De que cô qué?

José Horta Manzano

Na Suíça, vigora um sistema original de democracia. Dois métodos correm paralelos, ambos destinados à manifestação da vontade popular.

Do lado tradicional do sistema, estão os representantes do povo, deputados e senadores, eleitos pelo voto universal e secreto, com mandato fixo – como em qualquer democracia que se preze.

Por outro lado, menos comum em outras partes do mundo, o método plebiscitário é muito utilizado. Embora a possibilidade também seja prevista pela Constituição de outros países (inclusive a nossa), é raramente utilizada. Não é o caso da Suíça, país onde qualquer cidadão (ou grupo de cidadãos) pode lançar uma coleta de assinaturas, conhecida como “iniciativa popular”. O objetivo é reunir um determinado número de cidadãos que, com sua assinatura, confirmam estar de acordo com a matéria proposta.

Para ser válida, a iniciativa não pode entrar em colisão com a Constituição. Portanto, antes de lançá-la, seu texto será submetido à autoridade competente para análise. Uma vez considerada constitucional, é liberada. A coleta de assinaturas pode ser iniciada e deverá estar terminada dentro do prazo estipulado. Há diferentes modalidades de iniciativa, cada qual com um determinado número de assinaturas necessárias.

Uma vez obtido o número mínimo de assinaturas dentro do prazo, as pilhas de documentos são entregues ao departamento encarregado de validá-las. Cada assinatura será conferida. Se as regras tiverem sido respeitadas e o número de assinaturas válidas tiver sido alcançado dentro do prazo fixado, o governo marcará a data do voto popular.

É um dos aspectos que integram a chamada democracia direta. Em média, o povo suíço vota quatro vezes por ano. O voto não é obrigatório. Cada votação pode reunir duas, três ou mais iniciativas. O eleitor dará sua opinião sobre cada uma delas. Tanto podem ser de âmbito municipal, cantonal ou federal.

Assim mesmo, apesar de já ter esses amplos meios de exprimir sua vontade, a população ainda conta com a possibilidade de manifestar seus desejos (ou, mais frequentemente, suas contrariedades) por meio de passeatas e manifestações ao ar livre. (“Carreatas” ainda não estão na moda aqui. E muito menos “motociclatas”.)

Passeatas, há muitas. Nessas horas, o importante não costuma ser a vestimenta dos manifestantes, mas os slogans escandidos e, principalmente, os cartazes brandidos. O que vai aparecer na mídia e na tevê são justamente os cartazes, a palavra escrita. Vê-se gente vestida de preto, branco, azul, vermelho, amarelo, cor-de-rosa, e quantas mais cores houver. Não há código vestimentar. A mensagem não está na cor da roupa, mas na palavra gritada ou escrita.

É estranho que, nas manifestações de rua do Brasil deste começo de século, a vestimenta fale mais alto que as palavras. Às vezes, penso que essa bizarrice se deve à falta de argumentos – quem não tem o que dizer, veste-se de determinado modo como marca de identificação tribal. Mas posso estar enganado.

Nos tempos do lulopetismo, vinham todos de vermelho. Até o Lula e os acólitos. Vermelho, por acaso, é a cor preferida deste blogueiro, mas isso não vem ao caso; já gostava dessa cor antes que o PT existisse. Agora, desde que o capitão assinou contrato de locação no Palácio do Planalto, a cor dos desfilantes mudou: vêm todos de verde-amarelo.

Quando de grandes movimentos do passado, como as Diretas Já e as Marchas de 1964, o povo não vinha fantasiado. As convicções, boas ou más, estavam dentro das gentes e vinham expressas em cartazes. Por que mudou?

Lula e Bolsonaro são do tipo cabeça-dura. Não lhes viria à ideia sugerir a seus devotos que variassem a cor da indumentária. Então, aproveito a deixa para dizer o que penso. Acho que tanto um lado quanto o outro ganhariam se maneirassem no uso do vermelho, por um lado, e do verde-amarelo, por outro. Do jeito que está, fica caricato. Passa a ideia de rebanho domesticado e amestrado, o que não pega bem pra ninguém.

Dado que as manifestações de rua são marcadas com antecedência e amplamente divulgadas, todos sabem se o desfile é a favor deste ou contra aquele. Por que as cores, então? Fosse eu, daria aos apoiadores instruções para que cada um viesse vestido da cor que mais lhe agrada. Não está escrito em lugar nenhum que esquerdista tem de se vestir obrigatoriamente de vermelho, nem que um neofascista deve usar roupa amarela.

Está ficando ridículo para ambos os lados. Um desfile com um bando de vermelhinhos lembra mais um reclamo de outras eras, de um tempo em que crianças trabalhavam em fábricas e mulheres não tinham o direito de voto. Um desfile com um bando de verde-amarelinhos lembra mais um circo, em que alguns parecem proteger-se enrolados numa bandeira brasileira, como se tivessem medo de sermos invadidos pela Bolívia.

Vamos! Coragem, minha gente! O importante são as ideias e, principalmente, as palavras. A vestimenta não voga.

(*) De que cô qué?
Devo uma explicação sobre o título deste artigo. Este blogueiro, que teve avó mineira de Mariana, se lembra de piadas que deviam parecer muito engraçadas no século 19. Hoje, não tenho certeza de que fariam tanto sucesso. A bizarrice da cega preferência que os manifestantes de hoje demonstram por esta ou aquela cor me lembrou uma delas.

Na empoeirada cidadezinha do interior, um cliente entra na loja de armarinhos e pede um corte de tecido.

Balconista:
– De que cô qué?

Cliente:
– De caqué cô.

Casamento para todos

José Horta Manzano

Faz alguns meses, as Câmaras Federais da Suíça aprovaram uma lei que oficializa o chamado “casamento para todos”. Antes da lei, só parelhas heterossexuais podiam se casar de papel passado. Homossexuais só tinham direito a um simulacro de casamento, um ato simplificado feito em cartório, que não dava os mesmos direitos nem impunha os mesmos deveres que um casamento hétero. Era só pra inglês ver.

