Sensatez

José Horta Manzano

De tanto ouvir asneiras, baboseiras, sandices e barbaridades disparadas por figuras políticas, a gente acaba ficando com o ouvido calejado. Acostumado a levar pancada, o ouvido maltratado nem sempre se dá conta quando alguém pronuncia palavras sensatas, inaudíveis em meio à algaravia.

Não se pode catalogar doutor Raul Jungmann, recentemente nomeado ministro extraorinário da Segurança Pública, como figurinha carimbada da República. Está longe da notoriedade de um Sarney, de um Renan, de um Barbalho, de um Maluf. Não é a primeira vez que exerce cargo de ministro. Além de ter cumprido dois ou três mandatos de deputado federal, o político pernambucano já serviu como auxiliar direto do presidente da República em outras ocasiões.

Estes últimos dias, ouvimos dele duas ou três tomadas de posição que destoam do palavreado que políticos habitualmente dirigem à galeria. Foram observações sensatas, às quais não estamos mais acostumados.

Doutor Jungmann declarou-se impressionado com o Rio de Janeiro, onde «durante o dia, pessoas clamam, com razão, pela segurança contra o crime. E à noite, pelo consumo de drogas, acabam financiando esse mesmo crime». Dito assim, parece uma evidência. Mas tal franqueza não é comum no mundo político.

foto: Ueslei Marcelino/Reuters

A coisa não vem de hoje. No tempo de nossos avós, a população já transgredia quotidianamente a lei ao fazer sua fezinha no jogo do bicho. Felizmente, acertos de contas entre bicheiros eram, naquela época, menos violentos. Briga por domínio territorial não se fazia na boca de metralhadora. Bons tempos.

Além de dizer em voz alta o que todos pensam baixinho com relação ao financiamento do crime, o ministro botou o dedo noutra ferida. Como se sabe, advogados têm acesso praticamente livre a clientes encarcerados. Espantado com o fato de alguns presos ligados ao crime organizado disporem dos serviços de até 37 advogados(!), considerou que isso não é razoável.

Doutor Jungmann revelou que mandatários desses sindicatos do crime são enviados às faculdades de Direito a fim de recrutar estudantes ainda não formados. Assim, os novos «soldados» já deixam a universidade com clientela e ganhos assegurados. Como defensores exclusivos de traficantes de alto coturno, passam a integrar a tentacular organização criminosa. Para entravar essa prática, o ministro preconiza que conversas entre advogados e encarcerados seja monitorada.

Mais importante que o resto, Raul Jungmann garante que a Operação Lava a Jato vai continuar sem solavancos até que todos os suspeitos tenham sido investigados. É o que os brasileiros de bom senso esperam. Que assim seja. Nestes tempos estranhos, afirmações arrazoadas são pra lá de bem-vindas.

Frase do dia — 334

«Se quiser garantir o futuro do seu filho, mande-o para a advocacia. Com as denúncias expondo um corrupto por minuto, nunca no Brasil os serviços dos advogados foram tão disputados.

Claro, nem todos terão o desafio de defender os indefensáveis ‒ Temer, Lula, Dilma, Aécio, Cunha, Cabral (alguns deles contratam até 20 defensores) ‒, mas sempre lhes sobrará um Renan, uma Gleisi, um Palocci, também suculentos.»

Ruy Castro (1948-), escritor, biógrafo, jornalista e colunista.

Frase do dia — 320

«Eduardo Cunha foi preso. Não tinha mais mandato. Se Renan continuar solto, é apenas porque tem um. É justo cometer crimes em série, sob o escudo de um mandato parlamentar? Renan está nervoso porque percebe o crepúsculo de um sistema de impunidade tecido pela audácia dos coronéis e a inoperância do Supremo. A evolução do país o levou a perder a cabeça, algo raro no passado. Espero que não chegue a arrancar os cabelos e ouça o meu conselho de anos atrás: se entrega, Corisco!»

Fernando Gabeira, jornalista, em artigo publicado em 30 out° 2016.

