Prédios tortos

2021: Bolsonaro rebatiza Torre di Pisa como “Torre di Pizza”

 

José Horta Manzano

Todo o mundo conhece a Torre de Pisa, a construção inclinada mais famosa do mundo. Atenção, é Torre de Pisa, e não “Torre de Pizza”, como pronunciou um antigo presidente de nosso país, aquele que comia farofa na feira de Brasília e pizza na calçada de Nova York. O nome não vem das “margheritas” nem das “calabresas”, mas sim da cidade de Pisa, ali pertinho.

A Torre de Pisa, por ser mundialmente conhecida, faz sombra a outras construções inclinadas. Aqui estão algumas delas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bolsonaro visita o tsar de todas as Rússias

José Horta Manzano

Não é a primeira vez que falo deste assunto, que me deixa bastante inquieto. Tenho a impressão de que a imprensa brasileira tem passado ao largo do desastre que está se preparando. Parecem todos mais preocupados com a ‘jequiata’ que Bolsonaro planeja do que com a ‘burrata’ que está prestes a cometer.

Imagine o distinto leitor que o Dalai Lama fizesse uma visita ao Principado de Mônaco. Ou que o papa Francisco desse um pulinho a Andorra. Um conversaria com o príncipe, o outro se encontraria com o chefe do governo. Conversariam amenidades, trocariam presentes, dariam passeio em carro aberto, escutariam coral de crianças agitando bandeirinhas. E pronto. Terminado o passeio, cada um voltaria pra casa. E a Terra não pararia de girar.

Fim de semana que vem, Bolsonaro embarca para uma visitinha dita ‘de cortesia’ à Rússia. Não é fácil explicar a razão pela qual os personagens mais vistosos a acompanhar o presidente – além dos intérpretes, evidentemente – serão Mário Frias, secretário de Cultura, e o “capitão Cultura”, um senhor que fiscaliza a Lei Rouanet. Vão aprender como montar uma companhia de dançarinos cossacos? Como de costume, a comitiva presidencial deverá ser rechonchuda, com dezenas de autoridades, convidados, xeretas e penetras.

Alguém precisa urgentemente contar ao capitão que a Rússia não é Mônaco nem Andorra. Uma visita desse quilate não passa despercebida. Tem significados, nem sempre aparentes, aos quais ele não parece estar dando a devida importância.

Pra começar, Jair Bolsonaro e Vladímir Putin não hão de ter grande coisa a conversar. O capitão não deve entender lhufas de política interna russa. Nunca deve ter ouvido falar no mundialmente conhecido Alexei Navalny, oponente e atual prisioneiro político, que foi vítima de tentativa de assassinato da qual escapou penosamente depois de meses de tratamento na Alemanha. Novichok, o veneno de que foi vítima, não se compra na farmácia da esquina. É substância desenvolvida pela indústria militar russa. Donde se conclui que a ordem de eliminá-lo partiu do chefe de Estado. Gente fina.

Menos ainda deve nosso capitão entender do problema entre a Rússia e a vizinha Ucrânia. Com boa vontade, admito que já tenha ouvido falar da União Soviética, que finou 30 anos atrás. Mas não deve estar a par da importância que a Ucrânia representa para os russos, considerada por estes o berço da civilização nacional. Não deve ter a menor ideia de que, nas fronteiras russas, se prepara um afrontamento entre Rússia e Otan. (Estou supondo que saiba o que é a Otan, mas não tenho muita certeza.)

Essa visitinha presidencial me lembra aquela que o Lula fez, acompanhado de alentada comitiva, ao Oriente Médio. Tinha na cabeça uma ideia ambiciosa e genial: resolver a questão palestina, nada menos que isso. Imaginou que, com um jogo de futebol entre os adversários, tudo se resolveria. Santa ingenuidade! Deu tudo errado e ele teve de voltar com o rabo entre as pernas, quase escorraçado como inhambu em festa de jacu. Humilhação total. Nunca mais se falou no assunto.

