O eles despertou

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 27 outubro 2018.

Até o fim do século 20, o Brasil era governado por figurões que costumavam ter ideias. Com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao topo do poder, ideologias substituíram as ideias. Não são a mesma coisa. Ideias são conceitos avulsos, visões pessoais, objetivos soltos, que podem (ou não) ser partilhados in totum pelo círculo íntimo do dirigente máximo. Ideologia é o agrupamento disso tudo num sistema. São propósitos estruturados impostos aos membros do círculo dirigente. Eles não terão outra escolha: ou abraçam a totalidade do ideário ou vão cantar em outra freguesia.

Ao colher as rédeas do mando, Lula da Silva e correligionários seguiram, em obediência franciscana, a cartilha que lhes haviam arquitetado os ideólogos companheiros. Mas ai! A fina camada de generosidade do programa ocultava um coração mesquinho. Implacável, o cerne do ideário não tolerava divergências e excluía os que se atrevessem a desviar da linha. Esquecidos de que haviam recebido missão de zelar todos os brasileiros, os dirigentes brotados da nomenklatura tropical instituíram a detestação como padrão de conduta. Os que não houvessem votado neles passaram a sofrer lapidação em praça pública. Estava instalada a política do nós x eles.

Toda sociedade, em maior ou menor grau, é percorrida por linhas de fratura. Essas cicatrizes têm origens diversas. Podem demarcar etnias, podem mostrar o ponto de junção de culturas, podem separar religiões. No Brasil tivemos, desde sempre, diferenças entre povos do Norte e do Sul, endinheirados e remediados, gente de pele mais clara e gente de pele mais escura, doutores formados e ignorantes chapados, quatrocentões e imigrantes recentes. Essas diferenças ‒ com as quais costumávamos conviver, senão em harmonia, pelo menos em avença ‒ foram exacerbadas pela aplicação do ideário do Partido dos Trabalhadores. São cicatrizes que, antes apenas perceptíveis, foram excitadas e postas a nu. A molecagem deu no que tinha de dar: agravou o embate entre os que se reconheciam de cada lado de cada trincheira. O Brasil se encrespou de múltiplos antagonismos.

Secretado pela cúpula dirigente e espargido pela militância, o veneno do nós x eles se embrenhou no dia a dia dos brasileiros e contaminou a relação entre as gentes. Nunca antes neste país se havia assistido a tão explícita incitação à discórdia. Durante os anos em que o lulopetismo ditou o tom e o ritmo, colega desconheceu colega, vizinho se indispôs com vizinho, irmão viu irmão pelas costas. A coesão nacional deu sinais de esgarçamento. No entanto, a nomenklatura cometeu um erro primário que teve o poder de fraudar-lhe os planos mesquinhos: foram com demasiada sede ao pote e se lambuzaram. Rapinaram o erário. Depenaram os cofres que guardavam o fruto do trabalho dos compatriotas. Os brasileiros se abalaram com a ladroíce insolente.

Ao fim e ao cabo, a descoberta do assalto patrocinado pela cúpula despertou nojo e entravou a prática maligna de dividir para melhor reinar, que era a essência do nós x eles. Mais que bloquear antagonismos, a indignação que tomou conta da população teve o efeito de engrossar as fileiras do eles ‒ aquela banda hipotética onde se deviam enclausurar os que não compactuassem com o ideário oficial. Era tudo o que o lulopetismo não queria, mas, se deu errado, são eles mesmos os culpados.

Com a aproximação das eleições presidenciais, a repulsa nacional tinha de se coagular em torno de um candidato que representasse a mais concreta garantia de afastar a nomenklatura malfazeja. Vários postulantes poderiam ter encarnado esse papel. Quis o destino que a cristalização se fizesse em torno de um certo capitão reformado. A botar fé nas sondagens, ele deve sair vitorioso amanhã. Não me cabe prejulgar como será um mandato que ainda nem começou. Se estamos a caminho de um período de turbulência ou de bonança, só o tempo dirá. O que parece certo é que a corda da discórdia arrebentou justamente do lado dos que a tinham esticado. O eles despertou.

Neonazismo & neofascismo

José Horta Manzano

Pergunta:
Como avalia o crescimento de Jair Bolsonaro, um candidato da extrema direita, no Brasil?