Frase do dia — 298

«Coisas da política e do destino: tão diferentes, e por motivos distintos, os arqui-inimigos Eduardo Cunha e Dilma Rousseff chegaram ao mesmo fim, praticamente na mesma hora e negando com igual ênfase as próprias “pedaladas”.

Ele foi afastado ontem da presidência e do mandato e ela caminha para o mesmo fim na semana que vem, nos dois casos sem perspectiva de volta e sob aplausos da maioria da população brasileira. O próximo na linha de sucessão ‒ no bom e no mau sentido ‒ é o presidente do Senado, Renan Calheiros.»

Eliane Cantanhêde, em sua coluna do Estadão, 6 maio 2016.

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Meu Deus! Devo estar ficando louca! Não há como considerar normal que uma pessoa consiga compreender e lançar olhar compassivo aos dois lados de uma disputa, sem se posicionar automaticamente em cima do muro ou como defensora enrustida e hipócrita de uma das partes.

Vejo como verdadeiras certas afirmações de Dilma e de integrantes de seu partido, de sua base aliada e de seu governo, assim como constato que muitas pessoas engajadas na luta para derrubá-los estão também dizendo a verdade. É verdade que o golpe militar de 64 começou com uma passeata de 100 mil pessoas protestando contra o caos e a corrupção. Também é verdade que ela pagou um preço alto por ter participado da luta pela reconstrução democrática, mas isso não serve – ou não deveria servir – de salvo-conduto para isentá-la de punição por eventuais transgressões. A bem da verdade, dói-me que políticos que já militaram em grupos de esquerda apoiem medidas insanas ao chegar ao poder, como o controle social da mídia ou o sequestro da poupança nacional, como tentou Dilma e o fez Zélia, apenas porque sentem que já pagaram “pedágio” a governos autoritários. Não fui torturada nos porões do regime, mas talvez meus ouvidos o estejam sendo agora, e de forma mais insidiosa, por me saber livre para pensar e chegar a conclusões próprias.

Zélia Cardoso de Mello & Dilma Vana Rousseff

Zélia Cardoso de Mello & Dilma Vana Rousseff

Reprovo certas atitudes espetaculosas de Moro, da mesma forma que me sinto profundamente desconfortável com a desfaçatez e a pretensa superioridade moral de Gilmar Mendes, de Teori e de Rodrigo Janot. A coragem de Joaquim Barbosa para dar nome aos bois me fascinava, ainda que me incomodasse por sua rispidez, da mesma forma que me inquieta sobremaneira a leveza e despreocupação ética do atual presidente do STF.

Acho legítimo que a Globo, que sabidamente apoiou a ditadura militar e distorceu informes jornalísticos para ocultar sua conivência com ela, mude historicamente de posição e utilize agora seu vasto poderio de comunicação para divulgar os sucessivos escândalos políticos, como de resto o fazem todos os demais órgãos de imprensa, com um grau semelhante tanto de imparcialidade quanto de espetacularização.

Marcha da Família com Deus pela Liberdade São Paulo, 19 março 1964

Marcha da Família com Deus pela Liberdade
São Paulo, 19 março 1964

Solidarizo-me com quem se sente enganado, traído por seus governantes, exausto de ser espoliado e sai às ruas clamando por transformação urgente, sem que forçosamente tenha de chamá-los de fascistas ou sugerir que eles aceitam servir gostosa e irracionalmente de massa de manobra para golpes contra a democracia. Acolho em meu peito a raiva e a frustração das pessoas que vêm militando há décadas ao lado do partido governante para implementar certos avanços sociais, sem me sentir obrigada a tachá-las de cegas, canalhas, corruptas ou inimigas do povo brasileiro.

Condeno veemente as manobras de Cunha, tanto para acelerar o processo de impeachment de Dilma quanto para evitar sua própria cassação. Não aceito que Renan se faça de desentendido, repetindo o discurso de Dilma sem se dar sequer ao trabalho de disfarçar o desejo de salvar a própria pele. Considero vergonhoso e humilhante que políticos enlameados até a raiz dos cabelos, como Maluf e Collor, posem de estadistas e ganhem assento na comissão que vai julgar o atual desgoverno. Jamais apoiaria um governo Temer construído à revelia dos anseios da população, em aliança com o PSDB ou outros partidos oportunistas de oposição, simplesmente por achar que ele seria um mal menor.