Lula, o messias de Garanhuns, tinha a pretensão de salvar o mundo, mas faltava-lhe instrução e capacidade. Bolsonaro apesar de ser Messias de nome, é bobão. O momento é de quase-guerra entre Rússia e Ucrânia. Se não for para tratar de apaziguar os ânimos, o momento é péssimo pra qualquer visita, seja ela de cortesia ou de negócios. Quem não for lá pra ajudar só vai atrapalhar.

A visita de Bolsonaro a Putin (a versão 2.0 do tsar de todas as Rússias) não trará nada de bom para nosso país. Vejamos por quê:

• Uma viagem dessas implica logística complexa e custa os olhos da cara. Se não tiver um objetivo útil para o Brasil, é dinheiro jogado fora.

• A Rússia, que já é cliente dos frigoríficos brasileiros, não vai comprar nem um bife a mais.

• A Ucrânia, país que contribuiu para a formação do Brasil com mais imigrantes que a Rússia, vai ficar muito desagradada. Por que Bolsonaro visita Moscou, mas ignora Kiev? Não é inteligente indispor-se com um mercado de quase 45 milhões de consumidores.

• A União Europeia, que tem envidado esforços para garantir a paz na região, vai se sentir contrariada. Não convém indispor-se com a UE assim, sem nada, sem motivo válido, num momento de tanta tensão.

Os EUA já rogaram a Bolsonaro que desista da viagem. Nosso aliado tradicional são os Estados Unidos, não a Rússia. Isto aqui não é a Venezuela – Bolsonaro está confuso.

Já que ele bate o pé, me resta dar-lhe um conselho de bom samaritano.

Capitão, procure não repetir o vexame de Nova York, quando vosmicê e seus badalos se deixaram fotografar comendo pizza na calçada. E com as mãos! É verdade que, de quem come farofa com as mãos, tudo se pode esperar.

Mas olhe que em Moscou faz muito frio nesta época do ano. Quem, como vosmicê, está a caminho dos 70 anos e passou recentemente por meia dúzia de cirurgias devia evitar apanhar resfriado. Pode dar complicação. Se acontecer, não são seus seguranças nem o Centrão que vão acudir.

Ah, se inveja matasse!

José Horta Manzano

Se Bolsonaro pôde viajar a Nova York para comer pizza na calçada e, dias depois, fazer turismo na Itália para cuspir na tumba dos pracinhas, é sinal de que está apto a viajar para qualquer parte do globo. O chato é que ninguém o convida nem o quer receber.

Na verdade, ninguém quer saber dele. Aparecer em foto a seu lado? É o pesadelo de qualquer mandatário que se preze! O capitão é pestiferado, como aqueles infelizes da Idade Média, que, infestados pela bubônica, não tinham sequer permissão para pôr os pés no vilarejo onde viviam. Xô!

O máximo que o capitão conseguiu foi ser recebido nos ouros e nos mármores dos potentados médio-orientais, gente com petróleo de mais e escrúpulos de menos. Visitas assim rendem fotos cintilantes, mas não dão prestígio a ninguém – e Bolsonaro sabe disso.

Já o Lula, apesar de ter instaurado corrupção sistêmica no país e ter gramado ano e meio de masmorra (de 1ª. classe), ainda goza de boa imagem lá fora. Veja só, se um ex-presidiário condenado por corrupção é paparicado enquanto o presidente em exercício é enxotado, é porque este último é ruim de fato. Não tem nada que se aproveite.


“A França não é exemplo para nós, muito menos o seu Macron. Seu Macron está muito bem acompanhado do Lula, e Lula, muito bem acompanhado do seu Macron. Eles se entendem, falam a mesma linguagem.”


Essa foi a reação do capitão ao referir-se à acolhida do Lula pelo presidente da França, dias atrás. Ai, se inveja matasse!…

Em três anos de mandato, nenhum chefe de Estado ofereceu ao capitão hospitalidade tão prestigiosa quanto essa que o Lula acaba de receber de “seu” Macron. Aliás, que eu me lembre, tirando as viagens que fez a Netanyahu e a Trump logo no início do mandato, nenhum chefe de Estado jamais convidou o capitão.

Talvez seja uma das razões pelas quais nosso presidente se tranca no banheiro, de madrugada, para chorar, o pobrezinho. Não estou inventando, foi ele mesmo quem confessou. Não deve ser fácil pra ninguém se achar o rei da raspadinha e, ao mesmo tempo, ser rejeitado pelo mundo ingrato.