Resposta:
A crise estourou em 2008 e o que vemos agora são seus efeitos. O Brexit tem que ver com esta situação, como Trump e o fenômeno de Bolsonaro. Só que lá é neonazismo e aqui é neofascismo.

A pergunta foi formulada pelo entrevistador do jornal espanhol El País. E a resposta, com aspecto e gosto de salada mista, foi dada por doutor Fernando Haddad, em longa entrevista concedida ao jornal. Saiu na edição deste domingo, 14 de outubro.

Não acredito que doutor Haddad, professor universitário e dono de boa formação humanística, ignore o real significado dos termos neonazismo e neofascismo. Fosse um Lula qualquer a invocar em vão esses conceitos tenebrosos, a gente poria na conta da ignorância. Mas doutor Haddad, não. Se pronuncia inverdades, é por refinada má-fé. Mostra seu lado finório.

É obrigatório constatar que o candidato assimilou perfeitamente o irritante costume petista de atirar poeira nos olhos do interlocutor a fim de baralhar a mensagem. A resposta que ele deu ao jornalista é acabado exemplo dessa tática. Como numa salada russa, o doutor misturou conceitos díspares.

Chamar Donald Trump de neonazista é ir longe demais. O homem é atabalhoado, elefante em loja de porcelana, autoritário, voluntarista, ignorantão, mas, de nazista, não tem grande coisa. Não se sabe de nenhuma manobra sua que empurrasse seu país na direção de uma Alemanha dos anos 1930.

Fascio littorio ‒ símbolo do fascismo

Dizer que o Brexit é fruto de ressurgência do nazismo é outro rematado exagero. O voto dos britânicos é fruto de um balaio de motivos ‒ saudades dos tempos gloriosos do Império Britânico, receio de perder o emprego para um polonês mal remunerado, sentimento difuso de que Bruxelas está legislando contra os interesses nacionais. O conjunto de razões não poderá, nem de longe, ser etiquetado de nazismo.

Quanto ao Brasil, sabemos todos qual é a razão pela qual doutor Bolsonaro está a um passo de ser eleito por aclamação. É antipetismo puro, a não confundir com neofascismo. De fato, a maior parte dos votos que serão dados ao capitão, no espremer do suco, não lhe pertencem. Poucos serão os eleitores que compactuam com hipotético viés fascista do candidato. Vota-se simplesmente contra o Partido dos Trabalhadores.

Não contente em atazanar a vida dos que aqui vivem, o PT exporta perversidade. Contribui, assim, para degradar a imagem do Brasil lá fora e ainda alimenta o desolador cenário de desinformação que domina a mídia internacional. É revoltante.

O suicídio de um partido

Pedro Luiz Rodrigues (*)

Caso fatos notáveis não venham a ocorrer, o Partido dos Trabalhadores deverá sofrer amarga derrota no segundo turno das eleições presidenciais, no próximo dia 28 de outubro.

Era apenas uma questão de tempo para que o partido começasse a se esboroar. Dado que desde sua criação (1980) viveu de contradições, de meias-verdades e de falsas aparências, nunca transitou com desenvoltura no ambiente da democracia. Como em obras que desabam, sobrou areia, faltou cimento.

A partir de quando o PT deixou de ser oposição e se tornou governo, suas bandeiras originais – que por vinte anos haviam seduzido massas de jovens idealistas – foram sendo jogadas na lata do lixo.

Honestidade, decência, transparência, todas deixaram de ser qualidades admiradas e praticadas por seus dirigentes. Os jovens idealistas ‒ não mais tão jovens assim ‒ perceberam (pelo menos alguns deles) que não haviam sido usados apenas como massa de manobra.

Fazer o quê? Quem nasceu pra tubarão não pode pretender ser golfinho. O PT diz que é democrata, mas não pode ser, porque seu objetivo final é a implantar uma ditadura, a do proletariado. Lula já jurou que o partido não é marxista, mas os intelectuais da agremiação continuam a produzir artigos recomendando seguir a pauta marxista-gramsciana, que rejeita a alternância democrática.

O povo não é burro, e aqueles que não esperam prebendas ou favores do petismo têm razões para morrer de rir com a notícia de que o PT, juntamente com seus aliados (PCdoB, PSOL e outros), estariam para formar uma “frente democrática” para contrapor-se à candidatura de Jair Bolsonaro.