É bom explicar que, neste país, só vale o que está na lei. Não é como no Brasil, país onde juiz tem amplitude de movimentos para tomar decisões conforme suas convicções, às vezes no limite da legalidade. Aqui, toda decisão judicial tem de ter base legal bem firme. Invocar a jurisprudência é bastante incomum, justamente porque a lei costuma ser seguida à risca.

Em conformidade com a tendência de nosso tempo, os parlamentares entenderam que todos os casais homossexuais que decidirem juntar os trapos oficialmente terão direito a serem amparados pela lei: mesmos direitos que um casal tradicional. E deveres idênticos, naturalmente.

Para gente esclarecida, dizer isso parece uma evidência. Mas o diabo é que nem toda a gente é esclarecida. Há sempre aqueles que se mostram reticentes a toda mudança na sociedade, gente que tem muito medo, que acredita que uma lei como essa é porta aberta para a iminente dissolução da família, para o reconhecimento da poligamia, para a aceitação da pedofilia e sabe-se lá quantos horrores mais.

O sistema suíço de democracia direta permite que um partido ou um grupo de cidadãos conteste uma lei já votada. Para tanto, é preciso coletar um determinado número de assinaturas dentro de um determinado prazo. Os oponentes à lei do “casamento para todos” lançaram uma iniciativa nesse sentido e conseguiram preencher os requisitos.

Em casos assim, a palavra final será dada pelo povo – é o que se chama aqui democracia direta. Está marcado o plebiscito para 26 de setembro.  Os eleitores terão de dizer se aceitam ou se rejeitam a lei votada pelo Parlamento. Segundo as sondagens, os opositores vão ficar frustrados. A população tende a referendar, por ampla maioria, o que decidiram deputados e senadores. Só que tem um senão.

Conceituados juristas foram consultados sobre a questão religiosa. Se essa lei for confirmada pelo voto popular, como é que as Igrejas terão de encarar o casamento homossexual? Terão liberdade de recusar estender o sacramento aos gays, ou serão obrigadas a abençoar os casais não convencionais da mesma maneira (e como o mesmo rito) dos casais héteros?

Dizem os que entendem de lei que sim, sacerdotes, pastores e outros oficiantes terão de se dobrar ao que diz o artigo do código civil que dá a todos os cidadãos os mesmos direitos e os mesmos deveres. Se todos os cidadãos têm os mesmos direitos e se todos os casais têm direito a se casar, é natural que os oficiantes religiosos sejam obrigados a celebrar as uniões homossexuais, gostem ou não. Se se recusarem, poderão ser sancionados penalmente.

É possível que surjam situações interessantes. Aguardemos os próximos capítulos.

Voto eletrônico ‒ 2

José Horta Manzano

A democracia semi-direta suíça se assenta sobre dois pilares: a representação popular e a consulta direta ao eleitor. O grande número de cidadãos impede, por razões práticas, que cada suíço seja individualmente consultado a cada decisão legislativa ou administrativa a ser tomada. Para contornar essa pedra, existe um parlamento, como nos demais países. Os eleitores elegem representantes que, agindo em seu nome, farão leis e tomarão decisões.

Além desse sistema afunilado, em que um só parlamentar carrega a voz de milhares de concidadãos, o país dispõe ainda de um azeitado sistema em que o eleitor participa diretamente, passando por cima de representantes. A cada três meses, em média, todos são convocados a votar. Há vários objetos em jogo. O votante poderá dar opinião sobre leis já votadas, projetos de lei, medidas administrativas, mudanças constitucionais ‒ tanto no âmbito federal, quanto cantonal ou municipal.

Vota-se este fim de semana

Nos tempos de antigamente, no dia designado, todos se dirigiam ao local eleitoral e depositavam o boletim na urna. Já faz tempo, há uma segunda opção: o voto por correio. Um mês antes de cada voto, os eleitores recebem em casa as informações e o material necessário. Votam e devolvem pelo correio, o que não deixa de ser prático. Mas os tempos têm mudado. A chegada da internet oferece mais uma opção: o voto eletrônico.

Muitos estão ainda reticentes à novidade. O temor está ligado à insegurança do sistema. Histórias de hackers, piratas russos e invasores chineses assustam muita gente. Por enquanto, somente 3 dos 26 cantões adotaram o novo método. As autoridades garantem que se trata de sistema confiável e inviolável. Já o eleitor fica meio assim, desconfiado, com receio de que seu voto não chegue a bom porto.

Voto de cabresto

É questão de tempo. Mais alguns anos, e os temores estarão dissipados. Já no Brasil, a questão não é tão simples. Tecnicamente, o voto eletrônico podia ser instaurado. Quem consegue a proeza de organizar a urna eletrônica em todo o território nacional deve estar em condições de garantir que cada eleitor possa votar a partir do próprio telefone ou computador, em toda segurança. Só que o problema é mais complexo.

Os brasileiros se espalham num leque muito aberto de classes sociais, com abissais disparidades de nível de instrução entre elas. Essa realidade é um freio ao exercício do voto longe do olho vigilante de mesários. O voto em casa seria porta aberta para o voto vendido. Bastaria que o vendedor entregasse ao comprador o material eleitoral e a senha. O perigo é demasiado grande. Na Suíça, o voto eletrônico tende a se alastrar. No Brasil, vai demorar um bocadinho mais.

Pagar pra ver novela ‒ 2

José Horta Manzano

Você sabia?

Na Suíça, a chamada democracia direta não é total e absoluta. Não implica que as decisões das autoridades sejam sistematicamente submetidas a plebiscito para checar se o povo está de acordo. Fosse assim, o sistema viveria travado e nenhuma decisão vingaria. Se toda lei tivesse de passar por esse processo, só entraria em vigor ‒ se entrasse ‒ anos depois de votada. Autobloqueante, o sistema seria inexequível.

A democracia direta helvética se distingue das democracias comuns pelo fato de outorgar a qualquer cidadão o direito de lançar uma proposta de emenda constitucional. Só a Constituição pode ser modificada por esse sistema, não a lei comum. Esse processo, chamado «iniciativa popular», equivale ao que dizemos PEC no Brasil. Com algumas particularidades.