Não entendo, por mais que me esforce, o que significa ser de esquerda ou de direita no mundo atual, que dirá no Brasil. Não posso acreditar que uma seja detentora da verdadeira consciência social e outra composta só por uma elite nojenta, desprovida de valores éticos, já que suas práticas de governo se têm mostrado indistinguíveis. Não sei o que é ser elite, nem o que é ser povo, quando se empresta apressada e generalizadamente a ambos o caráter de alienação.

Fernando Collor de Mello & Paulo Salim Maluf

Fernando Collor de Mello & Paulo Salim Maluf

Também não compreendo porque artistas do peso de um Chico Buarque, Caetano Veloso ou Gilberto Gil devam ser xingados, perseguidos e difamados simplesmente porque ousam manifestar suas crenças livremente, mesmo que anteriormente tenham se manifestado a favor de ditadores ou da censura a biografias não autorizadas. Posso lamentar, talvez, que sua sensibilidade poética não tenha se espraiado para uma visão de mundo mais de acordo com a minha ou a dos que protestam nas ruas, mas me parece impossível negar sua capacidade de discernimento.

Sou mulher, profissional liberal aposentada, de terceira idade. Nunca me senti representada por Dilma só porque ela também é mulher. Embora tenha acreditado lá atrás no tempo que as mulheres fossem portadoras de maior capacidade de gerir, servir, cuidar e amar, não foi isso que constatei ao analisar a vida e o governo de Indira Gandhi, Margareth Thatcher ou Cristina Kirchner. Não me parece lógico, portanto, me aliar irrefletidamente a qualquer uma que prometa um mundo mais igualitário, generoso e includente só por ter dois cromossomos X.

Da mesma forma, abri as portas de minha carreira profissional, enfrentando um mundo masculino organizado, poderoso e discriminador. Nunca me senti menos inteligente, menos capaz de suportar pressões nem menos sensível às demandas da realidade. Nunca busquei proteção ou defesa em meus chefes e colegas masculinos quando acusada de estar exagerando ou emocionalmente desequilibrada por estar sujeita à flutuação hormonal típica do gênero feminino, assim como não fui chorar no banheiro nessas ocasiões.

Indira Gandhi & Margaret Thatcher

Indira Gandhi & Margaret Thatcher

Respirei fundo quando fui excluída do mercado de trabalho por causa de minha idade, por compreender que a reciclagem da mão de obra é natural e desejável. Reuni as forças que me sobravam para encontrar um trabalho que ainda pudesse ser considerado útil pelas empresas e capaz de acrescentar um pouco mais de dignidade à minha vida de aposentada.

Sou exceção? Talvez. Numa curva estatística de distribuição normal, devo ser. Mas, se o critério for o de condições intelectuais, psicológicas ou morais para assumir que em casa onde falta pão todo mundo grita e ninguém tem razão, devo estar absolutamente dentro da média da população. Tenho dito.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Convite

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Certa vez participei de uma vivência terapêutica muito interessante. As pessoas presentes, sentadas em círculo no chão, eram estimuladas a olhar para aquela que estivesse imediatamente à sua frente e imaginar seu nome e sua profissão, baseando-se tão somente na aparência, tom de voz e postura corporal. Além de muito divertida, essa experiência mostrou ser também muito reveladora – não tanto pelos acertos e erros nas projeções feitas (que propiciavam boas gargalhadas), mas principalmente pelo que evidenciava a respeito dos preconceitos, estereótipos e valores que povoam nosso próprio universo mental.

