Dactiloscopia

José Horta Manzano

Volta e meia, fala-se da revolução informática. Não é exagero nem boato: é fato. No campo da informação, o mundo não é mais como antes. E olhe que, quando digo «antes», não falo do tempo de Matusalém. De vinte anos a esta parte, muita coisa mudou. E pensar que estamos no comecinho do começo… Por mais que nos esforcemos, é impossível imaginar em que mundo viverão os bisnetos de nossos bisnetos.

Estes dias, chegou ao Congresso uma petição com 2,2 milhões de assinaturas. Exprime o desejo de boa parcela de cidadãos quanto aos rumos das investigações da Operação Lava a Jato. Não vamos discutir aqui o mérito da questão, mas a forma. Os congressistas, destinatários da petição, alegaram ser impossível conferir esse balaio de assinaturas. Portanto, a legitimidade delas não pode ser confirmada.

impressao-digital-1O acelerado desenvolvimento da informática não deixa passar uma semana sem anunciar aplicações nunca dantes sonhadas, capazes de façanhas do arco-da-velha. Antes, havia a firma manual, restrita a alfabetizados. Faz pouco mais de um século, surgiu a dactiloscopia, o estudo da impressão digital. Até anteontem, eram os únicos instrumentos para identificar pessoas. A par delas, temos hoje uma coleção de opções. Há reconhecimento da íris, das veias da palma da mão, do rosto, da voz. Deus sabe o que aparecerá amanhã.

Num universo em transformação, soa anacrônico ouvir que nossas autoridades não dispõem de sistema capaz de autentificar assinaturas sem intervenção humana. De um lado, está o Superior Tribunal Eleitoral cujo banco de dados reúne o jamegão de todos os eleitores. Do outro, estão dois milhões desses mesmos indivíduos que, ao aderir à petição, se identificaram pela mesma assinatura. Basta comparar, não?

É compreensível que fazer a verificação «a olho» seria tarefa hercúlea. Exigiria meses de trabalho de alentada equipe. Mas as coisas mudaram, minha gente. Nossas autoridades estão com a faca e o queijo na mão. Dispõem do material necessário à comparação, só falta automatizar. Foi-se o tempo em que precisava mostrar atestado de vida. Se ainda não desenvolveram um sistema para resolver o problema, não é difícil adivinhar a razão: não há interesse. Que mais poderia ser?

Manif 26O andar de cima dá mostras de estar incomodado com essa interferência popular na cidadela dos privilegiados. Afinal ‒ pensam eles ‒ povão foi feito para se acomodar ao perverso sistema atual, em que o eleitor vota no candidato A e, sem se dar conta, acaba elegendo um obscuro B.

Eta povão impertinente! Que gente ingrata! A continuar assim, qualquer hora vão acabar exigindo que todos os postulantes exibam ficha limpa antes de se candidatar. Que ousadia! Desse jeito, aonde é que vamos chegar?

Viva o povo brasileiro

Dad Squarisi (*)

Oba! No ar, o programa eleitoral gratuito. Os presidenciáveis se apresentam. São 11. Oito parecem meteoros. Surgem, prometem milagres, batem asas e voam. Os outros dispõem de mais tempo. Eduardo Campos ressuscita e reafirma promessas. Dilma e Aécio têm complexo de Deus. Ela fez e aconteceu. Ele acha pouco. Fará mais. Ela, mais ainda.

Televisao 2Na tela, coisas de campanha. Faixas, bandeiras, santinhos. E, claro, a grande vedete — o povo. Povo? Que povo? Alguns o chamam de povinho. Outros, de zé-ninguém. Massa serve. Povão também. Na França, foi denominado de terceiro estado — tudo que não era clero nem nobreza.

Aqui ganhou outras especificações. «Apenas um detalhe», rotulou-o Zélia Cardoso de Mello. «É o dono da Praça Castro Alves», cantou Caetano. «É o porta-voz do Senhor», afirmam os pais de santo. E explicam: «A voz do povo é a voz de Deus».

Seja como for, é comovente. Os corações moles derramam oceanos de lágrimas. Os durões também. Ninguém resiste a tanto afeto. Sobram abraços, beijos e juras de gratidão. Os louquinhos pelo Planalto só dizem «esse país, nesse país». E dá-lhe povo.

Alguém (do povo) pergunta: «A que país eles se referem?». Outro (do povo) responde: «Este país não é. Deve ser uma Suécia melhorada».

(*) Dad Squarisi, formada pela UnB, é escritora. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. Edita o Blog da Dad.

Tapeação de Salomão

José Horta Manzano

Em artigo publicado no Estadão deste 25 de julho, Diego Zanchetta informa que, ao final de quatro anos de obras que saíram por 680 milhões(!), o novo Templo de Salomão está sendo inaugurado em São Paulo.