No Brasil, a proposta de emenda constitucional é recurso pesado. Só pode ser lançado por um punhado de altas autoridades (OAB, senadores, deputados). E será votada no Congresso, sem participação direta do eleitor. Na Suíça, em teoria, qualquer um pode lançar uma iniciativa. Dado que a campanha comporta um certo custo ‒ outdoors, anúncio em jornais, comícios, impressão de santinhos ‒ as «iniciativas populares» costumam ser promovidas por um grupo de cidadãos, uma associação ou mesmo um partido político.

Antes de coletar as assinaturas, o comitê de «iniciadores» deve obter o aval das autoridades federais, para ter certeza de que a proposta não fere a Constituição. Caso o teor da iniciativa seja aprovado, as autoridades fixarão um prazo (algo em torno de três meses) para que seja colhido o número necessário de assinaturas. Os iniciadores vão, então, à luta. Visitam feiras, mercados, centros comerciais, porta de igrejas. Se conseguirem quantidade suficiente de adesões dentro do prazo determinado, a iniciativa terá tido sucesso. Todas as assinaturas são enviadas a Berna para serem validadas. Se tudo der certo, as autoridades federais são obrigadas a programar um plebiscito a ocorrer dentro de um prazo razoável.

Neste domingo 4 de março, o povo foi chamado a votar. Tinham de se pronunciar sobre uma iniciativa popular que pedia o fim da taxa obrigatória para ouvir rádio e ver tevê. Os iniciadores, como se pode imaginar, eram jovens que, habituados a viver dependurados num smartphone, não consideram importante a existência de emissoras de rádio e tevê públicas.

Acontece que a Suíça é um país peculiar. No que tange à língua materna, os cidadãos se dividem em segmentos de tamanho desigual. Enquanto 70% são de língua alemã, apenas 20% falam francês e parcos 10% têm o italiano como língua materna. Desde sempre, as emissoras públicas favoreceram os falantes de línguas minoritárias. Todos os grupos linguísticos recebem programas de qualidade, o que não seria possível se as estações regionais dependessem unicamente de receitas de publicidade. Em resumo, ao pagar as taxas, os falantes da língua majoritária financiam os minoritários. É sustentáculo ultraimportante da coesão nacional.

Bom, chega de suspense. Abertas as urnas e contados os votos, constatou-se que a iniciativa popular que reclamava a abolição da taxa audiovisual tinha sido varrida do mapa. Nada menos que 72% dos votantes rejeitou a abolição. Foi um belo exemplo de solidariedade nacional.

Um estrangeiro pode até se surpreender com o resultado e achar que o país é habitado por bobões que preferem continuar pagando taxa de 1500 reais por ano quando poderiam tê-la eliminado. É verdade que o preço é salgado. Mas, assim como não existe almoço grátis, a concórdia e a coesão nacional têm seu custo. A radio-televisão pública nacional é um dos seus pilares. Os suíços entenderam isso.

Pagar pra ver novela ‒ 1

José Horta Manzano

Você sabia?

Por capricho do destino, as emissões radiofônicas europeias foram tratadas de modo diferente do que ocorreu nos países americanos.

Na Europa dos anos 1920-1930, os primórdios do rádio coincidiram com a ascensão de movimentos nacionalistas ameaçadores, de tendência autoritária ‒ o nazismo e o fascismo. A força de penetração do rádio e sua importância na propagação da verdade oficial foi logo identificada como importante demais para ser abandonada à iniciativa privada. Era crucial que o Estado mantivesse o controle do novo e poderoso meio de difusão da palavra.

Enquanto isso, nas Américas, o tom foi dado pelos EUA. Naquele país, não estava em jogo a imposição de nova ideologia. O convencimento e a adesão da população não era crucial como na Europa. Certamente está aí a razão pela qual o desenvolvimento de estações de rádio foi quase totalmente deixado em mãos de empreendedores privados. O Estado nunca se preocupou em cobrar taxa de quem comprasse um aparelho.

Os demais países americanos acompanharam e adotaram a mesma lógica. Eis por que nunca tivemos de pagar pra ouvir rádio nem pra ver novela.

Na ausência de capitais particulares, os países europeus ‒ com pouquíssimas exceções ‒ decidiram recorrer ao financiamento público das emissoras estatais. Para tanto, impuseram uma taxa anual a proprietários de aparelho de rádio. Anos mais tarde, quando surgiu a televisão, a taxa foi aumentada.

Pelos anos 1960-1970, começaram a surgir emissoras particulares de rádio e tevê. Ainda assim, os Estados continuaram cobrando as taxas de concessão de licença. A cobrança, hoje mais sofisticada, depende da imaginação de cada governo.

Na França, a taxa anual (136 euros atualmente) vem incluída nos impostos municipais. Caso o cidadão não disponha de aparelho de rádio nem de tevê, coisa rara, terá de confirmar por escrito e assinar embaixo. A trapaça pode custar caro.

Na Itália (90 euros) e em Portugal (33 euros), a taxa vem embutida na conta de luz. Na Alemanha, a conta é mensal, mas quem preferir pode pagar adiantado para o ano inteiro (210 euros). Firmas também pagam.

Na Suíça, paga-se o montante mais elevado de todos. Cada lar(*), tendo ou não tendo aparelhos, paga obrigatoriamente 451 francos (1500 reais) por ano. Empresas também pagam um montante que varia conforme o número de sucursais e de funcionários.

A democracia direta suíça permite que qualquer cidadão lance uma PEC (=Proposta de Emenda Constitucional). Há que seguir certas regras, naturalmente. Domingo passado, 4 de março, o povo foi chamado a dar seu parecer numa iniciativa cidadã que pedia o fim da cobrança dessa «taxa audiovisual».

Por enquanto, vamos deixar o suspense. Amanhã conto o resultado.

(*) Utilizei o termo lar para indicar que a taxa cobre todos os que habitam sob o mesmo teto, na mesma casa ou apartamento, que sejam parentes ou não. Uma vez paga a conta, todos os que moram no mesmo endereço estão autorizados a ter os aparelhos que desejarem, na quantidade que preferirem. Rádio de automóvel, tablettes, smartphones incluídos.

Plebiscito ou referendo ‒ 2

José Horta Manzano

Quando a gente não sabe pra que lado correr, que é que deve fazer? Uma boa solução é se aconselhar com outros, perguntar o que pensam. Em derradeira instância, deixar que tomem a decisão. Isso vale tanto no âmbito privado quanto em grandes deliberações nacionais.