Ontem à noite, assistindo a um pronunciamento do ministro Levy, tive um súbito insight. A postura daquele homem, seu olhar cansado, sua voz baixa e seu discurso lento e cuidadoso, como o de quem procura causar o menor impacto negativo possível com o que tem a dizer, evidenciavam sua verdadeira profissão: agente funerário. Podia até visualizá-lo sugerindo um determinado padrão de caixão que supunha estar dentro do orçamento da família e cuidando em fazer pequenas pausas para auscultar se sua indicação era recebida com agrado ou desagrado.

Terapia 1A fantasia me deliciou e decidi estendê-la para outras figuras públicas que têm frequentado o noticiário nacional. Dei tratos à bola para escapar dos parâmetros de estilo de vida já conhecidos e compus os seguintes personagens:

Interligne vertical 14Dilma
Gosta de ser chamada de Dona Terezinha. Contadora de estórias e agente de disciplina num acampamento de férias juvenil. Doceira de mão cheia, olhar curioso e bonachão, preocupa-se em agradar, mas sem abrir mão do desejo de ser respeitada e obedecida.

Interligne vertical 14Lula
É conhecido como Manezinho da Embolada, graças a seus dotes de cantador. Controlador de um salão de bingo. Responsável pela recepção dos convidados, pelo anúncio dos premiados e pela confraternização que segue a entrega dos prêmios. Gosta de se destacar no trabalho mas, na vida privada, é um tanto taciturno e resmungão.

Interligne vertical 14Cunha
Seu nome é Ricardo. Corretor de imóveis de alto padrão, apesar da infância pobre e do baixo traquejo social. Chama a si todas as responsabilidades pelo atendimento pleno dos clientes e esforça-se por demonstrar alta credibilidade, expertise técnica e bom gosto.

Interligne vertical 14Haddad
Amélio é adestrador e passeador de cães. Tem muita experiência acumulada com cachorros difíceis, porte atlético e muita paciência para lidar com filhotes, mas não consegue disfarçar sua desesperança em termos de evolução na carreira profissional. Adoraria poder jogar tudo para o alto, mas falta-lhe energia para recomeçar. Pondera se, afinal, já não estaria em tempo de começar a adestrar os donos dos cães-clientes.

Interligne vertical 14Renan
Prefere ser chamado pelo sobrenome, Machado. Agenciador de modelos e gigolô aposentado. Não gosta de frequentar eventos sociais, preferindo envolver-se com as tratativas comerciais e com o controle disciplinar de suas contratadas. A vida o endureceu um pouco para se envolver com os segredos de alcova.

Interligne vertical 14Celso Mello
Padre Gérson é capelão de uma igrejinha de fazenda e responsável pela doutrinação religiosa dos filhos dos peões. Adora contar parábolas a seus pequenos fiéis, mas sente-se estimulado mesmo quando é convidado a fazer parte dos almoços de domingo na casa grande. Empenha-se com afinco em dissimular a tentação de ceder aos pecados da gula e da luxúria.

Interligne 18b

Terapia 2O cansaço que experimentei ao final de algumas horas me fez interromper o jogo de fabulações, embora eu ainda sinta o desejo de explorar outras possibilidades.

Em função disso, quero convidar a todos a me ajudarem com suas percepções a compor o perfil psicológico de outros nomes emblemáticos do cenário nacional e internacional. Aqueles que aceitarem o desafio certamente vão poder se dar conta do quanto este jogo é capaz de estimular nossa sensibilidade, nossa criatividade e nosso senso de humor.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Coisa do outro mundo

José Horta Manzano

Não é todos os dias que se lê notícia tão espantosa. O presidente do Senado Federal estuda processar a Polícia Federal! Vamos por partes.

A Constituição da República distingue três poderes independentes e – de preferência – harmônicos. Trocada em miúdos, a informação trazida pela manchete é preocupante: um dos três poderes vale-se de um outro para atacar o terceiro. Não se passasse entre excelências, pareceria briga de condôminos. Não deixa de ter seu lado cômico.

É boa nova? É ruim? Tirando o aspecto circense, a manobra não deixa de ser salutar. Dentro das regras, está. Em tempos normais, seria sinal inquietante de desarmonia nas esferas elevadas. No entanto, no ponto em que estamos, um processo a mais ou a menos tanto faz.

