praticada à luz do dia em pleno centro da cidade.

Quem convive diariamente com situações como essas não se espanta. Mas duvido que um estrangeiro, depois de assistir a essas imagens, persevere no projeto de visitar o Brasil.

Assalto 9Carestia alastrante
O austríaco Der Standard dá informação sobre a «transbordante» inflação, que ultrapassou dez por cento em 2015. Entre as causas, são destacadas as «suntuosas» despesas do governo.

Karneval der Korruption
Carnaval da Corrupção. Com esse título, o alemão Frankfurter Rundschau conta que a temática da próxima festa nacional brasileira de facto ‒ o Carnaval ‒ será a corrupção sob todos os aspectos. Máscaras, marchinhas, carros alegóricos farão parte dos festejos. Até ‘o japonês da Federal’ é mencionado.

Carnaval 12Queda livre
Brasil em queda livre ‒ é manchete do Neue Zürcher Zeitung, jornal suíço de referência. O longo artigo pinta, com tintas vivas e realistas, a atual situação do Brasil. Fala de tudo: corrupção, rebaixamento por agências de classificação de risco, falências, desemprego, inflação, troca de ministros, catástrofe ambiental, Jogos Olímpicos.

Para rematar com olhar optimista, o articulista observa que a desvalorização do real pode representar excelente oportunidade para os exportadores brasileiros que forem rápidos no gatilho.

Dragon 1Decaída
“Brasile: dalla gloria dei Brics al terzo mondo.” Brasil: da gloria do Brics ao Terceiro Mundo. É o que constata artigo alojado no italiano Corriere della Sera. Pessimista, dá uma imagem bastante crua do momento brasileiro. Fala de uma presidente que passa o tempo a defender-se do impeachment. Lembra que o partido atualmente no poder está envolvido em escândalos sem fim, cujo denominador comum é o financiamento ilícito de campanhas acompanhado por enriquecimento pessoal de líderes. Menciona estatais saqueadas que se encontram em estado terminal.

Num escárnio, termina perguntando se Deus seria mesmo brasileiro, como dizem. A dúvida fica no ar.

Aeroporto sem trem

José Horta Manzano

Avião 7A cada vez que penso nos bilhões rapinados da Petrobrás e do erário, imagino o que poderia ter sido feito com esse patrimônio caso não tivesse ido parar no bolso dos cangaceiros que nos governam.

Intuitivamente, a gente se lembra dos mais precisados ‒ hospitais e escolas em primeiro lugar. Mas falta dinheiro por toda parte. Uma sociedade tem muitas facetas e todas elas demandam atenção e cuidado. Não é aceitável que governantes não cuidem de cada uma.

AviaoO maior aeroporto do país fica em Guarulhos (SP). Tem nome de gente, mas praticamente ninguém usa: foi sempre chamado de Guarulhos e assim continuará. Além de turistas, por ali transitam homens de negócios, investidores, visitantes ilustres, todos aqueles a quem gostaríamos de dar boa impressão de nosso castigado país. Como se sabe, não há segunda chance de dar uma primeira impressão.

Pra quem chega, a realidade, logo de cara, é um choque: o aeroporto não está conectado com a metrópole por estrada de ferro. Nem metrô nem trem expresso nem bonde. Nada. A única solução para transpor os 30km até o centro é a estrada de rodagem. De carro, de ônibus, de caminhão ou de moto, tráfego pesado e eventuais enchentes terão de ser enfrentadas.

Aeroporto esteiraFosse o aeroporto recém-inaugurado, já seria surpreendente que não se tivesse pensado em construir ligação férrea ao mesmo tempo em que se instalava o terminal aéreo. Visto que foi inaugurado 30 atrás, a ausência de transporte rápido e confiável foge à compreensão de todo forasteiro.

Avião 6Em 2014, o Aeroporto de Guarulhos ficou em 30° lugar em número de passageiros. Não é pouca coisa. Nos 29 primeiros lugares, estão 12 aeroportos americanos, 4 chineses e os inevitáveis Frankfurt, Paris, Londres, Amsterdam, Tóquio.

Por Guarulhos transitam mais passageiros do que por campos de aviação importantes como Munique, Sydney, Roma, Barcelona, Toronto, Zurique, Milão, Lisboa, Copenhague. A estação aérea paulista é de longe a mais importante da América Latina. O segundo classificado, o da Cidade do México, fica em longínqua 48ª posição.

Faz 30 anos que, episodicamente, se fala vagamente em interligar o terminal com o centro da cidade. Embora, vez por outra, o assunto volte à tona, não passou, por enquanto, de conversa fiada. Os maiores aeroportos do mundo são conectados por meio confiável à metrópole mais próxima. Por que fazemos questão de continuar sendo a exceção?