Faz pouco mais de um ano, a já cambaleante (mas ainda) presidente Dilma Rousseff, ao sentir que o coreto estava balançando e que o apoio do parlamento se esvaía, teve a ideia de propor que o povo se exprimisse sem intermediários sobre uma reforma política costurada especialmente para segurá-la no Planalto. Deu à consulta o nome de plebiscito. Embora tenha errado na estratégia, acertou no nome da operação. (Por ter vindo tarde demais, a iniciativa não vingou. A doutora, que já tinha virado traço nas pesquisas de popularidade, não tinha mais chance.)

De fato, convoca-se o povo para um plebiscito quando se quer conhecer a opinião do eleitorado antes de votar uma lei. Diferentemente, quando se chama os eleitores a aprovarem (ou não) uma lei já votada, fala-se em referendo. Neste último caso, o povo é chamado a referendar decisão já tomada.

Em entrevista concedida a uma estação de rádio semana passada, a ministra Antunes Rocha, atual presidente pro-tempore do STF e mais conhecida como Cármen Lúcia, voltou a invocar a ideia de consulta direta ao povo. Diferentemente da antiga presidente, a ministra enfia os dois conceitos no mesmo balaio e não parece fazer diferença entre plebiscito e referendo. De todo modo, não acredito que a ideia vá adiante.

É interessante notar que, quando baixa o nível de confiança nos deputados e senadores, como tem acontecido nestes tempos de Lava a Jato, ressurge a ideia de consulta direta ao povo. Nem sempre dá certo. A meu conhecimento, o povo suíço é o único a ter ‒ e a aplicar com sucesso ‒ um verdadeiro sistema de democracia direta em paralelo à democracia representativa. O segredo para o sucesso do sistema é consultar o povo com grande frequência. Na Suíça, há uma média de quatro referendos ou plebiscitos por ano.

Quando a consulta direta é esporádica ‒ como no Brasil, em que só ocorreu três vezes nos últimos trinta anos ‒ o risco é grande de transformar o plebiscito num voto de aprovação ou de reprovação do governo. Na realidade, o eleitor tende a votar «com» os governantes ou «contra» eles, pouco importando a pergunta que esteja escrita na cédula ou na tela da máquina de votar.

Continuo acreditando que o melhor caminho para o avanço do país é ter bons políticos. Para tê-los, basta votar em gente séria. Para descobrir quem é sério e quem não é… ai, ai, ai… não é fácil. Quem já não comprou uma linda fruta, de aparência deliciosa para, em seguida, ao parti-la ao meio, descobrir que está podre por dentro?

Qualquer dia destes, uma start-up ainda há de inventar um «app» para escanear fruta sem ter de abri-la. Em seguida, a geringonça será adaptada pra escanear candidato. Que tal?

Dactiloscopia

José Horta Manzano

Volta e meia, fala-se da revolução informática. Não é exagero nem boato: é fato. No campo da informação, o mundo não é mais como antes. E olhe que, quando digo «antes», não falo do tempo de Matusalém. De vinte anos a esta parte, muita coisa mudou. E pensar que estamos no comecinho do começo… Por mais que nos esforcemos, é impossível imaginar em que mundo viverão os bisnetos de nossos bisnetos.

Estes dias, chegou ao Congresso uma petição com 2,2 milhões de assinaturas. Exprime o desejo de boa parcela de cidadãos quanto aos rumos das investigações da Operação Lava a Jato. Não vamos discutir aqui o mérito da questão, mas a forma. Os congressistas, destinatários da petição, alegaram ser impossível conferir esse balaio de assinaturas. Portanto, a legitimidade delas não pode ser confirmada.

impressao-digital-1O acelerado desenvolvimento da informática não deixa passar uma semana sem anunciar aplicações nunca dantes sonhadas, capazes de façanhas do arco-da-velha. Antes, havia a firma manual, restrita a alfabetizados. Faz pouco mais de um século, surgiu a dactiloscopia, o estudo da impressão digital. Até anteontem, eram os únicos instrumentos para identificar pessoas. A par delas, temos hoje uma coleção de opções. Há reconhecimento da íris, das veias da palma da mão, do rosto, da voz. Deus sabe o que aparecerá amanhã.

Num universo em transformação, soa anacrônico ouvir que nossas autoridades não dispõem de sistema capaz de autentificar assinaturas sem intervenção humana. De um lado, está o Superior Tribunal Eleitoral cujo banco de dados reúne o jamegão de todos os eleitores. Do outro, estão dois milhões desses mesmos indivíduos que, ao aderir à petição, se identificaram pela mesma assinatura. Basta comparar, não?

É compreensível que fazer a verificação «a olho» seria tarefa hercúlea. Exigiria meses de trabalho de alentada equipe. Mas as coisas mudaram, minha gente. Nossas autoridades estão com a faca e o queijo na mão. Dispõem do material necessário à comparação, só falta automatizar. Foi-se o tempo em que precisava mostrar atestado de vida. Se ainda não desenvolveram um sistema para resolver o problema, não é difícil adivinhar a razão: não há interesse. Que mais poderia ser?

Manif 26O andar de cima dá mostras de estar incomodado com essa interferência popular na cidadela dos privilegiados. Afinal ‒ pensam eles ‒ povão foi feito para se acomodar ao perverso sistema atual, em que o eleitor vota no candidato A e, sem se dar conta, acaba elegendo um obscuro B.

Eta povão impertinente! Que gente ingrata! A continuar assim, qualquer hora vão acabar exigindo que todos os postulantes exibam ficha limpa antes de se candidatar. Que ousadia! Desse jeito, aonde é que vamos chegar?

Iniciativa popular

José Horta Manzano

Você sabia?

Manif 26A democracia suíça se apoia sobre dois pilares. O primeiro, comum a todos os regimes democratas, é a representatividade: o povo escolhe representantes para falarem em seu nome no parlamento. O segundo é específico do país, uma paixão nacional: a democracia direta.