Ca bouge 1Tem muita coisa mudando neste Brasil velho. Dado que a gente está envolto pelos acontecimentos, fica difícil dar-se conta. O recuo necessário para análise serena só virá daqui a alguns anos.

Uma coisa é certa: do jeito que estava, era impossível continuar. As atuais turbulências dão a prova de que muita coisa está mudando. Pode até ser que os caminhos que se abrem não sejam excelentes. Mas vale a pena tentar, que não temos outra saída. Com o tempo, vamos acabar aprendendo.

O Brasil, a Argentina, a Venezuela e a Grécia são a demonstração gritante de que o populismo – pouco importa se de esquerda, de direita, de cima ou de baixo – não leva nunca a bom porto. Mais cedo ou mais tarde, a conta chega. E bem salgada.

Deus é mesmo brasileiro?

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Deus triangulo 2Bom, eu não costumo achar que conheço a vontade de Deus ou seus planos para nosso futuro. Não posso nem mesmo argumentar que mantenho diálogos frequentes com a divindade, durante os quais Ele me explica os detalhes de algum acontecimento que não compreendo de imediato.

Esforço-me apenas para identificar os sinais de Sua intervenção em nosso cotidiano. E, se tenho feito a lição de casa com denodo e precisão, parece que Ele não se sente lá muito à vontade em ser nosso compatriota. Se não, vejamos:

Interligne vertical 11c1. Ele indicou recentemente como seu lídimo representante aqui na terra um argentino e, pior, não foi a única vez que preferiu apostar num cidadão de outro país. Ao contrário, em todos os pleitos anteriores, foi sempre um estrangeiro o escolhido;

2. Levou de nosso convívio nos últimos meses os mais doces e apaixonantes personagens de nossa cena artística, literária e educacional. Gente talentosa como Millôr Fernandes, José Wilker, Ariano Suassuna, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves. Acaba de atacar desta vez no plano político, levando-nos de um só golpe e sem aviso prévio um promissor integrante da nova geração de políticos brasileiros, Eduardo Campos. Não me entendam mal, não conheci Campos pessoalmente e entrei em contato com muito poucas de suas ideias. Nem o fato de ele ser neto de uma figura respeitável como Miguel Arraes me servia de garantia de que os rumos de nosso país seriam de fato mudados. Apenas ele me parecia ter um fogo que há muito tempo não se via por estas bandas e um brilho especial nos olhos. No conjunto, Deus nos levou todo um punhado de pessoas intelectualmente articuladas, bem humoradas, de bem com a vida e capazes de nos colocar na boca o gosto bom da esperança;

3. Essa última perda reeditou em meu peito a dor angustiante da perda de outro nome emblemático na história política nacional: Tancredo Neves. Depois de vinte e um longos anos de chumbo e sombras, desapareceu aquele que talvez tenha sido nosso último estadista. Já os ratos de porão de nossa elite política continuam vicejando e engordando, sempre tramando novos esquemas pelas nossas costas e levando seus parentes e pets para passear em jatos da FAB: Maluf, o clã Sarney, Renan, Collor, Arruda, Cabral, Lula, José Dirceu, Genoíno… a lista de nomes politicamente asquerosos não termina nunca;

4. Mesmo mantendo-o vivo, afastou de nós e do nosso território um personagem do calibre do ministro Joaquim Barbosa, o único magistrado em toda a história republicana que, ao menos a meus olhos, conseguiu se mostrar destemido, dando nome aos bois sem titubear e usando um linguajar simples de ser compreendido, fossem eles seus pares, governantes ou outras figuras públicas.