Pertence a uma conhecida seita neopentecostal autodenominada Igreja Universal do Reino de Deus, controlada por um senhor chamado Macedo.

Os atributos do recinto são coisa de novo-rico, dignos de um castelo «medieval» de Las Vegas: quatro vezes a superfície do Santuário Nacional de Aparecida com espaço para 10 mil pessoas sentadas, revestimento de mármore cor-de-rosa italiano, iluminação garantida por 10 mil lâmpadas, oliveiras importadas de Israel, telão maior que os dos estádios da Copa das Copas. Pra ministro nenhum botar defeito, sô!

Foto Estadão

Foto Estadão

Aliás, não só ministro, mas presidente, ex-presidente, governador e prefeito foram convidados para a cerimônia de inauguração. Sem público, naturalmente, que é para prevenir vaias. Rapidinho, dona Dilma confirmou presença. É altamente provável que os outros convidados «de honra» compareçam também. Afinal, em época de campanha eleitoral, é permitido fazer o diabo.

Tem um detalhe que me incomoda. Fiel que ousar vir a pé, sozinho, movido por sua própria fé, não será admitido no local. Para frequentá-lo, é obrigatório vir em caravana. O adepto terá de inscrever-se junto à única empresa de ônibus coveniada com a seita. E terá de desembolsar obrigatoriamente 45 reais, ainda que resida a um quarteirão de distância. A notícia não deixa claro se o pagamento obrigatório da entrada será descontado do dízimo.

Em terras mais civilizadas, esse tipo de procedimento já teria sido denunciado como exploração da ingenuidade popular, num processo com excelentes chances de sucesso e de consequente interdição da seita no território nacional.

Mas em nossa terra, sacumé, a coisa é mais maneira. Já que pode servir de vitrina eleitoral, por que não fechar um olho? Afinal, parte importante de nossa vida política é alicerçada na exploração da crendice do povão. Ou não?

A festa continua

José Horta Manzano

Já lhes falei aqui, faz pouco mais de um mês, de nosso exótico ministro do Esporte, Aldo Rebelo. Pois o homem é incorrigível. Continua aprontando.

Outra travessura do burlesco personagem aconteceu no Carnaval passado, mas só agora veio a público. E olhe que, não fosse o pipocar de traquinagens semelhantes cometidas por outros políticos mais célebres que ele, suponho que suas artes continuassem dormindo no esquecimento.

Artigo da Folha de São Paulo deste 24 de julho nos informa que Aldo Rebelo se valeu de um avião das Forças Aéreas Brasileiras para viajar a Cuba. Até aí, nada de estranho. Parece absolutamente normal que um afiliado histórico do Partido Comunista vá passear na ilha onde ele é amigo do rei.

Para não ficar feio, a viagem foi registrada como «missão oficial» ― quem poderá contestar? Aconteceu durante o Carnaval. E daí? Na maior ilha caribenha, como sabemos, vivem todos felizes o ano inteiro. Não têm necessidade de comemorar carnavais para descomprimir. Por lá, trabalha-se duro o tempo todo, donde o elevado padrão de vida da população.

O ministro levou consigo a esposa. E daí? Se até os encarcerados têm direito a visita íntima, por que seria negada a um figurão da República a regalia de levar consigo a esposa em viagem oficial? A esposa não aparece na lista oficial de viajantes. Bem, aí já começamos a ter um problema. Por que não aparece? Um esquecimento, certamente.

Avião da alegria

Avião da alegria

Além da esposa, o ministro levou consigo o filho. Que tampouco aparece na lista de passageiros ― mas vejam que coincidência!

Vamos recapitular. Nosso aplicado ministro do Esporte decide fazer uma viagem de trabalho a Cuba em pleno Carnaval. Leva esposa e filho. O nome dos acompanhantes não aparece na lista oficial de passageiros da viagem. O senhor Rebelo nos explica que sua esposa e seu filho viajaram a convite dos Castros. E daí? Na ilha maravilhosa mandam os Castros e sua clique, no Brasil mandamos nós. Que se saiba, o custeio da aviação militar brasileira não vem da ilha da fantasia. Sai do dinheirinho suado que é extorquido de todos os brasileiros por meio de impostos diretos e indiretos.

Vejam como são as coisas. O homem que tanto se esforçou em matéria de proteção da língua portuguesa e do saci-pererê é bem menos rigoroso quando se trata de proteger o dinheiro de seus compatriotas contribuintes.

A quem estamos querendo enganar? Contorcionismos verbais já não surtem o mesmo efeito que antes. Ou esses medalhões tomam jeito, ou isso ainda vai acabar mal. Ninguém gosta de ser vítima de zombaria. Os políticos brasileiros estão demorando a se dar conta de que a consciência do povão já não é letárgica como costumava ser.

A continuarem as estrepolias da nomenklatura tupiniquim, essa novela ainda vai acabar mal.

Interligne 24