Essa particularidade helvética dá a todos os cidadãos o poder de interferir no processo legislativo sem passar pelos representantes do povo. Claro está que um solitário indivíduo não tem o poder de legislar. Portanto, terá de reunir um número significativo de conterrâneos que pensem como ele. Juntos, podem conseguir o que querem.

O caminho das pedras passa pelo processo que chamamos iniciativa popular. Qualquer cidadão suíço pode lançar o procedimento. Para tanto, basta seguir rigorosamente as regras. Para ser bem-sucedida, a iniciativa terá de coletar, no prazo de 18 meses, pelo menos cem mil assinaturas, cuja validade será atestada pelas autoridades do município de residência de cada um dos que assinaram.

Caso as assinaturas atinjam o quorum e sejam devidamente validadas dentro do prazo, a iniciativa terá sido bem-sucedida. O governo federal terá de submeter o texto ao voto do eleitorado por meio de plebiscito. Caso o povo dê aprovação, a Constituição do país será modificada conforme estipula o novo texto.

Suisse 2Convém esclarecer que, no plano federal, somente são permitidas iniciativas que visem à modificação da Constituição. A lei comum está fora do alcance de iniciativas populares.

A possibilidade de instaurar esse tipo de iniciativa popular no Brasil entra em colisão com uma dificuldade incontornável: como verificar a autenticidade das assinaturas? Os brasileiros não estão registrados no município de residência nem têm sua assinatura depositada ali. Para tornar possível a democracia direta no Brasil, seria imperativo começar pela obrigatoriedade de cada cidadão declarar residência.

É pena que assim seja. Enquanto, no resto do mundo, o povão sai às ruas, grita, manifesta, quebra vitrines, se agita, xinga, briga e agride, o suíço lança uma iniciativa. Com boas chances de chegar lá.

Democracia x oligarquia

José Horta Manzano

Initiative 1Já lhes contei, neste espaço, alguns aspectos do que os suíços chamam democracia direta. Na Confederação Helvética ― nome oficial do país ―, qualquer cidadão tem o direito de lançar o que no Brasil se chama PEC (Projeto de Emenda Constitucional). É direito inalienável, para usar expressão da moda. Na prática, a coisa se complica um pouco porque regras rigorosas têm de ser seguidas, sob pena de invalidar o processo.

Dado que um simples cidadão dificilmente disporia dos meios imprescindíveis para levar adiante o empreendimento, o mais das vezes as diligências ficam a cargo de um coletivo de cidadãos ou de um partido político.

A base do sistema é a iniciativa popular. Um grupo de pessoas ― ou um partido ― faz saber às autoridades que deseja que o povo seja consultado sobre a instauração de nova lei ou sobre a modificação de texto existente. A proposição é então analisada por juristas constitucionalistas e, caso não entre em colisão com a Constituição do país, a colheita de assinaturas será autorizada.

A partir desse momento, será concedido ao grupo organizador um certo número de meses para angariar um determinado número de assinaturas. Ao final, uma cerimônia é geralmente organizada. Ocorre em Berna, em frente ao Palácio Federal. Caixas de papelão contendo as folhas com nome, endereço e assinatura dos apoiadores são entregues a quem de direito. Essa papelada vai ser checada minuciosamente por especialistas. Se as exigências tiverem sido cumpridas (quantidade de assinaturas válidas coletadas dentro do prazo determinado), um voto popular terá de ser organizado.

Initiative 2O povo ― na Suíça chamado de «o soberano» ― votará. Se o resultado do voto popular for favorável, o projeto de emenda será oficializado. Entrará para a Constituição, seja como modificação de artigo existente ou como novo artigo. É processo demorado. Entre o registro da ideia junto às autoridades até a promulgação da nova lei, há que contar dois ou três anos.

No Brasil, após a imposição do Decreto n° 8243, o assunto da participação popular esporádica entrou na pauta das reflexões políticas. O modelo injungido aos brasileiros pelo ucasse presidencial está a léguas de distância da visão que se tem, na Suíça, de democracia direta. Na Confederação Helvética, todos os cidadãos são convidados a dar sua opinião através do voto.

Já o decreto de dona Dilma ― considerado anticonstitucional por muitos ― delega decisões importantes a um punhado de grandes eleitores capitaneados por uma pessoa só: o secretário-geral da presidência da República, homem «de confiança» do chefe do Executivo.

Αυτή δεν είναι η άμεση δημοκρατία. Αυτό είναι άμεση ολιγαρχία.
Isso não é democracia direta. É oligarquia direta.

As urnas helvéticas

José Horta Manzano

Mês passado, eu lhes tinha adiantado que os cidadãos suíços se preparavam para se pronunciar sobre vários assuntos de importância. Entre eles, estava um plebiscito sobre a instituição de um salário mínimo nacional e um referendo sobre a compra de aviões de caça para o exército.

O voto foi ontem, domingo. Talvez alguns de meus distintos leitores já tenham tido notícia do resultado. Mais provavelmente, a enxurrada de eletrizantes acontecimentos brasileiros há de ter roubado a cena e ofuscado todo o resto. Vou contar como ficou.

Salário mínimo
Estes últimos dias, a meio caminho entre a zombaria e a inveja, toda a mídia europeia vinha falando no assunto do piso salarial suíço. Todos ressaltaram o montante: disseram que, se o povo aceitasse a proposta, o país passaria a ter o salário mínimo mais elevado do planeta. É verdade que 4000 francos suíços (algo em torno de dez mil reais) impressiona.

Já na cabeça do eleitor suíço, a questão era outra. Ninguém se impressionou com o montante. O voto era sobre o princípio: um piso salarial nacional deve, sim ou não, ser fixado?

Voto sobre o salário mínimo Resultado de cada cantão

Voto sobre o salário mínimo
Resultado de cada cantão

Visto o custo de vida no país, quatro mil francos (brutos) dão justinho para uma pessoa sozinha. Vida pra lá de modesta, sem fantasias e sem luxo. Para um casal, a coisa aperta um bocado. Vai ser difícil chegar ao fim do mês sem abrir o bico.

O resultado foi inapelável: os suíços botaram pra correr o salário mínimo. Uma maioria de 76% dos votantes desaprovou a ideia. O sim não venceu em nenhum dos cantões. O país vai continuar sem piso salarial legal.