Vamos esperar que nenhum dos dois ETs, nem o Lula nem o Bolsonaro, venha a ser o próximo presidente da República. É verdade que o Brasil tem carma pesado, mas nossa geração já pagou boa parte da dívida. Que sobre um pouco para a próxima.

Quatorze anos de PT, mais dois de Temer, mais quatro de Bolsonaro: são vinte anos! Há duas décadas estamos resgatando os pecados cometidos ao longo dos últimos 5 séculos. Bem que podia dar uma refrescadinha. Que venha um outro qualquer. Desde que não seja malandro como um nem maluco destrambelhado como o outro, terá o apoio da nação agradecida.

Para explicar o título
“Ah, se inveja matasse”, o capitão estaria em estado de rigidez cadavérica, pronto pra receber sete palmos de terra por cima. Sem choro nem vela.

Bolsonaro em NY: o que restou?

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 25 setembro 2021

Uma imagem vale mil palavras. De fatos antigos, acontecidos num tempo em que não havia como fixar uma cena no instante em que ocorria, o único testemunho que ficava era a palavra escrita. Episódios importantes para construir e estruturar nações foram retratados em pintura, com anos de atraso, o que ajudou a forjar a memória nacional.

É o caso da tela pintada por Pedro Américo que retrata o momento em que Dom Pedro, então príncipe-regente, levanta a espada e lança seu grito de “Independência ou Morte”. No imaginário coletivo brasileiro, não restam dúvidas: a cena do brado ocorreu exatamente como aparece no quadro, pintado quase 70 anos depois do ocorrido. É caso típico de imagem que vale mil palavras.

Dia 19 de setembro, Bolsonaro e comitiva desembarcaram em Nova York. A finalidade do deslocamento de dezenas de pessoas – ministros, assessores e pessoal técnico – era coadjuvar o chefe, que leria um discurso de 15 minutos na abertura dos trabalhos anuais da ONU. Aos dirigentes de todos os países-membros (presidentes, primeiros-ministros, emires & assemelhados), tinha sido dada a possibilidade de enviar, com antecedência, um vídeo pré-gravado, a ser projetado no devido momento. O Brasil podia ter escolhido esse caminho, econômico e eficaz. A China e tantos outros fizeram. Desconheço as razões que levaram Bolsonaro a comparecer à cerimônia para ler, de corpo presente, o texto que lhe haviam preparado.

Obedecendo a uma lógica misteriosa e singular, o capitão até hoje não se vacinou contra a covid. Ainda que pareça bizarro, gaba-se disso e faz questão de revelar a turra a quem quiser ouvir. Nenhum outro integrante da comitiva admitiu ter rejeitado a vacina. A exceção fica por conta do general Ramos, que, faz meses, confessou ter-se vacinado às escondidas, que é pra não desagradar ao chefe. Vista a ausência de confissão por parte dos demais integrantes, é permitido concluir que sim, todos estão vacinados. Portanto, o engajamento deles junto ao capitão não se faz por adesão cega à doutrina bolsonarista nem por amor incondicional a piqueniques de rua. Os motivos de cada um serão outros, que não convém aqui esmiuçar.

A cidade de Nova York não permite que não-vacinados adentrem espaços públicos fechados: museus, teatros e, naturalmente, restaurantes. O capitão sabia disso antes de partir. Talvez tenha imaginado que um figurão como ele ia poder escapar a certas regras chatas, como acontece em Pindorama. Não deu certo. Por aquelas bandas, não é não. Como resultado, logo na primeira noite em solo americano, o jantar da turma foi um pedaço de pizza de cara gordurosa, degustada de pé, numa sinistra calçada nova-iorquina, por um grupo sorridente e desinibido.

Pouco se disse sobre a encorpada composição da excursão aos EUA: 8 ministros, 5 assessores de primeiro escalão, o presidente da Caixa, dois embaixadores, a primeira-dama e um dos bolsonarinhos, aquele que é deputado. Na foto da degustação da pizza de calçada, falta pelo menos metade desse povo. Onde estarão? Não gostam de pizza e foram comer pastel do outro lado da rua? Ou resolveram desafiar a ira do chefe e tiraram do bolso o papelucho proibido: um certificado de vacinação? A história não diz.