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PS: O governo paulista acaba de anunciar que, pela enésima vez, fica paralisada a construção da interligação da rede de metrô ao Aeroporto de Congonhas, campo de pouso urbano.

Aeroporto Congonhas 1O aeroporto foi inaugurado em 1936, em sítio então desabitado e afastado do centro. A cidade cresceu e envolveu o campo de aviação. Contruiu-se o metrô. A primeira linha do metropolitano ‒ que passa a 1,5km do Aeroporto de Congonhas ‒ opera desde 1974. Nesses quarenta anos, as autoridades que nos governam foram incapazes de completar esse quilômetro e meio que falta. Contando, assim, parece brincadeira, coisa de filme cômico, não?

É verdade que o atual governo federal é mastodonticamente incompetente. Mas ‒ há que dizê-lo ‒ a incapacidade administrativa e o descaso com a coisa pública vêm de longe e estão incrustados na alma nacional.

Cadeira cativa

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 3 out° 2015

Onu 3Ano sim outro também, o ritual se repete: terminadas as férias de verão do Hemisfério Norte, abre-se mais um ano de trabalho na ONU. E lá vai nosso presidente, a quem cabe discursar em primeiro lugar. Segue-se uma cachoeira de alocuções em línguas sortidas. O espetáculo se desenrola sobre fundo de granito verde-imperial muito chique – pedra que, aliás, é bem capaz de ter sido extraída de nosso solo.

Este ano, à guisa de aperitivo à liturgia, fomos mimoseados com um conciliábulo apelidado G4, que reuniu quatro mandatários. Observe-se, en passant, que o costume atual de atribuir número a reunião de medalhões (G4, G7, G20) é sintomático. Realça o fato de os objetivos dos participantes não serem necessariamente concordantes. Foi-se o tempo em que alianças tinham propósito bem estruturado e compartilhado, donde a atribuição de nome próprio como Entente Cordiale ou Pacto de Varsóvia. A acertos efêmeros, números bastam.

Brasil, Alemanha, Índia e Japão irmanaram-se, por um instante, na reivindicação de uma reforma da ONU que lhes conceda assento permanente no Conselho de Segurança. Cada qual desses países é movido por um conjunto de interesses que lhe dizem respeito. O traço comum, sem hesitação, é a busca do prestígio perdido. Ou nunca havido.

Cúpula de candidatos a assento permanente no C.S.

Cúpula de candidatos a assento permanente no C.S.

Alemanha e Japão, gigantes industriais e econômicos, procuram recuperar a aura que a derrota na última guerra lhes tolheu. A Índia, país populoso, em franca ascensão e – ponto não desprezível – dotado de armamento nuclear, também aspira a sentar-se à mesa dos grandes. Quanto ao Brasil, a justificativa é menos nítida. No frigir dos ovos, o olhar que o mundo lança sobre nosso país não é muito diferente do de setenta anos atrás, quando a Organização das Nações Unidas foi fundada. Senão, vejamos.

Já naquela época, o Brasil era visto como país de futuro promissor, mas de modesta importância militar, industrial, econômica e diplomática. Se as últimas décadas renderam progresso a nosso país, não há que perder de vista que as demais nações, longe de terem parado no tempo, também se desenvolveram e avançaram. Ao fim e ao cabo, o posicionamento relativo do Brasil no conjunto dos Estados não está lá tão distante do que era em 1945.

ONU - Conselho de Segurança

ONU – Conselho de Segurança

Ilude-se, portanto, quem faz abstração das mudanças alheias e só leva em consideração as transformações pelas quais passamos nós outros. A população de alguns países cresceu mais que a nossa. Alguns deles se aplicaram e conseguiram industrializar-se mais rapidamente que nós. Um ou outro optou por dotar-se da arma nuclear. Diligências diplomáticas constantes fizeram que certos países, por se terem mostrado mais atuantes, nos superem hoje em relevância.

Cadeira permanente no Conselho de Segurança é assunto pra lá de delicado. Titular nenhum abre mão da que lhe cabe. Qualquer país que pretenda entrar para o clube pode até ser bem-visto por uns, mas desagradará a outros. Basta que uma das cinco potências com direito a veto bote empecilho, e pronto: o candidato não passa da soleira. Reforma do sistema? Nem pensar, que não serve ao interesse dos atuais membros permanentes. Por que a fariam?