Falsear, mudar de cara, é o que a dobradinha PT-PCdo B está fazendo agora, mais uma vez. Um de seus anúncios de campanha do primeiro turno era do tipo tradicional, muito vermelho, com os dois candidatos secundados pela imagem de Luiz Inácio Lula da Silva. Na versão para o segundo turno, o vermelho deu lugar ao verde, ao amarelo e ao azul, e Lula ‒ ao melhor estilo soviético ‒ foi simplesmente removido da fotografia.

Pedro Luiz Rodrigues

Para o PT, a derrota que se avizinha será estrondosa e definitiva; vai ser a pá de cal no túmulo de um partido que vem se suicidando aos poucos, desde 2005, quando o mensalão revelou à sociedade que o PT falseara suas credenciais morais para chegar ao poder e lá se manter.

Esse falseamento moral foi necessário para a participação do PT num regime democrático, onde as regras do jogo pressupõem aceitação da diversidade ideológica, alternância no poder e máxima lisura na defesa dos interesses do Estado.

O PT não aceita a democracia, nem a diversidade ideológica, nem a alternância no poder. Quanto ao Estado, cuidaram de aparelhá-lo partidariamente – inclusive o Itamaraty, instituição à qual pertenço – privilegiando a lealdade ou a subserviência ao partido em detrimento da qualidade e dos méritos profissionais.

Se saíram do poder no impeachment de Dilma (“o golpe, o golpe, o golpe”, do refrão partidário), serão definitivamente escorraçados agora, no final de outubro, pelo voto popular.

O PT não teve forças para corromper as instituições brasileiras, muito mais fortes do que as da Venezuela ‒ país próspero que os aliados do PT conseguiram levar à ruína.

(*) Pedro Luiz Rodrigues é embaixador e jornalista. Este artigo foi publicado originalmente no Diário do Poder.

PT paz e amor?

José Horta Manzano

Numa tática inútil, o Partido dos Trabalhadores tem-se aplicado, entre os dois turnos, a eliminar de sua propaganda eleitoral e de seu portal internet toda referência extremista. Posições de marcado viés ideológico, como o apoio ao regime bolivariano de Maduro, desapareceram. A figura de Lula da Silva foi ocultada. O vermelho foi removido. O candidato à Presidência e sua vice (filiada ao Partido Comunista!) se apresentaram, contritos, em Aparecida neste feriado religioso. Até comungaram. Uma graça.

by Elvis Braga Ferreira, desenhista amazonense

Essa estratégia, além de não atingir o objetivo de arrecadar mais votos no segundo turno, escancara a desorientação de um agrupamento em via de decomposição. De fato, quando um partido se põe a renegar pontos essenciais de sua doutrina, é sinal de que os alicerces apodreceram. Prédio a esse ponto deteriorado requer demolição urgente, antes que desabe na cabeça dos moradores.

Essa manobra de ocultação de princípios, além de não agregar nenhum voto, é tática suicida. Senão, vejamos. Por um lado, os antipetistas não vão passar a votar nos candidatos do partido só porque os louvores ao regime bolivariano desapareceram do programa. Por outro, os petistas não vão deixar de apoiar o partido só por causa desse detalhe. Portanto, o jogo é de soma zero. Noves fora, sobra o desespero explícito de um agrupamento em perdição.

Frase do dia — 346

José Horta Manzano

«Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar.»

Gleisi Hoffmann, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores.

Com seu jeito filosófico, a sabedoria dos antigos romanos redarguiria:

«Canes timidi vehementius latrant»
Cães assustados ladram mais forte.

A carta de doutor Palocci

José Horta Manzano

Na Europa, quando confrontados com a evidência inescapável, acusados costumam reconhecer os crimes e passar à confissão. O delinquente brasileiro funciona diferente. Ainda que se lhe esfregue nas fuças a prova cabal, o recibo assinado com firma reconhecida e a foto do flagrante, o criminoso costuma negar. Contra toda lógica, prefere esconder-se como avestruz que enfia a cabeça na areia ou gato que se refugia dentro do armário esquecendo o rabo de fora.

Não percebo bem a utilidade da estratégia. Negar o crime quando as evidências são frágeis é direito de todo acusado. Continuar negando depois que a prova está sobre a mesa é temeridade. Irrita justamente os que vão julgá-lo, deixando juízes menos condescendentes e mais rigorosos na fixação da pena. Afinal, ninguém aprecia insulto contra a própria inteligência.