Interligne 28aAviões de combate
O voto deste 18 de maio incluía um referendo sobre a compra de 22 caças Gripen ― de mesmo tipo que os que nosso exército decidiu adquirir. O montante total seria de mais de 3 bilhões de francos suíços, algo entre 7 e 8 bilhões de reais.

O resultado da votação foi mais apertado que o do salário mínimo. Assim mesmo, mais de 53% dos votantes rejeitaram a decisão. As negociações foram arquivadas. Por uns dez anos, no mínimo, nenhum avião de caça será adquirido.

Voto sobre os caças Gripen Resultado de cada cantão

Voto sobre os caças Gripen
Resultado de cada cantão

Num país onde as forças aéreas somente estão disponíveis no horário comercial, faz sentido. Se você não entendeu, leia meu artigo de 18 fevereiro passado. Clique aqui.

Fico a me perguntar se, numa tresloucada hipótese, o governo brasileiro decidisse submeter ao povo a decisão de adquirir os caças Gripen, qual seria o resultado?

Um dia, talvez, cheguemos lá. Por enquanto, vamos desfrutando de nossas novíssimas e portentosas «arenas».

Democracia direta

José Horta Manzano

Mês que vem, os cidadãos suíços serão chamados a se pronunciar sobre quatro matérias de âmbito nacional. Como de costume, cada cantão vai aproveitar a ocasião para incluir alguma consulta regional.

Dentre os assuntos federais, três são particularmente interessantes.

Lembrete aos eleitores: Vota-se hoje

Lembrete aos eleitores:
Vota-se hoje

Pedofilia
Ainda que pareça desconcertante, indivíduos condenados por atos pedófilos ― e que já tenham cumprido a respectiva pena ― estão liberados para voltar a exercer atividade profissional em contacto com menores.

Uma iniciativa popular recolheu o número de assinaturas suficiente para que seja organizado um plebiscito sobre o assunto. A petição exige que tais indivíduos sejam proibidos de trabalhar junto a menores de idade. O parlamento não deu nenhuma recomendação de voto. O povo decidirá.

Salário mínimo
Diferentemente de muitos outros países, a Suíça nunca estabeleceu um salário mínimo nacional. Alguns sindicatos mais poderosos já conseguiram, por meio de acordos setoriais, instituir uma paga mínima para seus afiliados. No entanto, grande parte dos assalariados continua sem garantia salarial.

O plebiscito convocado para 18 de maio solicita à população que se pronuncie sobre a instituição de um salário mínimo de 22 francos por hora, equivalente a 58 reais. Por grande maioria, o parlamento rejeitou essa proposta. O voto popular dará a palavra final.

Avião 5Aviões de combate
Faz anos que 54 aviões Tiger F5 obsoletos da Força Aérea Helvética adquiriram direito à aposentadoria por tempo de serviço. Depois de profundos estudos técnicos e longas negociações, a Aeronáutica decidiu substituí-los por 22 modernos caças Gripen. O distinto leitor já deve ter ouvido falar dessa joia da indústria sueca, não é mesmo?

É. Mas acontece que, na Suíça, decisão de tamanha importância não costuma ser sacramentada por uma simples canetada palaciana. Uma petição exigindo referendo popular contra a decisão de compra foi lançada e alcançou o número de assinaturas regulamentar.

No dia 18 de maio à noite, computado o último voto, saberemos se o povo terá dado seu acordo ao desembolso de 3 bilhões de francos (8 bilhões de reais).

Parece salgado demais para ser aceito. Quem viver, verá.

Clique aqui quem quiser consultar a convocação oficial do governo suíço

Ganhar sem trabalhar

José Horta Manzano

Certos acontecimentos parecem fora de esquadro. O julgamento do mensalão, por exemplo. Para quem está habituado com o Brasil e sua secular tradição de caviar para figurões e marmita para o populacho, a instauração da Ação Penal n° 470 foi um espanto. Não combina com a atuação que estamos acostumados a esperar da Justiça brasileira.

Mas o Brasil não detém o monopólio da esquisitice. Até a ordeira e bem-comportada Suíça é capaz de diabruras de deixar o mundo boquiaberto. É raro, mas acontece. Atualmente, está justamente ocorrendo algo nessa linha.

Em post de 9 de setembro ― É dia de votar! ―, já lhes falei sobre o instituto de iniciativa popular, que a legislação suíça oferece a seus cidadãos. É a possibilidade que tem qualquer um de apresentar um projeto de modificação da Constituição. Em resumo funciona conforme o esquema abaixo.

Interligne vertical 121) O cidadão (ou o comitê de cidadãos) que achar que a Constituição Federal deve ser modificada apresenta seu projeto ao governo. Tanto se pode pleitear a introdução de novo artigo constitucional quanto a modificação ou até a total supressão de um artigo existente.
2) Uma comissão governamental vai estatuir se, sob o aspecto jurídico, o projeto não periga ferir nenhum princípio constitucional. Se não for detectado nenhum empecilho, a comissão dará sua autorização para a coleta de assinaturas. E fixará o prazo para atingir o número necessário.
3) O comitê responsável pela iniciativa cuidará de colher as adesões dentro do prazo consentido. Se conseguir fazê-lo, levará os documentos à comissão governamental.
4) O governo, depois de conferir a validade de cada assinatura, fixará uma data para a votação popular.
5) O comitê interessado tem direito de fazer propaganda. À sua custa, naturalmente. Pode distribuir panfletos, colar cartazes, fazer comícios, anúncio na televisão, porta a porta, o que bem entender. Se os eleitores comprarem a ideia e derem apoio à iniciativa popular, a Constituição será modificada conforme o desejo expresso nas urnas.

Ontem, 3 de outubro de 2013, foram despositadas 126 mil assinaturas de cidadãos que querem que se realize uma consulta popular sobre um tema que não combina muito com este país. A iniciativa popular pede que se acrescente um artigo à Constituição Federal suíça. A redação do artigo pleiteado é bastante simples e se resume a três alíneas:

Interligne vertical 14Alínea 1) A Confederação cuidará de instaurar um salário de base incondicional.
Alínea 2) Esse salário de base deve permitir ao conjunto da população levar existência digna e participar da vida pública.
Alínea 3) A lei determinará o montante do salário de base e a origem dos recursos que o alimentarão.

