Gafam

José Horta Manzano

A partir do início do século 19, o desenvolvimento da energia a vapor deu impulso ao capitalismo. Esse avanço, que começou com a exploração de minas de carvão e com a implantação de ferrovias, cresceu exponencialmente ao longo dos cem anos seguintes.

Na virada para o século 20, já com a entrada em cena da energia produzida pelos derivados de petróleo, o feitio selvagem do capitalismo primitivo atingiu o auge. A timidez da legislação de proteção aos operários abria margem para que fossem explorados ao limite do tolerável. A ausência de regulamentação permitia também que se começassem a formar conglomerados cuja força ameaçava sobrepor-se ao poder público.

Foi quando os congressistas americanos se deram conta do perigo e se puseram a legislar. Criaram normas para impedir que se formassem cartéis e que empresas crescessem desmedidamente por meio de fusões e aquisições de firmas. Estava em jogo a eliminação de monopólios e a manutenção da concorrência sadia.

Na sequência, legislação semelhante foi adotada pelos demais países. É justamente essa regulamentação que nos tem protegido do inchaço exagerado de interesses privados que possam sobrepujar o interesse público. Tem dado resultado, se exceptuarmos assaltos criminosos cometidos por políticos inescrupulosos contra grandes empresas. Mas essa já é outra história.

De uns anos pra cá, um fenômeno antes desconhecido tem surgido. O crescimento em escala geométrica dos novos meios de comunicação ‒ internet & cia ‒ favoreceu o aparecimento de novas áreas de atividade. A difusão de computadores e outros aparelhos ligados à internet é planetária. Compras à distância (em português: online), desconhecidas até uns vinte anos atrás, são hoje o pão nosso de cada dia.

Essa reviravolta propiciou a ascensão de estartapes, umas mais bem sucedidas que outras. Entre elas, há cinco cujo crescimento irresistível tem assustado muita gente. São as chamadas Gafam, da inicial de cada uma: Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft.

Só pra dar uma ideia do gigantismo dessas empresas, saiba o distinto leitor que, em 2017, faturaram, em conjunto, 648 bilhões de dólares. Outro parâmetro mais eloquente ainda: as cinco totalizam US$ 3,664 trilhões de capitalização na bolsa, cifra superior ao PIB da Alemanha (US$ 3,467 trilhões)! É ou não é assustador?

Autoridades fiscais e estrategistas ao redor do planeta se esforçam para encontrar meios de lidar com a nova realidade antes que o monstro se torne inatingível. É bom que trabalhem rápido, antes que esse punhado de empresas se assenhoreie irremediavelmente do planeta.

Corrupção & cartel

José Horta Manzano

Saiu estes dias a notícia de que a empreiteira Odebrecht participou, com diversas congêneres, de um cartel visando a fraudar licitações públicas em São Paulo. Há quem ponha a formação de cartel no mesmo balaio que a corrupção. Engano. Cartel e corrupção não são a mesma coisa.

Corrupção, como até as estrelinhas de nossa bandeira já sabem, ocorre quando quem tem poder de decisão aceita receber um benefício em troca de dar decisão favorável a determinados interesses. O valor do benefício varia conforme a importância da negociata, podendo ir de uma carona num jatinho até um depósito de centenas de milhões em conta domiciliada em paraíso fiscal. Incorrem em corrupção tanto quem paga quanto quem recebe.

Formação de cartel joga noutro time. Trata-se de acordo entre fornecedores de um mesmo artigo, visando a manter preços interessantes para ambos. Muito mais comum do que se imagina, o cartel é quase impossível de ser desvendado. Alguns raros são de notoriedade pública. Um deles é a Opep, o clube dos produtores de petróleo. Reúnem-se, combinam preços, acertam volumes de produção, e pronto. O mundo todo fica sabendo e ninguém pode fazer nada.

Na vida de todos os dias, os acertos comerciais podem se dar entre duas padarias vizinhas. Podem também ser fixados entre empreiteiras que cobiçam contratos públicos. As padarias combinarão, por exemplo, o preço dos sanduíches. Uma delas venderá o de mortadela mais caro que o da concorrente. Em compensação, a outra cobrará mais caro pelo misto quente. Assim, no final das contas, os preços se equilibrarão e nenhuma sairá prejudicada. É menos desgastante que uma guerra de preços.