José Dirceu ‒ que, por sinal, tem o título de advogado ‒ adotou a estratégia de negação total e absoluta. Está colhendo o que plantou. Em segunda instância, sua pena de privação de liberdade foi prolongada de 50%. Passa, agora, dos trinta anos de masmorra. Levando em conta que já é mais que setentão, seu futuro está seriamente comprometido.

by Elvis Braga Ferreira, desenhista amazonense

Ontem, por caminhos indiretos, doutor Antonio Palocci F° nos brindou com uma pérola. Na carta de desfiliação, dirigida à presidência do PT, lavou a alma. Em poucas laudas, disse mais do que havia declarado diante do juiz Moro, semana passada, em Curitiba.

O tom é de grande sinceridade. Dá pra sentir que o homem está traumatizado com a débâcle do partido que ajudou a fundar 36 anos atrás. É de sublinhar que, além de ter presidido a legenda, foi por ela eleito prefeito e deputado. Mais que isso, foi ministro dos governos Lula e Dilma. Suas palavras deixam transpirar muita tristeza. Fica a impressão de que reconhecer os crimes foi menos penoso do que abandonar o partido.

A meu ver, o texto do doutor é o retrato sem photoshop do nascimento, vida e morte do Partido dos Trabalhadores. Começa com as (louváveis) intenções dos pioneiros, menciona os (poucos) acertos e não hesita em revelar os (desastrosos) erros.

Aleluia! Finalmente, entre centenas de envolvidos na Lava a Jato, apareceu um homem que honra as calças que veste. Se o distinto leitor ainda não leu a carta do doutor, pode clicar aqui.

Adendo
Para não cansar ninguém, cito somente duas curtas passagens da carta de Palocci. São fatos conhecidos por todos nós, mas que, saídos da pluma de um dos homens mais poderosos do partido, são particularmente eloquentes.

«Minha geração talvez tenha errado mais do que acertado. Ela está esgotada. É nossa obrigação abrir espaço a novas lideranças, reconhecendo nossas graves falhas e enfrentando a verdade.»

«Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?»

Greve clara

José Horta Manzano

A letargia em que anda mergulhado o povo brasileiro estes últimos anos é de preocupar. Duzentos milhões de pessoas, zilhões de problemas e… nenhuma reclamação marcante com objetivo claro e definido.

Houve, sim, protestos generalizados em junho de 2013. Em seguida, tivemos passeatas na orla de Copacabana, caminhadas na Avenida Paulista, panelaços no Recife, em BH, em Porto Alegre, em Belém do Pará e em tantos outros lugares. No entanto, todas essas manifestações tinham objetivo vago, indistinto, difuso ‒ pra não dizer confuso. «Pelo Brasil decente!», «Pelo fim da corrupção!», «Pela democracia!»

Agora, diga-me: seria concebível alguém se manifestar por um Brasil indecente, corrupto e ditatorial? Inimaginável. Portanto, por mais que milhões tenham saído às ruas, a grita não foi clara nem cristalina. Como se sabe, quanto mais vaga for a reclamação, menos eficaz será.

Lembram-se de junho de 2013, quando o Planalto engasgou ao ver o país desfilando? O problema maior, no entanto, é que, embora palavras de ordem fossem gritadas aqui e ali, o objetivo final variava conforme a conveniência de cada um. A doutora, que exercia então o cargo de presidente, chegou a propor a instalação de Assembleia Constituinte parcial, figura não prevista na atual Constituição, portanto, impossível de ser posta em prática ‒ um verdadeiro coelho tirado da cartola. O tempo foi passando, chegou a Lava a Jato, e tudo acabou ficando por isso mesmo.

Finalmente, com a greve geral desta quarta-feira, a população dá sinais de estar acordando. Estava na hora! Pelo menos, as manifestações de hoje têm alvo claro e definido: a reforma das regras da Previdência Social. Desta vez, não há como tergiversar ou escapulir pelas bandas como fizeram certos mandachuvas quando das manifestações anteriores. Há que responder aos argumentos dos que reclamam.

