Ultraprocessados: não se aproxime!

Chamada do jornal O Globo, 27 fev° 2023

José Horta Manzano

Fiquei intrigado e preocupado com essa chamada do jornal O Globo. Eu sabia que produtos ultraprocessados eram nocivos, mas nunca imaginei que fossem perigosos a esse ponto. Quer dizer então que basta “residir em áreas repletas desses locais” para sofrer risco aumentado de sofrer um AVC? A doença entra em nosso corpo por osmose? Barbaridade!


Naturalmente, estou brincando. Entendi o raciocínio do autor. Quem escreveu a chamada parte do princípio que todo cidadão é como rolha em alto-mar: vive ao sabor das ondas e ao capricho dos ventos, e vai para onde for levado.

Ninguém é capaz de controlar suas pulsões. O artigo sugere que, se resido num lugar rodeado de ofertas de refeições rápidas, adeus cozinha! Aposento panelas e frigideiras e passo a me alimentar unicamente de “junk food”.

Por essa lógica, vou viver de porcariada tipo cachorro-quente, quibe, pizza e hambúrguer. Sou apresentado como criatura incapaz de decidir com a própria cabeça, pronto a me deixar subjugar pela luz das barraquinhas e o colorido das vitrines.

Com toda naturalidade, o autor da chamada enxerga a vida em sociedade como um gigantesco efeito manada: disparou um, vão todos atrás.

Se assim é o mundo moderno, me sinto deslocado.

Pare o planeta, que eu quero descer!

Bolsonaro no exílio

José Horta Manzano

Fugido do Brasil e autoexilado nos EUA, Bolsonaro sopra o calor e o frio. Um dia, diz que está de malas prontas para voltar; dia seguinte, informa que o retorno não tem data marcada. Ora vem, ora não vem.

Por age assim? Acredito que basicamente é pra mostrar-se vivo. Se, além de sumir de circulação, ficasse quietinho, seria dado por morto e descartado como carta fora de jogo.

É verdade que todos os seus planos foram por água abaixo e não lhe resta nenhum mourão ao qual se agarrar. As Forças Armadas do Brasil não o acompanharam, Trump não quis saber de recebê-lo, seus aliados estão aos poucos saindo de fininha para entender-se com o Lula. A 8.000 km de distância, com medo de voltar, o que é que o capitão pode fazer além de gesticular?

Observe agora a ilustração acima. É uma montagem de fotos extraídas de filmetes feitos por devotos que pagaram pra ouvir uma “palestra” de Seu Mestre num templo evangélico da Florida sábado passado. As imagens foram tiradas de filmezinhos amadores, de baixa qualidade, eis por que aparecem meio desfocadas.

Qualquer um pode notar que o ex-presidente engordou – e muito. Nessas fotos, não me parece que estivesse vestido com colete à prova de balas, como costumava andar no Brasil. O diâmetro do capitão é inteirinho dele mesmo. Imagino que a haute cuisine do Planalto esteja fazendo falta. Nos EUA, sozinho naquele casarão sem terreno onde está homiziado, sem a esposa (que já lançou seu grito de independência e voltou a Brasília), deve estar se alimentando de pizza, hambúrguer, batata frita e maionese em dose dupla.

Ao permanecer nos EUA, Bolsonaro dá sossego a muita gente. A ele, pra começar, que vai pra cama sem o pavor de ser acordado pela PF. Para seus devotos, porque a ausência de Seu Mestre mantém acesa a chama sebastianista de um hipotético retorno. E também para os não-bolsonaristas, que preferem vê-lo pelas costas.

Assim, sua ausência convém a todos. Que ele continue na Disneylândia!

Incidente diplomático

Eduardo Affonso (*)

– Sr. Modesto Araújo, quero te apresentar aqui o novo chapeiro.

– Mas, seu Jaílson, esse não é o…

– Ele mesmo, o Ednardo. Meu filho.

– Ele tem experiência com chapa, fritura, essas coisas?

– Ele é diplomata. Fez Instituto Rio Branco. Foi embaixador na China. E já comeu pastel frito, não comeu, Ednardo?

(Ednardo concorda com a cabeça)

– Pois é, já comeu. E comeu na China, onde fritam muito pastel. É o chapeiro ideal para a JB Lanches.

– É que pastel não é feito na chapa…

– Modesto Araújo, você não está entendendo. Ele é meu filho. Portanto, está mais que qualificado para o posto de chapeiro.