As empreiteiras farão a mesma coisa em patamar mais elevado. Suponhamos que quatro ou cinco empresas formem um cartel. Em sistema de rodízio, cada licitação será vencida por uma delas, uma de cada vez. Antes de apresentar a proposta, todas se reunirão e entrarão em acordo. A que deve vencer dirá qual é seu preço. As demais prepararão proposta com valor superior, de forma a garantir a vitória da empreiteira da vez.

Pode chamar de trapaça, fraude, desonestidade, mas não de corrupção. Não é a mesma coisa. Corrupção, dado que costuma envolver favores materiais, deixa rastro: movimentação bancária, malas de dinheiro, apartamentos tipo caixa-forte, conta em paraíso fiscal. Desmascarar um cartel é muito mais complicado, quase impossível. Pode-se desconfiar, mas sempre será difícil provar.

Redes de supermercado, operadoras de comunicações, bancos, companhias de cartão de crédito, empresas aéreas, empreiteiras são ramos em que entendimento prévio sobre preços são o pão nosso de cada dia. Só vejo duas maneiras de «explodir» o sistema, ambas de difícil realização.

Podem-se esconder minicâmeras e microfones na sede das empresas visadas. Esse sistema à soviética, além de ilegal, é antiquado e pouco eficaz, dado que não se sabe onde os entendimentos serão acertados. Alternativamente, podem-se também infiltrar espiões nas altas esferas das companhias suspeitas. Como o anterior, esse método é caro, pouco prático e de difícil implementação.

Não tem jeito, minha gente. Não só o Brasil, mas o mundo todo tem de se conformar com a cartelização. Até que algum sistema, hoje não inventado, venha a coibir uma prática que surgiu junto com o comércio.

Contas secretas

José Horta Manzano

Tem cada uma… Bom, é verdade que todo advogado que defende bandido costuma pedir clemência para seu cliente. Cabe a ele pedir ‒ quem tem de dizer “não” é a Justiça. Assim mesmo, tem limite pra tudo. Pretensões exageradas acabam deixando um gostinho azedo de justiça bolivariana.

A equipe de defesa da esposa de senhor Eduardo Cunha ‒ falo daquela que costumava gastar milhões de euros em artigos de luxo e mandar a conta para banco privado pagar ‒ é acusada de lavagem de dinheiro ilícito. Não há de ter sido difícil concluir que as fortunas que gastou eram incompatíveis com suas posses.

Num ato de magnanimidade, a equipe de juízes de Curitiba (ainda) não mandou prender a moça. Naturalmente, recolheu seu passaporte, visto o risco de fuga para o exterior.

Antigamente se diza que quem rouba um tostão rouba um milhão. Corrigindo pela inflação, melhor dizer hoje que quem rouba um milhão rouba um bilhão. Ou mais.

Banco 6A Justiça brasileira talvez não venha nunca a conhecer o montante exato surrupiado por senhor Cunha e esposa. Mas fica no ar a desconfiança de que, além do que já foi confessado, haja outros trusts, outras empresas de fachada, outras contas não declaradas, outros investimentos aqui e ali, outras barras de metal amarelo encafuadas em cofres de bancos discretos.

Pois o pelotão de advogados de defesa da acusada pede à Justiça nada menos que… a devolução do passaporte da ré. Para ficar no ambiente judiciário, seria como pedir que entregassem ao preso a chave da cadeia. É pretensão exagerada pra meu gosto, um desplante.

Espero que os juízes paranaenses não se dobrem a essa exigência. Numa época em que se rouba até faixa presidencial, todo cuidado é pouco.

Faixa presidencialFaixa presidencial
Para quem acaba de desembarcar do planeta Marte, informo que foi instaurado «processo de sindicância» para saber quem deu sumiço na faixa presidencial(!) e nos presentes que o Brasil recebeu durante a gestão do Lula e da doutora Dilma.

Ignoro o que seja «processo de sindicância» e quais possam ser as consequências. Um leigo imaginaria que se instaurasse logo um procedimento penal para esclarecer crime de peculato. Quem viver verá.