Desta vez, é diferente. Reclama-se contra algo tangível, uma reforma que está em via de ser votada. É natural que mudanças desagradem a alguns. Cabe explicar melhor, com didática e pedagogia, os comos e os porquês das novas regras. Explicar, explicar, explicar. Vale esclarecer que, caso nada seja feito, as contas nacionais não aguentarão o peso das aposentadorias daqui a alguns anos, o que levará à diminuição dos benefícios. Qualquer um pode entender esse princípio elementar.

Pela primeira vez em muitos anos, sindicatos e partidos que dizem representar os trabalhadores estão exercendo seu verdadeiro papel. É notícia bem-vinda. Francamente, partidos como o PT ficam muito melhor na oposição do que quando detinham ‒ teoricamente ‒ as rédeas do poder. Sejamos francos: os anos do PT no poder, além de afundar o Brasil, serviram apenas para enriquecer alguns afiliados e para arrastar outros perante os tribunais. Quanto à sociedade, continua exatamente como antes: injusta e desigual. Esperemos que, longe do poder, PT & assemelhados sejam mais úteis aos que trabalham.

Erro de cálculo

José Horta Manzano

Faz um mês, o Partido dos Trabalhadores publicou longo arrazoado em defesa de nosso guia. A manobra tem explicação. Em 36 anos de existência, o partido ‒ que começou representando industriários e terminou no banco dos réus ‒ só conseguiu fabricar um líder. Unzinho só. Em união visceral, Lula da Silva é o PT e o PT é Lula da Silva. É composição com dois elementos. Na falta de um, o outro fenece.

Lula cartilha 4Dotado de ego gigantesco, o Lula cuidou que nenhum personagem lhe fizesse sombra. Botou pra correr os que representassem perigo e barrou a ascensão dos que sobraram. O ápice do culto à própria personalidade foi a designação do «poste» que lhe sucedeu na presidência do país. Acostumado a conviver com vaquinhas de presépio, o Lula foi incapaz de pressentir o desastre que estava por vir. Jamais imaginou que a criatura ousasse se desgarrar do criador. Não se lembrou de que todo passarinho acaba, um dia, abandonando o ninho para voar com as próprias asas.

Semana passada, no intuito de difundir ao redor do planeta a fábula do golpe que está por apeá-lo do poder, o partido houve por bem mandar traduzir o arrazoado em três línguas estrangeiras: inglês, francês e o infalível espanhol. Deu ao libelo o apelido de cartilha. São perto de três mil palavras para tentar convencer que o Brasil vive momento de arbítrio, como uma Venezuela qualquer.

Lula cartilha 2No estrangeiro, o texto não suscitou efeito visível além de convencer os que convencidos já estavam. Nenhum veículo, a meu conhecimento, mencionou o documento. Não se sabe se por coincidência ou para contrabalançar a «cartilha», a Justiça brasileira acaba de indiciar o casal da Silva por corrupção e outros crimes dos quais já estamos cansados de ouvir falar.

Não acredito em mera coincidência. Já fazia meses que se falava do apartamento sem dono e do sítio sem proprietário. Por que abrir o processo justamente agora? No meu entender, é a resposta do Brasil decente ao desespero lulopetista que, ao enviar seu libelo à mídia internacional, emporcalhou a imagem do país.

Lula cartilha 3A consequência veio a cavalo. Enquanto a «cartilha» tinha passado totalmente em branco na mídia europeia, a inculpação da famiglia Lula da Silva recebeu destaque na manhã deste sábado. Os europeus não tinham dado grande atenção ao fato de o Brasil, no entender do PT, ser republiqueta de bananas. Em compensação, milhões sabem agora que o demiurgo escorregou do pedestal e vai se haver com a Justiça. Bem haja!

Quem diria

José Horta Manzano

Panelaço 1O próprio de um partido que nasceu com vocação para defender os trabalhadores é exatamente advogar em favor de seus tutelados, os que trabalham. E qual é a data mais emblemática de exaltação da classe laboriosa? O primeiro de maio, cáspite! De Moscou a Pequim, de Paris a Buenos Aires, a Festa do Trabalho é dia dedicado a mostrar conquistas e a expor anseios.

Desde os tempos de Getúlio Vargas, dirigentes brasileiros valeram-se da data para marcar presença e para mostrar quão identificados estavam com a causa dos que vivem do trabalho – a maioria dos cidadãos em suma. Não é ocasião que se perca.

Vaia 1Pois este ano, nossa presidente não ousará se mostrar diante de microfones de rádio nem à frente de câmeras de tevê. Desprezada e desprestigiada, foge de vaias, apupos e panelaços. Manda dizer que não está.