– É que o fato de ele ser um diplomata… será que não vai atrasar um pouco o serviço? Ele pode querer negociar o hambúrguer bem passado por um ao ponto, não chegar nunca a um acordo com o cliente se o ketchup tem precedência sobre o alface, e aí a fila não anda…

– Com meu filho de chapeiro aqui, quando o presidente da França vier comer uma esfirra, vai falar direto com ele, sem nem fazer o pedido no caixa. Se for um xeique saudita, ele frita a coxinha de acordo com os preceitos do Alcorão. De protocolo ele entende. E de cerimonial. Ele sabe que o canudo fica à direita do copo de refrigerante e os sachês de mostarda vêm hierarquicamente embaixo dos de maionese.

– O senhor é que manda, seu Jaílson. Eu sou só o gerente desta franquia da JB Lanches. Se o senhor diz que o seu filho embaixador vai ser um bom chapeiro…

– Ele fala “quibe” e “esfirra” em vários idiomas Sr. Modesto Araújo. Fala aí “quibe” e “esfirra” em árabe, Ednardo, pro Modesto ver que você é a pessoa mais capacitada para o cargo.

(Ednardo tosse, coça a cabeça e começa a balbuciar alguma coisa.)

– Viu como ele fala? Vai lá, meu filho, que a chapa é tua. E se o pessoal do RH criar algum problema, é você quem vai pra chapa, Modesto, e ele fica de gerente.

(Modesto Araújo abaixa a cabeça, resignado. Gritos atrás do balcão. Era o pessoal do RH com o Bepantol na mão tentando – tarde demais – explicar pro embaixador Ednardo que a chapa é quente).

(*) Eduardo Affonso é arquiteto e colunista do jornal O Globo.

Direto pra casa

José Horta Manzano

«Não é republicano!»

«É imoral!»

«Nunca se viu coisa parecida!»

«O currículo do rapaz é ridículo!»

«A lanchonete onde diz ter fritado hambúrguer só vende frango!»

«Mentiu ao dizer que tem mestrado!»

«É nepotismo puro!»

«O Brarão do Rio Branco deve estar se revirando na tumba»

«Devia ser proibido por lei!»

«Só pode ser provocação do presidente!»

«Ele só pretende beneficiar o filho, nada mais!»

«Há profissionais muito mais competentes!»

Tenho lido centenas de diagnósticos como esses aí acima. Todos se insurgem contra a intenção de doutor Bolsonaro de transformar o filho deputado em embaixador do Brasil em Washington – de longe, o posto mais elevado, mais cobiçado e mais prestigiado da carreira diplomática.

Só há um meio de baixar a porteira e trancar o avanço do desvario presidencial, realidade cada dia mais evidente. Esse meio chama-se Parlamento. Desde que Montesquieu, na primeira metade do século 18, distinguiu três tipos de Poder, todos eles complementares, independentes e postos em pé de igualdade, esse problema de presidentes que tendem a extravasar de suas funções deixou de existir. A mesma urna que elege o presidente elege também deputados e senadores. A legitimidade de todos é exatamente a mesma.

A democracia na qual – em teoria – vivemos é um sistema de pesos e contrapesos. Cada um dos três Poderes está concebido de forma a agir como barreira para impedir excessos dos demais.

Nomeação de embaixador tem de ser aprovada com o voto da maioria dos senadores, em escrutínio secreto. Pronto, esse mal tem remédio. Caso não tenham vendido a alma ao diabo, os senadores de bom senso vetarão a nomeação do pimpolho presidencial. Caso aprovem, a coisa se complica. E a conclusão fica evidente: estão vendidos. Ou não têm bom senso.

Se isso acontecer, anote o nome dos três senadores de seu estado e guarde bem guardado. Na próxima eleição, simplesmente não vote neles. Talvez algum inocente venha a pagar pelos pecadores mas… que remédio? Se todos os eleitores agirem assim, é certeza que os senadores vendidos voltarão pra casa e não voltarão à Casa.

Faltam prisões

José Horta Manzano

Ouve-se frequentemente que as prisões brasileiras não são suficientemente numerosas para acolher os condenados e que, portanto, é necessário construir mais e mais presídios.

Não gostaria que minha argumentação parecesse contorcionismo verbal, mas acredito que o conceito está mal formulado. Não é correto dizer que as prisões não sejam suficientes. Elas até que existem em quantidade razoável. Os criminosos é que são em demasia, eis a verdade.

Pra embasar o que disse, tomo um exemplo. Imaginemos um elevador com a tabuleta: «Capacidade: 5 pessoas ou 400kg». De repente, entram quatro pessoas e a geringonça se recusa a viajar. Ué, o que é que houve? A capacidade não é de cinco passageiros?

Sem dúvida, essa é a capacidade nominal de um elevador concebido para indivíduos pesando em média 80kg, pouco mais, pouco menos. Acontece que, nestes tempos de hambúrguer e pizza, muitos têm abusado. Por consequência, às vezes quatro pessoas bastam pra exceder a capacidade do elevador.

