Le grand débat

José Horta Manzano

Nesta quarta-feira, os dois finalistas da eleição presidencial francesa se enfrentam no único debate televisivo a ser travado antes do segundo turno. Na França, o espaço entre o primeiro e o segundo turnos é de apenas 2 semanas. A votação final é domingo que vem.

Antes do primeiro turno, há alguns debates. No entanto, a grande quantidade de candidatos (12 ao total) transforma o ambiente em verdadeiro mercado persa. Todos falam e ninguém se entende. Aliás, o presidente Macron não quis participar de nenhum desses combates engalfinhados.

O debate organizado entre os dois turnos, unicamente com os dois finalistas, é um momento intenso na vida política do país. Entre 15 milhões e 20 milhões de eleitores devem escrutar com grande atenção o face a face entre o presidente Emmanuel Macron, candidato à reeleição, e Marine Le Pen, sua adversária de extrema-direita. Ninguém quer perder nem uma palavra.

O formato
O espetáculo tem duração de 150 minutos (2 horas e meia). A moderação é feita por dois apresentadores, um de cada um dos dois canais mais importantes do país. Até os dois campos chegarem a um consenso, diversos apresentadores foram descartados.

Os acertos prévios são negociados entre as equipes dos dois candidatos. Tudo é milimetrado e cada detalhe tem de ser aprovado pelas duas partes. Cada candidato vem com uma equipe de uma dúzia de pessoas. A quantidade de câmeras e o ângulo delas é discutido.

As duas equipes concordaram em regular a temperatura do estúdio em 19°C. A ordem dos temas é sorteada. É também a sorte que decide quem será o primeiro a falar. Cada equipe leva seu profissional experiente em direção de tevê, com a função de se instalar atrás do vidro e supervisionar as tomadas de cena. Nada é deixado ao acaso.

Não está provado que o debate defina o vencedor da eleição, mas, em anos como este, em que as sondagens preveem resultado apertado, todo cuidado é pouco. Um escorregão, um deslize, uma frase mal colocada, um gesto agressivo, um gaguejo, uma verdade aproximativa, uma gravata mal posicionada, uma maquiagem exagerada ou insuficiente podem ser fatais. O resultado das urnas será conhecido domingo às 20 horas em ponto.

Anti-europeísmo
Como muitos outros observadores, este blogueiro acredita que uma vitória de Madame Le Pen seria catastrófica para a Europa e, de tabela, para o resto do mundo. O nacionalismo da candidata é do tempo do Onça, cada país no seu canto, todos desconfiando de todos, todos com medo de todos. Seu anti-europeísmo é tão visceral que, se ela tomasse as rédeas da França, a Europa deixaria de existir tal como a conhecemos. Se isso acontecesse, os frágeis equilíbrios geopolíticos atuais estariam a perigo.

Não se sabe se essa senhora realmente acredita no que diz ou se procura apenas seduzir, com seu discurso populista, o maior número possível de descontentes. O fato é que ela defende valores anacrônicos, passadistas. Seu sonho final é ver a França fora da União Europeia. Ela não diz isso com todas as letras, mas as medidas que pretende tomar, se eleita, levam a esse desfecho.

Quer que a França abandone a moeda comum, o euro, e volte ao finado franco francês, uma absurdidade. Quer entravar a livre circulação dos cidadãos, uma conquista que levou décadas pra ser alcançada. Gostaria de ressuscitar fronteiras, cercar, murar, fechar, barrar, instalar postos alfandegários em torno do país. Outro de seus sonhos é implementar políticas de expulsão de estrangeiros. É bom lembrar que uma Europa sem a França vai ter dificuldade em seguir adiante, daí o abalo que o continente sentiria.

Putin sim, Bolsonaro não!
Madame é admiradora de Vladímir Putin. No passado, chegou a declarar que gostaria de ver a França fora da Otan, e aliada militarmente à Rússia – declaração que pega muito mal atualmente. É aliada do líder populista húngaro Viktor Orbán.

De Bolsonaro, porém, não quer ouvir falar; já declarou isso quando o capitão era ainda candidato à Presidência. Entrevistada naquela ocasião, Madame teve um raro momento de lucidez e desvencilhou-se da imagem de Bolsonaro. Quando lhe disseram que o então candidato à Presidência do Brasil era do mesmo campo político que ela, respondeu que não faz sentido etiquetar “de extrema direita” qualquer político que disser “coisas desagradáveis”.

Como se vê, a tradicional extrema direita não considera que o capitão faça parte de seu time. Já entenderam, lá atrás, que o homem é apenas rasteiro, oportunista, mal-educado e mal-intencionado. Muitas vezes quem está fora tem visão mais clara do que quem está dentro. Pra você ver.

São Benedito (Saint Benoît, em francês) é santo forte e não há de faltar. Nem a eles, nem a nós.

Quem jogará a final?

José Horta Manzano

A abundância de partidos que abarrota a cena política nacional há anos é de mentirinha, uma ilusão. Nenhuma das siglas menores chega a cutucar as três grandes.

No frigir dos ovos, é forçoso constatar que, neste último quarto de século, a presidência da República ‒ o cargo maior ‒ tem sido rateada entre duas siglas: PSDB e PT. É o que alguns chamam impropriamente de «direita x esquerda». Não é assim que eu rotularia, mas essa é história pra outro capítulo.

Pelo ranger da carroça, as eleições de 2018 vão soar o fim desse monopólio. Lula da Silva, eterno candidato do Partido dos Trabalhadores, está atrás das grades e, se nada de extraordinário acontecer, lá deverá continuar por bom tempo. Segundo as pesquisas eleitorais, nenhum candidato logrará herdar os votos do demiurgo. Nem nomes de siglas nanicas nem mesmo os do próprio PT. A sobrevivência do partido está ameaçada.

by João Bosco de Azevedo (1961-), desenhista paraense

No polo oposto, o ex-governador de São Paulo, candidato do PSDB, não conseguiu decolar até agora. A propaganda eleitoral certamente vai granjear-lhe votos, mas não há garantia de que ultrapasse os concorrentes.