C’est tout un symbole! – diriam os franceses. É sintomático. É sinal dos tempos. É a comprovação de quanto o Partido dos Trabalhadores se apartou daqueles que eram a razão de sua existência. Como é que pode?

Agrupamentos políticos, quando sentem risco de degeneração, tomam iniciativas para reerguer-se. Mudam de nome, mandam dirigentes para o ostracismo, reconhecem erros, prometem fazer melhor, alteram programas, exibem humildade, mostram que se estão transformando.

Panelaço 2O partido ao qual (ainda) é afiliada nossa presidente é altivo e arrogante demais. Obstina-se a negar a evidência. Garante que nunca se desviou do caminho virtuoso. Recusa-se a encarar a realidade. Saúda membros condenados à cadeia como se heróis fossem. Persiste nos erros que o levaram à perdição e que perigam levá-lo à extinção.

É difícil de entender. Pensando melhor… talvez não seja tão difícil assim. Falta-lhes discernimento. Naquele clube, a limitação da capacidade mental não é exceção: é regra. As poucas ideias «brilhantes» têm vindo de marqueteiros, aqueles mercenários apolíticos que apenas emprestam seu talento contra pagamento. Infelizmente, tais «sacadas geniais» não passam de slogans vazios, sem amanhã, com prazo de validade limitado.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

A cada dia que passa, fica mais claro que o partido, em sua forma atual, não é viável. Se, na primeira Festa do Trabalho deste novo mandato, nossa dirigente já se sente obrigada a esconder-se atrás de um biombo para não sofrer panelaço, como enfrentará a mesma data no ano que vem? E no seguinte? E no outro? Não será fácil para ninguém. Nem pra ela, nem pra nós.

Mundo, mundo, vasto mundo

José Horta Manzano

Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. É o que se costumava dizer para sublinhar traços que diferenciam os povos.

A globalização está aí. Hoje em dia, o mundo parece cada vez menor. Pode-se comprar camembert legítimo no Brasil. Qualquer bom supermercado europeu vende farinha de mandioca, maracujá e cachaça. Há restaurante especializado em sushi até na Bósnia. Na Mongólia ou em Uganda, basta dispor de uma parabólica ― uma «paranoica», como dizia o outro ― para captar Telesur, a televisão bolivariana. ¡Que felicidad, hermanos!

Mas essas mudanças, no fundo, são de fachada. Raspando a superfície, descobre-se que a casca é fininha. Abaixo dela, o miolo é bem mais resistente e detesta mudanças.

Nos costumes políticos, por exemplo. Em tempos idos, o Partido dos Trabalhadores chegou a expulsar afiliados que ousaram mostrar algum sinal de insubmissão a ditames superiores. Hoje, isso não impressiona mais ninguém, muito pelo contrário.

Não é raro ver deputados e outros eleitos bandearem-se do partido A ao partido B, que os acolhe braços abertos. Ficha limpa? Ficha suja? Processo nas costas? Condenação judicial? Pouco importa ― quem liga mais para essas picuinhas? Nestes tempos estranhos em que antigos «virtuosos» tomam a benção de Maluf, os valores andam um bocado turvos. O fato é que está cada dia mais difícil ser expulso de um partido no Brasil.

Torre Eiffel

Torre Eiffel

Já na França, outra roca, outro fuso. Por lá, ainda vale o velho adágio: bobeou, dançou. O site da televisão pública francesa dá hoje seis conselhos aos políticos que quiserem evitar ser expulsos de seu partido. Comparando a visão que se tem da política na França com a que se tem no Brasil, parece que estamos falando de um outro planeta.

Os conselhos são:

Interligne vertical 71) Não fazer a saudação nazista ― aquela com o braço direito estendido à frente do corpo.

2) Não minimizar os crimes da Segunda Guerra.

3) Não atacar as etnias minoritárias na França.

4) Não apoiar o partido Frente Nacional (extrema-direita).

5) Não se candidatar quando o partido tiver escolhido outro nome em sua circunscrição.
Nota: Os deputados franceses são eleitos por voto distrital puro.

6) Não fraudar a receita.

Cada conselho faz alusão a alguma expulsão ocorrida em tempos recentes. Mundo, mundo, vasto mundo.

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