No dia seguinte, a fotografia da fina flor do Executivo brasileiro reunido para comer pizza junto à sarjeta saiu na imprensa mundial. Além de veículos óbvios, como os dos EUA, do Canadá, da França, de Portugal, da Espanha, da Itália e da Alemanha, outros, menos prováveis, publicaram a foto e o relato da situação a seus incrédulos leitores. Cheguei a ver a notícia, com foto e tudo, em jornais da Turquia, da Noruega, da Suécia, dos Emirados e até do Sri Lanka. Se você achava que ninguém nunca zombaria de seu país, pode se desenganar: Jair Bolsonaro & sua tribo já se encarregaram de tornar realidade esse pesadelo.

Dois dias mais tarde, Bolsonaro leu seu discurso na tribuna na ONU. O que a história marcou, porém, é que o fato mais importante produzido na excursão não foi exatamente a fala do capitão. O discurso, um farto tecido de fatos falsos ou distorcidos, não interessou a ninguém. A imprensa mundial não deu importância. O que ficou na história, isso sim, foi a imagem do extravagante piquenique. Vai fazendo cada dia mais sentido: na política brasileira, quando se encomenda a pizza, é porque a comédia está chegando ao fim.

 

 

Tendo chegado a NY sem certificado covid, Bolsonaro opta por comer na rua
Excelsior, México

 

 

Bolsonaro: recusada a entrada em restaurante
Expressen, Suécia

 

 

Não vacinado, Bolsonaro come pizza numa calçada de Nova York
Khaleej Times, Emirados Árabes

 

 

Em NY, Bolsonaro come pizza na rua por não estar vacinado
Leggo, Itália

 

 

Bolsonaro teve de comer pizza numa rua de NY por falta de certificado de vacina
Los Andes, Argentina

 

 

Boris Johnson sugere a Bolsonaro vacinar-se com AstraZeneca
Nation, Sri Lanka (Ceilão)

 

 

 

O presidente não pôde ser servido, mas poderá entrar no recinto mais importante (a ONU)
Nettavisen Nyheter, Noruega

 

 

Não vacinado, Bolsonaro entra no regime “pizza-coca” nas ruas de NY
Ouest France, França

 

 

Por que o presidente Jair Bolsonaro está comendo pizza na rua em NY?
South China Morning Post, China

 

 

 

“Jantar de luxo em NY”
Não-vacinado, Bolsonaro tem de comer pizza na calçada
Der Tagesspiegel, Alemanha

 

 

Bolsonaro, que foi à assembleia da ONU em NY, não pôde entrar em restaurante por não estar vacinado
T24, Turquia

 

 

Paraciclos

José Horta Manzano

Muitas das mazelas do Brasil vêm da confusão entre o que é público e o que é privado. Essa mistura não é nova nem é exclusividade brasileira. A discussão é antiga e vem de longe.

Na Idade Média europeia, o senhor feudal tinha direitos absolutos sobre seu domínio. Tudo lhe pertencia: terras, águas, construções e… gentes. O bem público simplesmente não existia.

Bicicleta 4No século 18, o conceito perdurava. Embora a propriedade privada já começasse a ser reconhecida, o rei ainda era visto como virtual proprietário do país. Na França, a mudança foi brutal. Aconteceu durante a Revolução Francesa, com a abolição dos privilégios. Em outros países, a evolução foi mais suave.

No Brasil, a separação entre o que é de cada um e o que é de todos tem-se feito com lentidão e ainda está longe de ter sido assimilada por todos. Até hoje, boa parte dos cidadãos não se deu conta dos limites.

Bicicleta 5Um exemplo recente está no assalto a empresas públicas – falo do petrolão. Os assaltantes têm vaga noção de haver cometido um “erro”, mas não se compenetram de que meteram a mão no dinheiro do povo. Podem até, numa hipótese extrema, admitir que levaram a grana de uma empresa, sem se dar conta de que embolsaram, na verdade, dinheiro suado do contribuinte. O pior é que o contribuinte assaltado continua acreditando que os facínoras levaram dinheiro «da Petrobrás», sem perceber que o lesado foi ele mesmo.

