Do contra

José Horta Manzano

Condecorações são marcas de distinção que o Estado – ou uma de suas instituições – outorga àqueles cuja obra seja considerada relevante num campo específico. É honraria grande. Como em outras esferas, a raridade confere importância. Quanto menor for o número de condecorados, tanto maior será o valor da homenagem.

No Brasil, principalmente estes últimos anos, condecorações têm sido concedidas por atacado, nem sempre a cidadãos que tenham feito por merecê-las. Emblemática foi a atribuição da Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco, a mais destacada honraria do Itamaraty, a quatro senhoras cuja contribuição às relações exteriores do Brasil ainda está por ser revelada.

Medalha 5Dia 20 abril 2010, em cerimônia pra lá de surreal, foram agraciadas com a grã-cruz: dona Erenice Guerra, de triste memória, então chefe da Casa Civil; dona Ana Maria Amorim, esposa de Celso Amorim; dona Mariza Campos, esposa do então vice-presidente, José Alencar; dona Marisa Letícia da Silva, mulher do Lula.

A mais recente safra de insígnias foi concedida dia 10 junho 2015, pouco mais de um mês atrás. Desta vez, foi a medalha da Ordem do Mérito da Defesa. A distribuição a granel incluiu: Eduardo Cunha, presidente da Câmara; Jacques Wagner, ministro da Defesa; Ricardo Lewandowski, presidente do STF.

Medalha 6É interessante notar que, salvo erro ou omissão, o ministro Joaquim Barbosa, que também presidiu o STF, não teve direito à honraria. Nem durante o exercício de suas funções, muito menos depois.

Os nomes mencionados neste artigo hão de despertar, no distinto leitor, a pergunta da qual não se pode fugir: quais terão sido os relevantes serviços prestados por essa gente à diplomacia ou à defesa do País? Por que estão sendo agraciados? A resposta fica por conta da convicção íntima de cada um.

Medalha 7O leitor mais atento talvez tenha notado um detalhe picante nas fotos que reproduzo. Todos os condecorados com a Ordem do Mérito da Defesa portam a faixa com as cores verde, branca e azul na ordem correta, de baixo para cima. Um deles, sabe-se lá por que, veste a faixa pelo avesso.

É senhor Lewandowski, presidente do Poder Judiciário, vejam só. De lá a deduzir que esse senhor age na contramão do espírito do tempo, basta dar um passo. Alguns já deram.

Entregar o jogo no primeiro tempo

José Horta Manzano

Blabla 2No exterior, é fato excepcional que magistrado dê opinião pessoal ou palpite sobre matéria em trâmite no Legislativo. Embora não seja regra escrita, é costume respeitado. Toda transgressão poderia ser interpretada como tentativa de influenciar decisão do Congresso soberano.

No Brasil, não é exatamente assim. A vaidade e o estrelismo assomam entre as características marcantes do espírito nacional. Qualquer um se sente autorizado a meter o bedelho em qualquer assunto. Principalmente se não lhe disser respeito, o que não deixa de ser curioso. Ao fim e ao cabo, fica um desagradável sabor de casa de mãe joana, onde todos gritam e ninguém se entende.

Dia destes, um ministro do STF soltou a língua sobre matéria delicada: a maioridade penal, que muitos gostariam que fosse adiantada para vigorar já a partir da idade de 16 anos.

Cadeia

Temos, cada um, nossa ideia sobre o assunto. Há quem seja entusiasta do adiantamento. Há os que acreditam que não se deva mexer na regra atual. Há até quem veria com bons olhos que se atrasasse a chegada da maioridade penal até os 20 ou 21 anos.

A todos é permitido ter opinião própria – é da democracia. A alguns, no entanto, o recato aconselha abster-se de exprimi-la em público. Os poderes da República são (ou deveriam ser) independentes e harmônicos. Comentários emitidos por integrantes da cúpula de um poder sobre assuntos relativos a outro poder nem sempre são bem-vindos. Podem melar o jogo.

A meu ver, teria sido melhor se o ministro tivesse permanecido calado. No entanto, o que está feito está feito, o que está dito está dito. Não vale a pena adiantar a maioridade penal, já que «cadeia não conserta ninguém» – declarou Sua Excelência.

Blabla 3A frase de efeito pode impressionar, mas parte de uma premissa falsa. Para meu gosto, é derrotista demais. Equivale a dizer, por exemplo, que não vale a pena combater a corrupção, dado que ela sempre existiu e sempre existirá. Em resumo: o ministro acredita que se deva entregar o jogo no primeiro tempo. Não enxergo assim.