Já doutor Bolsonaro parece ter lugar garantido na final do campeonato. A pergunta à qual ninguém pode responder neste momento é: quem será o adversário?

Uma coisa é certa. Pela primeira vez desde o triste fim de doutor Collor, o resultado da corrida é nebuloso. O vencedor permanece incógnito, o que não é um mal em si. Pelo menos, teremos subidas de adrenalina.

Candidatos de ficha pra lá de limpa hão de atrair a simpatia do eleitor. Cansados de assistir aos crimes, à corrupção, à roubalheira, à desfaçatez, à impunidade que reina no andar de cima, os brasileiros darão o voto àquele (ou àquela) que apresentar maior garantia de integridade. É certeza. Nosso Guia, ainda que estivesse livre e solto, não venceria.

O day after

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 13 agosto 2016

Faz mais de trezentos anos que Isaac Newton estendeu monumental tapete vermelho para o desenvolvimento da Física moderna. Por praticidade, o título quilométrico de sua obra foi encurtado. Basta mencionar os Principia e todos saberão que se fala do genial britânico. A terceira lei de Newton reza que «actioni contrariam semper & æqualem esse reactionem» ‒ a toda ação corresponde igual reação em sentido contrário. Além de valer para a Física, o princípio se aplica também à vida real.

Nações atravessam períodos de crise, aqueles em que se sente o sacolejo e se percebe que a nave está para soçobrar. Se o barco não afundar de vez, é certeza que, mais dia menos dia, a lei newtoniana se aplicará. O pós-crise será um combate às causas que, no imaginário das gentes, tiverem engendrado o sufoco. Só que tem uma coisa: paixões humanas nem sempre se encaixam no rigor científico ‒ guardam certa propensão ao exagero. Reações podem ser desproporcionadas, mais intensas que as forças que as geraram. Chegam-se a tomar canhões para exterminar pardais. A história registra bom número de crises que desembocaram em solução despropositada. Contrária, sim, porém mais vigorosa do que seria razoável. Há casos em que reação extremada traz resultados positivos. Mas não é garantido.

Sir Isaac Newton

Sir Isaac Newton

O ataque com que tropas japonesas surpreenderam uma desprevenida marinha de guerra americana em Pearl Harbor nocauteou os EUA. Naquele dezembro de 1941, momento grave de estupor, vergonha e cólera, quis o destino que administradores competentes e bem-intencionados estivessem no comando do país. A reação, forte e coordenada, os levou a derrubar o inimigo e a ganhar a guerra.

A humilhação sofrida pela Alemanha na Primeira Guerra e as indenizações que foi obrigada a pagar estrangularam-lhe a economia e ladrilharam a via para um salvador da pátria, um arrivista que prometesse desforra, glória e vida melhor para todos. No terreno fértil, brotou um ditador abilolado. Na esperança de lavar a honra ofendida, todos obedeceram a seu mando desvairado. No embalo da louvação, o mandachuva chegou a imaginar-se senhor do universo e… exagerou. Deu no desastre que conhecemos.

A revolução iraniana de 1979, que visava a coibir excessos da era do xá, abusou da lei de Newton e virou o país de ponta-cabeça. Os aiatolás foram tão incisivos e tão visceralmente opostos ao regime anterior que o mundo, alarmado, botou a velha Pérsia de molho, à margem da sociedade civilizada.

Aiatolá 1O Brasil atravessa momento histórico peculiar. Nos últimos dois anos, acontecimentos pouco ortodoxos se sucedem num crescendo infernal. Não se passam dois dias sem que novo escândalo venha nos embasbacar. Verbos empoeirados por falta de uso e adjetivos antes escassos tornaram-se triviais. O susto, o assombro, o estarrecimento, o espanto, a comoção tornaram-se feijão com arroz.

Desde o tempo das cavernas, a sabedoria popular entendeu que não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe. Como numa grande ópera verdiana, o deprimente espetáculo que nos é dado presenciar vai terminar por falta de personagens. Não está longe o dia em que o último acusado será devidamente apanhado e julgado. E aí, como é que fica? Que virá depois?

by Freydoon Rassouli (1943-), artista iraniano

by Freydoon Rassouli (1943-), artista iraniano

A reação virá intensa como preconiza a lei de Newton ‒ isso é certeza. Sob que forma? Ora, num país onde até o passado pode mudar, impossível será vaticinar com precisão. O nojo que os atentados à coisa pública estão instilando nos cidadãos honestos há de nos predispor a varrer tudo e todos os que se tiverem beneficiado com o descalabro. É aí que mora o perigo. O risco grande é ver surgir novo ser providencial, um caçador de marajás 2.0, uma alma pura e honesta em versão repaginada, um novo Antônio Conselheiro ao qual, em desespero, muitos perigam se abraçar. Hoje em dia, basta ter prontuário virgem para ser considerado apto a representar cidadãos e a dirigir o país.

De olho nas próximas eleições presidenciais, já aparecem as primeiras sondagens. Parece-me cedo demais pra nisso, que ainda tem muita poeira pelo caminho. Aposto que o próximo presidente da República será alguém que nunca se candidatou antes, elemento novo que encarne a esperança de que corrupção e roubalheira, ainda que não desapareçam de todo, voltem a níveis «comportados» e não tornem a precipitar o país na ribanceira. É tudo o que esperamos da lei de Newton.