Li, estes dias, que a prefeitura paulistana publicou manual destinado a instruir os cidadãos que desejarem instalar um paraciclos – neologismo saboroso que nomeia dispositivo onde se pode estacionar uma bicicleta. Que ninguém reclame: escapamos de um «stopbike». Uff.

A intenção ecológica seria louvável, não fosse o reforço que traz à confusão entre o que é de cada um e o que é de todos. Proprietários de imóvel ficam autorizados, desde que sigam algumas regras, a plantar o dispositivo na calçada, no passeio público.

Bicicleta 7Para quem vive em terras onde é nítido e rigoroso o limite entre o público e o privado, a prática paulistana é desnorteante. Com que então, todo cidadão fica autorizado a instalar no espaço público – chumbado em caráter permanente – um bem móvel que lhe pertence? A mim, deixa-me perplexo.

Bicicleta 6A nova regra alimenta e reforça um dos grandes vícios nacionais. O que é de cada um tem de ser cuidado por cada um. O que é de todos só pode ser cuidado pela autoridade pública. Cabe à prefeitura montar paraciclos, assim como lhe cabe instalar postes, pontos de ônibus, placas de sinalização, bancos de jardim, estátuas e todo o mobiliário público urbano.

Muitos reclamam – com razão – da atitude de cidadãos que se apoderam de ruas sem saída e as fecham, impedindo a entrada a concidadãos e privatizando, assim, o bem público. Pois a permissão dada a particulares para instalar paraciclos é passo na direção errada. Borra a nitidez da linha divisória entre o público e o privado.

Passeio público

José Horta Manzano

Calçada 3Confesso minha ignorância no assunto. Sempre imaginei que a calçada – aquela faixa situada entre terreno privado e leito carroçável – fizesse parte do bem comum. Aliás, o nome passeio público, pelo qual é conhecido em parte do País, já diz o que tem de dizer: que o passeio é público. Mas é possível que eu esteja enganado.

Leio que a prefeitura paulistana decidiu multar todo proprietário de casa ou terreno em frente ao qual a calçada estiver deteriorada. Embutida nessa penalidade, está a ideia de que cabe a cada um consertar seu trechinho, cimentá-lo, calçá-lo, nivelá-lo.

Calçada 1É normal, compreensível e necessário que cada um mantenha sua propriedade dentro das regras municipais. Aspecto exterior da casa deve respeitar o que estiver estipulado. Também é certo que cada morador cuide de seu trecho de calçada seguindo as normas cidadãs aplicáveis a todo bem público: não sujar, não pichar, não emporcalhar, não esburacar, não deteriorar, não destruir.

O que me parece fora de esquadro é a obrigação feita ao particular de reparar bem público degradado por terceiros. Mal comparando, é como se o condômino do oitavo andar fosse obrigado a arcar com o conserto do elevador porque um defeito mecânico fez que a cabine ficasse bloqueada justamente no andar do infeliz. Não faz sentido. Se o ascensor é bem comum, conserto de rotina tem de ser arcado por todos.

Calçada 4Em rigor, seria admissível que a municipalidade cobrasse uma «taxa de manutenção de calçadas», destinada a angariar os fundos necessários. Todos contribuiriam para a conservação do que pertence a todos. Inatacável.

Calçada 2Exigir que cada um se ponha a refazer o passeio que lhe está à frente é medida descabeçada. Este fará um desnível mais acentuado, com duas pistas bem delineadas para passagem de seu automóvel. Aquele preferirá plantar uma árvore bem no meio do passeio, com o intuito de sombrear seu próprio jardim. Aquele outro pode optar por ladrilhar seu trecho com caquinhos de cerâmica – bonitos, mas escorregadios em dia de chuva. Uma casa de mãe joana.

Construir o bem público, renová-lo, reparar defeitos é atribuição do poder público e por ele deverá ser exercida. Sem isso, jamais será alcançada a uniformização que beneficia a todos – a quem anda a pé, a quem enxerga mal, a quem empurra carrinho de bebê, a quem se locomove em cadeira de rodas.