Se cadeia brasileira não conserta ninguém – afirmação com a qual concordo –, há que consertar a cadeia. Valer-se desse pretexto para deixar de enviar criminosos para o xilindró não vai consertar nada: nem o delinquente nem a cadeia.

A privação temporária de liberdade tem duas finalidades: por um lado, a punição de quem transgrediu; por outro, a recuperação do faltoso e a preparação de sua reintegração à sociedade.

Passando por cima do caráter punitivo, o ministro se concentra na vocação reeducadora do cárcere, fator que, é verdade, tem sido tradicionalmente descuidado entre nós. Assim mesmo, não se deve jogar o bebê com a água do banho.

Bebe eau du bain 1Que se conserte o que pode ser consertado. Será sempre mais fácil corrigir falhas do sistema prisional brasileiro do que eliminar a delinquência. Pior será deixar como está e torcer para que o acaso traga solução.

Privilegiados da Justiça

José Horta Manzano

Justiça

Justiça

As últimas do STF nos chegam por via do Diário da Justiça. A mídia cuidou de fazer a devida tradução do juridiquês para o vernáculo. Ficamos oficialmente informados. Sabemos a quantas anda o julgamento do mensalão. Se entendi bem, excetuados os que foram condenados a penas mais severas, os acusados ainda podem apresentar novos embargos infringentes. Desconhecida do vulgo até algumas semanas atrás, essa locução entrou na linguagem do dia a dia. Trocada em miúdos, equivale à conhecida expressão entrar com recurso.

Sabemos todos que, em nosso país, figurões não são pessoas comuns. Aliás, um presidente da República um dia proferiu essa ousada afirmação ― e o fez com todas as letras. Portanto, entendemos todos que, caso deslizem, medalhões merecem tratamento especial. Não estão sujeitos a tribunais menores, de primeira ou segunda instância, que isso é para gente ordinária. Respondem diretamente ao tribunal maior. Questão de prestígio, ora vejam. Gente fina não se mistura com ralé.

Só que há um senão. Gente normal passa primeiro por um tribunal de primeira instância. Caso discorde do julgamento, tem a possibilidade de apelar para um tribunal superior, onde os juízes não são os mesmos. Caso ainda não esteja satisfeito, resta-lhe ainda uma derradeira possibilidade: o STF. É verdade que, para chegar lá, precisa ter fôlego, tempo e dinheiro. Mas a possibilidade existe.

Justiça

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No que concerne aos eleitos, o privilégio de passarem por cima dos tribunais menores e serem enviados diretamente diante dos ministros do supremo é faca de dois gumes. Entre julgamento inicial, recursos e embargos, terão direito, como qualquer mortal, a pelo menos três apreciações. Só que…

…só que essas avaliações serão feitas, em princípio, pelos mesmos juízes. O caso do mensalão é um pouco especial porque o fato de ele ter-se espichado anos e anos propiciou a saída de cena de ministros antigos e a chegada de novos juízes. Indo direto ao STF, os acusados têm várias chances de protestar sua inocência. Mas é grande o risco de serem rejulgados sempre pelos mesmos árbitros.

Ninguém gosta de se contradizer, é questão de imagem pública e de coerência. Acusados comuns têm três chances reais de ser julgados, dado que os julgadores serão a cada vez diferentes. Já os privilegiados perigam enfrentar todas as vezes a mesma comissão julgadora.

Justiça

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Até pouco tempo atrás, para que um político chegasse a ser julgado (e condenado) pelo STF, precisava no mínimo ter esquartejado alguém com motosserra. Os tempos estão mudando. Crimes de colarinho branco já não eludem tão facilmente a lei.

Quando de uma hipotética futura reforma do Poder Judiciário, esse duvidoso privilégio será certamente objeto de especial atenção. Não seria espantoso que fosse abolido e que medalhões decaídos passassem a iniciar sua peregrinação respondendo a um tribunal de primeira instância. Como qualquer outro cidadão.

Tribunais especiais aos quais somente uma casta de cidadãos têm direito destoam num país que se quer democrático. Na mesma linha, estão as condições carcerárias privilegiadas (prisão especial) ― concedidas com base num eventual diploma formal obtido outrora pelo condenado.

São resquícios de uma sociedade arcaica que a Constituição de 1988, por mais que seja dita cidadã, não conseguiu remover.