Onde está o problema? O elevador está com capacidade baixa? Não é bem assim. Os cidadãos é que estão superalimentados. A questão tem de ser enfrentada pelo lado certo. Em vez de aumentar a capacidade de carga do elevador, será mais ajuizado tomar medidas para reeducar a população e trazê-la de volta à moderação alimentar.

by Auguste Rodin (1840-1917), escultor francês

Como exemplo de medida interessante, lembremos que a França proibiu que distribuidores automáticos instalados em escolas ofereçam produtos altamente calóricos ou gordurosos, tais como batatas fritas e bebidas açucaradas. A medida, por si, não resolve o problema da obesidade juvenil. Mas já é um passo na boa direção.

Raciocínio análogo vale para as prisões. Construir mais e mais penitenciárias não resolve o problema da criminalidade que assola o país. A solução segue estrada de duas pistas paralelas.

A primeira é empenho redobrado na apuração cuidadosa de atos criminosos, no devido julgamento e na aplicação efetiva da sentença. A segunda é a implantação de amplo programa institucional de educação e de sensibilização da população. Tem de abarcar todos os habitantes do país ‒ do jardim da infância à idade adulta. Vai levar anos pra surtir efeito, mas não há outro jeito.

As metas são ambiciosas mas indispensáveis. Sem isso, estamos condenados a continuar curvados e de joelhos para o crime.

É pra lá ou pra cá?

José Horta Manzano

Pra cima ou pra baixo? Pra esquerda ou pra direita? Pra frente ou pra trás? O panorama político-econômico global é como uma quadrilha. Atenção! Estou falando daquelas de São João, não de malta de larápios.

Como toda dança de grupo, a quadrilha exige dos participantes boa coordenação. Nada de sair cada um pro seu lado pulando como lhe agrada. Se é hora de dar um passo à frente, todos têm de dá-lo ao mesmo tempo. Quando é hora do balancê, todos balançam igual. No tour, todos se põem a girar juntos.

Há gente graúda, em nosso País, que ainda não entendeu isso. Entre 23 e 24 de fevereiro, duas manchetes divergentes foram estampadas. Estão lá:

Interligne vertical 7«Brasil lança iniciativas para criar constrangimento aos EUA por espionagem na web»
Estadão, texto de Jamil Chade

«Brasil quer acelerar acordo do Mercosul com UE, diz Dilma a empresários»
Folha de São Paulo, artigo de Leandro Colón

Costumo dizer que não é possível ser e não ser ao mesmo tempo. Não se pode puxar a corda concomitantemente por uma ponta e pela outra, sob pena de ficar parado no mesmo lugar. E com risco de romper a corda ainda por cima.

Gemeos 1Dona Dilma, seus marqueteiros e seus ingênuos assessores costumam partilhar o planeta em «blocos», segundo sua conveniência. Enxergam um mundo dividido em agrupamentos estanques e acreditam que essa visão corresponda à realidade.

Enchem a boca para falar de um Brasil que «pertence»(sic) aos Brics, como se essa sigla ― inventada entre um hambúrguer e uma coca-cola por um «especialista» americano ― definisse a realidade.

O Planalto, manietado pelo primitivismo dos dirigentes do Mercosul, acredita numa forte oposição entre os EUA e a UE. Essa visão não corresponde à realidade. No fundo de cada europeu, os EUA continuam uma espécie de Terra Prometida.

Os habitantes do velho mundo enxergam a América do Norte como uma continuação da própria Europa. Tanto na visão dos europeus quanto na dos americanos, o mundo ocidental se restringe à Europa mais os Estados Unidos.

Assim como o atual governo brasileiro divide o povo tupiniquim entre «nós» e «eles», europeus e americanos enxergam um mundo bipolar. Europeus e americanos são o «nós». O resto é o «eles».

Gemeos 2A estratégia de «criar constrangimento» para os EUA e, ao mesmo tempo, acelerar acordos comerciais com a UE é esquizofrênica. Seria como afagar um irmão enquanto se pisa o pé do outro.

O vínculo entre Europa e Estados Unidos ― não necessariamente formalizado por tratados ― é visceral, entranhado, tipo unha e carne. Não se pode procurar aproximação com um deles enquanto se tenta «constranger» o outro.

Todo o mundo sabe que não convém semear zizânia entre dois amigos. Os marqueteiros do Planalto, infelizmente, não aprenderam a lição. Se o Itamaraty ― que já foi ajuizado e competente ― não estivesse sendo tão humilhado pelo atual governo, talvez até se animasse em dar um conselho. No estado atual de coisas, mais vale calar. Pra não levar bordoada.

Deixe estar, que um dia acaba. Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil. A escolha é nossa.