Campo de refugiados sírios, Zaatari, Jordânia

Campo de refugiados sírios, Zaatari, Jordânia

Com tantos problemas por resolver, mais graves e mais urgentes, o Brasil deveria economizar energia e evitar arriscar-se num pleito cujas chances de dar certo são próximas de zero. No dia em que uma reforma for anunciada – o que está longe de acontecer – aí, sim, terá chegado o momento de reivindicar vaga. Por enquanto, é perda de tempo. Essa atitude de pedinte é humilhante e constrangedora.

Asilo 4Nossa industrialização vem encolhendo há vários anos, o que não nos torna mais poderosos no conjunto das nações. Nossa participação proporcional nas trocas comerciais globais não progride há décadas. Seria útil começar por assumir postura diplomática séria e coerente. Milhões de sírios deslocados pela guerra civil estão imersos na precariedade. O Brasil mostraria grandeza se, por exemplo, fizesse o necessário para acolher uma parcela desses infelizes. Que, pelo menos, nos apliquemos a promover uma diplomacia digna de nação adulta e consciente.

Que não nos contentemos em ser um Brasil grande, mas que nos esforcemos para nos tornar um grande Brasil. Não custa caro e está ao alcance de nossas possibilidades. A persistir em deixar como está pra ver como fica, continuaremos pagando, à prestação, nosso bilhete de volta ao Terceiro Mundo. E olhe que faltam poucas folhas para chegar ao fim do carnê.

Deram o golpe

José Horta Manzano

Petrobras 3Mal-aconselhada como de costume, dona Dilma declarou que «a oposição usa o caso Petrobrás para dar golpe».

Como é que é? Goste ou não, a presidente terá de engolir a verdade: o verdadeiro «golpe» já foi dado – e bem dado! – por seus íntegros companheiros. Saquearam a maior empresa do país, patrimônio e orgulho de toda a nação.

A Petrobrás vale hoje um décimo do que valia poucos anos atrás. Somos a zombaria do mundo inteiro, que nos enxerga cada vez mais nitidamente como legítimos integrantes do Terceiro Mundo.

E tudo isso aconteceu à vista de dona Dilma. Não nos esqueçamos de que, antes de ocupar o trono presidencial, a senhora Rousseff foi titular do Ministério de Minas e Energia, da Casa Civil e, para coroar, presidente do conselho de administração da Petrobrás.

A presidente não precisa se mostrar tão irritada. Pode suspender essa encenação que já não impressiona ninguém. Truque antigo perde a graça.

Coincidência

José Horta Manzano

No mesmo dia em que nosso inoxidável ex-presidente recebia, pela enésima vez, um «diploma» honoris causa, saiu a classificação das universidades dos chamados países emergentes.

O discurso pronunciado pelo antigo presidente na ocasião da outorga da honraria põe, como de costume, a ênfase na quantidade de estabelecimentos de ensino. São relatos estatísticos do tipo «meu governo fez mais que o seu» ou «nunca antes nessepaiz alguém tinha inaugurado tantas escolas como eu». Sobre a qualidade desses estabelecimentos ― tanto dos existentes, quanto dos recentemente criados ― nem um pio.

O "doutor" Crédito: Jorge Araújo, Folhapress

O “doutor”
Crédito: Jorge Araújo, Folhapress

Pois o grupo THE (Times Higher Education) cuidou de ir mais longe. Comparou a excelência dos melhores estabelecimentos de ensino superior dos maiores países do Terceiro Mundo. São 21 países no total, entre os quais, naturalmente, o nosso. O resultado demonstra que a quantidade não substitui a qualidade.

A USP, de longe a melhor universidade brasileira, aparece em 11° lugar, atrás de estabelecimentos chineses, turcos, sul-africanos e russos. Diga-se, en passant, que a Universidade de São Paulo foi criada nos anos 30, quase cinquenta anos antes da fundação do partido ao qual pertence nosso ex-presidente taumaturgo. Falsa será, portanto, toda veleidade de algum vivente de declarar-se pai da criança.

Para resumir, entre as 100 melhores universidades dos 21 países mais adiantados do Terceiro Mundo, somente 4 (quatro!) são brasileiras. A China sozinha (continental + Taiwan) abriga 44 das 100 melhores. Até a Tailândia e a Turquia têm mais estabelecimentos que o Brasil na lista dos 100 melhores.

by Diego Novaes, desenhista carioca

by Diego Novaes, desenhista carioca

Assim como a enxurrada de «diplomas» honoris causa não engorda a erudição de nosso guia, as escolas ditas superiores criadas recentemente exibem qualidade inferior à média dos países comparáveis. Quanto às melhores do mundo, nenhuma comparação é possível. Melhor esquecer.

Escolas medíocres não contribuem para a erudição do estudante brasileiro. Ele quer e merece mais que isso.