Parece nada, não é? Mas é muito. Faz a bolsa família parecer brinquedo de criança ― ou piada de salão, como prefere «nosso» Delúbio. Se for aceito, o novo artigo constitucional instituirá uma espécie de bolsa individual, à qual todos os habitantes do território terão direito. Sem condições, o que significa que ricos e pobres, trabalhadores e desempregados, homens e mulheres, velhos e crianças, todos, absolutamente todos receberão um salário que lhes permita levar existência digna. Sem perder o direito ao salário que já recebem por suas atividades habituais. Espantoso, não é?

Moeda suíça de 5 centavos

Moeda suíça de 5 centavos

O comitê pró-iniciativa decidiu desferir um golpe de marketing para marcar o imaginário da população. Encomendou à Banque Nationale Suisse, o banco central do país, 8 milhões de moedinhas de 5 centavos suíços (=12 centavos de real), simbolizando os 8 milhões de habitantes do país. Convocou as câmeras de tevê para o evento. No momento de entregar as caixas com as assinaturas, fez despejar as moedas douradas bem em frente ao Palácio do Governo, em Berna. Parece que tomaram um empréstimo bancário para financiar os 400 mil francos necessários para a surpreendente operação. Para reembolsar o banco, contam com a generosidade dos simpatizantes.

A data da consulta popular ainda não foi fixada. Vai ser interessante acompanhar a evolução desse projeto fora do comum.

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A televisão suíça imortalizou a derrama incomum de 8 milhões de moedinhas na Praça Federal. Para assistir ao vídeo de 1 minuto, clique aqui.

Comprai, irmãos!

José Horta Manzano

Você sabia?

Não prometi, mas achei que tinha ficado devendo o final da novela. Estou falando do voto popular que tivemos na Suíça ontem, 22 de setembro. Para quem não sabe mais do que estou falando, é a continuação da história que comecei a contar no meu artigo É dia de votar!, de 9 de setembro. A questão palpitante se referia ao horário de abertura dos supermercadinhos acoplados a postos de gasolina.

As urnas falaram, como se costuma dizer. Por maioria de quase 56%, os cidadãos deste país deram sua aprovação à lei que altera o horário de funcionamento das lojas de conveniência instaladas em postos de gasolina. Podem agora funcionar 24h por dia. Demorou anos, mas o grande dia chegou.

Local de votação, Suíça

Local de votação, Suíça

Mas atenção! Tão somente esses convenientes estabelecimentos comerciais caem no campo de abrangência da nova legislação. Quanto aos outros, neca! A proibição de abertura noturna de supermercados e de outros estabelecimentos comerciais continua tão rigorosa quanto antes.

Uma outra pergunta feita ao povo ontem foi se aceitavam a extinção do serviço militar obrigatório. Como era esperado, os suíços se mostraram radicalmente opostos a essa novidade. Três em cada quatro votantes recusaram-se a aceitar a inovação. Afinal, no imaginário popular, um exército forte e bem preparado é o principal sustentáculo da nação. É símbolo do país e faz parte de sua cultura. Enfraquecer as forças armadas seria como demolir o Cristo Redentor do Rio de Janeiro. Inconcebível.

Cerca de 46% dos eleitores compareceram às urnas para exprimir sua opinião. Até que não é uma porcentagem tão baixa como parece. Dado que o voto aqui não é obrigatório, a participação de metade do eleitorado já é festejada.

Veja os resultados aqui.

É dia de votar!

José Horta Manzano

Você sabia?

Lembrete aos eleitores: Vota-se hoje

Lembrete aos eleitores:
Vota-se hoje!

Na Suíça, vota-se frequentemente. Temos, em média, 4 votações por ano. Uso o termo votação para diferenciar de eleição. Para nós, no Brasil, com raríssimas exceções, vai-se às urnas para eleger governantes, deputados, senadores. As exceções ficam por conta de esporádicos referendos ou plebiscitos, como aquele que tratava da posse de armas de fogo.

Na Suíça acontece o contrário. Na imensa maioria das vezes, vota-se para tomar decisões, instaurar leis, modificar regulamentos, abolir normas. A exceção é ir às urnas para eleger alguém. Dia 22 de setembro é dia de voto popular. No plano federal, os cidadãos serão consultados sobre três diferentes assuntos ― um plebiscito e dois referendos. Cada cantão aproveita o embalo para acrescentar, se for o caso, uma ou mais questões de caráter regional.

Já falei outro dia sobre a diferença entre plebiscito e referendo, mas não custa repetir para quem faltou à aula. Quando se pergunta aos eleitores se são a favor (ou contra) uma lei que ainda não existe, tem-se um plebiscito. Já quando se pergunta aos eleitores se aprovam uma lei já votada pelo parlamento, temos um referendo.

Lembrete aos eleitores: Vota-se este fim de semana

Lembrete aos eleitores:
Vota-se este fim de semana!

Posso me enganar, mas, assim de cabeça, não me lembro de ter jamais visto os brasileiros serem chamados a referendar alguma decisão já tomada pelo Congresso. As escassas consultas feitas diretamente ao povo foram todas plebiscitárias, ou seja, interrogavam os eleitores sobre a pertinência de se legislar sobre isto ou aquilo.

Na Suíça, as regras da chamada democracia direta fazem que qualquer cidadão ou qualquer agremiação possa dar origem a uma petição ― aqui chamada iniciativa popular ― pedindo criação, abolição ou modificação de algum instituto legal. Como consequência, referendos e plebiscitos são corriqueiros.

Para que uma iniciativa popular seja reconhecida e dê origem a uma consulta ao povo, há regras severas. Um determinado número de adesões deve ser colhido dentro de um determinado espaço de tempo. Em seguida, as assinaturas são rigorosamente controladas. Se o número mínimo tiver sido atingido, o governo marcará uma data para a votação, geralmente entre 6 meses e um ano depois da validação da iniciativa popular.

Local de votação, Suíça

Local de votação, Suíça

Um dos referendos do dia 22 de setembro faz uma pergunta curiosa, inimaginável no Brasil. Pela legislação suíça atual, os postos de gasolina estão entre os (mui raros) estabelecimentos comerciais autorizados a permanecer abertos a noite inteira. Até alguns anos atrás, enquanto vendiam nada mais que gasolina, tudo corria bem. Acontece que, aí como cá, chegou a moda das autoshops, conhecidas no Brasil como lojas de conveniência ― nome inesperado. E aí a coisa complicou.

Com exceção de postos de gasolina, cafés, bares, restaurantes & assemelhados, a abertura de estabelecimentos comerciais à noite é terminantemente proibida. Postos de gasolina, hoje em dia, costumam ter todos uma loja de conveniência acoplada. Até o momento presente, a situação é a seguinte: entre 1h e 5h da madrugada, os postos podem vender combustível e produtos específicos para automóveis. Têm também o direito de deixar a cafeteria aberta. Mas estão proibidos de vender quaisquer outros artigos. É uma situação bizarra, convenhamos. Os produtos estão ali, nas gôndolas. Os funcionários estão à disposição. Mas a venda é ilegal.

Lembrete aos eleitores: Vota-se este fim de semana

Lembrete aos eleitores:
Vota-se este fim de semana!

O que se pede agora ao povo é que diga se aceita ou não uma modificação da Lei Federal sobre o Trabalho, já votada pelo Parlamento em dezembro de 2012. Os que apoiam a modificação sublinham a falta de lógica da situação atual. Acreditam que os tempos mudaram e que a legislação não pode continuar inarredavelmente plantada num mundo que desapareceu. Os oponentes, por seu lado, temem que seja essa a porta de entrada para uma liberalização generalizada do comércio noturno, o que, a seu ver, além de desnecessário, seria nocivo para a vida familiar dos empregados.

Dia 22 à tarde, conheceremos o veredicto da população sobre essa questão palpitante e transcendental.

A democracia direta

José Horta Manzano

Você, sozinho, pode mudar a lei?

Sinto decepcioná-lo. Na imensa maioria dos países, você não tem nem sombra desse direito. Pode querer ou deixar de querer, pode até espernear que não vai adiantar. Quem faz a lei não é você. Nem eu.

Nos países democráticos, a atribuição de fazer, desfazer ou modificar leis é atributo dos representantes do povo. Que se chame congresso, assembleia, dieta, duma, câmara, incumbe a seus integrantes legislar. Com algumas escassas exceções.

.:oOo:.

A Suíça mantém, com bastante orgulho, uma democracia sui generis. É um sistema à primeira vista arcaico, resquício dos primórdios da expressão da vontade popular. Mas permanece vivo, firme, forte e atuante.

O povo elege, naturalmente, seus representantes, como na maioria dos países. O poder legislativo é bicameral, composto por dois agrupamentos de eleitos. Uma lei, para entrar em vigor, tem antes de ser validada por ambas as instituições. Exatamente como no Brasil, nos EUA, na França, na Alemanha, na Itália.

Até aí, morreu o Neves, como se costuma(va) dizer. A particularidade vem agora: a Confederação Helvética, nome pomposo e mui oficial do país, reconhece o princípio da democracia direta. Que vem a ser isso?

Qualquer cidadão ― digo bem: qualquer cidadão ― tem o direito de lançar uma iniciativa constitucional. Pode propor um novo artigo para a Constituição, a modificação de um já existente ou até a abolição pura e simples de algum que não lhe convenha.Urna

E como é que funciona? Proponho hoje, e amanhã entra em vigor? Bem, não é assim tão simples. Para evitar uma avalanche de asneiras, o processo obedece a regras rigorosas, a seguir minuciosamente. Dependendo do teor da proposição, a lei fixa um número mínimo de apoiadores. O indivíduo que quiser alterar a Constituição terá de provar que sua proposta está sendo apoiada por uma determinada quantidade de cidadãos.

Para apresentar essa prova, o proponente terá de colher assinaturas. Distribuirá listas, frequentará feiras livres, fará comícios, solicitará ajuda de simpatizantes, concederá entrevistas. O importante é que consiga o número necessário de assinaturas dentro de um prazo determinado.

Terminada a colheita de adesões, apresentará as listas às autoridades federais. As assinaturas serão verificadas uma por uma. Se o número mínimo tiver sido alcançado dentro do prazo estipulado, a iniciativa terá tido sucesso. A população do país será então convocada para um plebiscito. Caso a maioria dos votantes seja a favor da proposta, a Constituição do país será alterada.

Pronto, está aí, de forma bastante resumida, o funcionamento da democracia direta. Embora seja teoricamente possível, dificilmente um solitário e desconhecido indivíduo conseguirá divulgar sua ideia e obter o número necessário de apoiadores. Mas a possibilidade está teoricamente aberta a todos. É de lei.

.:oOo:.

A lei brasileira não concede a um cidadão qualquer a possibilidade de propor alterações na Constituição. O poder de requerer mudanças é reservado a um círculo restrito de entidades. Entre elas, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, governadores, partidos políticos. Sindicatos até.

Um artigo do Estadão nos dá conta de que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados acaba de aprovar uma proposta de emenda à Constituição Federal. Fizeram, em algumas horas, o que demandaria meses de campanha, caso estivessem sob a lei suíça.

A Comissão de deputados propõe que o poder de requerer modificações na Constituição seja estendido a entidades religiosas. Mais que espantoso, esse alargamento abre precedente inquietante.

Das duas uma: ou mantemos nosso sistema de democracia indireta, em que somente os representantes eleitos pelo povo têm o poder de mexer na lei, ou instituímos logo a democracia direta. Ficar assim, meio cá, meio lá, não vai dar certo.

Não convém abrir a caixa de Pandora, que nunca se sabe o que pode sair lá de dentro. Com todo o respeito que tenho por instituições, agremiações, associações, organizações e sociedades, receio que, num futuro próximo, outros grupos possam ser agregados à elite que detém hoje o poder de bulir na Constituição de nossa República Federativa. Bem mais útil e certeiro seria a adoção do voto distrital para eleições legislativas.

O País já está suficientemente bagunçado. Não vejo necessidade de alargar os limites da «elite» legislativa. Interesses setoriais não deveriam ser tão levianamente acolhidos.

Perigo à vista.