NuvensAnalisando esse padrão de intervenção divina na história de nossa pátria – ou seja, o de permitir que a tensão vá se acumulando, os ânimos se exacerbando e chegando próximo a um ponto de ruptura, sem que jamais haja uma real chance de descarga e alívio final da tensão – cheguei à conclusão de que só há duas hipóteses para explicar esses últimos acontecimentos: ou Deus quer que nos ferremos todos porque não temos como povo o potencial para gerirmos de maneira satisfatória nossas próprias vidas, ou Ele nos está dando, mais uma vez, um empurrão para que assumamos finalmente as rédeas de nosso destino. Na dúvida, por ignorância ideológica e por ser uma pessoa de boa vontade, opto pela segunda.

Imagino mesmo que se eu O cobrasse, ele diria algo como:

Interligne vertical 11“Mas, minha filha, não coloque toda a responsabilidade exclusivamente nas minhas costas. Eu lhes concedi o dom do livre arbítrio exatamente para que vocês pudessem relativizar o impacto de muitos de meus planos. Se não o fizeram, foi por vontade humana e não divina. Eu lhes dei um país rico em recursos, uma terra generosa e um povo amável e acolhedor. Por que vocês não colocam em prática os valores nos quais acreditam e ficam esperando que lhes caia dos céus a solução de todos seus problemas? O que você quer de mim? Que eu lhe indique o próximo salvador da pátria? Isso não é problema meu, ora bolas!”

P.S.:
Acabo de descobrir uma nova interpretação para a vontade de Deus em levar Eduardo Campos de nosso convívio. O que Ele queria, suponho eu, era assistir de camarote a disputa de quem pode se declarar seu verdadeiro – e único – herdeiro político! Como muitos de nós humanos, ouso acrescentar.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Afanador de galinhas

Sylo Costa (*)

Cícero, na primeira Catilinária contra a corrupção de seus contemporâneos, exclamou: ó, tempora, ó, mores! O mesmo podemos dizer do nosso Brasil de hoje: gente pobre, se comete um deslize furtando uma galinha ou um galo, é para comer, nunca para formar aviário. Já alguns sem-vergonha e ladrões roubam é Petrobras. Outros, remediados e ricos, políticos e velhacos, afanam tudo, principalmente dinheiro público, fazendo fortunas. Ó, tempos, ó, costumes!

Galinha 2Imagine esta situação, caro leitor: Afanásio Maximiniano Guimarães afanou um galo e uma galinha do galinheiro de Raimundo das Graças Miranda. A Defensoria Pública requereu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais a extinção do processo, uma vez que o acusado devolvera os animais (presumo que o dito cujo tenha sido condenado na 1ª instância).

Se o perigoso assaltante de galinhas tivesse tido tempo para devorar os bichos, certamente que a defesa apelaria para o chamado furto famélico, situação em que se subtrai algo para comer e não morrer de fome.

Ou não, porque os políticos de Brasília e aqueles que comem quietos, como mensaleiros e fanáticos interessados na Petrobras e outras fontes luminosas como Copa e Olimpíadas, já desmoralizaram esse tipo de crime e, provavelmente, já pensaram em todas as maneiras de como sair incólume dessas aventuras, depois das ditas efemérides.

Mas, voltando ao tema do furto de galinhas, presumo eu que existiu outro pedido da defesa, em caráter liminar, quanto à aplicação do princípio da insignificância, e o assunto foi parar no Supremo.

O ministro relator, Luiz Fux, ao analisar o caso, decidiu aguardar o julgamento do mérito do pedido para depois decidir a questão em definitivo. É…, um país cujos principais juízes se preocupam na mais alta Corte com galos e galinhas e não conhecem de Renans e Roses, escondidos que vivem debaixo dos caracóis dos seus cabelos e perucas, não podem ter mesmo tempo para mandar prender ladrões de casaca que abundam e que agem abertamente para desmoralizar nossas instituições e quebrar, no sentido de arrebentar, nosso país.

Galinha 1Não sei quem foi o iluminado que um dia descobriu o termo “hediondo” e, achando-o bonito, resolveu enquadrar tudo quanto é desgraça nesse título para substituir nosso Código Penal, fazendo até furto de galinha ser crime hediondo. Ladrão de galinhas não pode ser o mesmo que ladrão de Petrobras.

A lei não pode ser oito ou 80. Quer dizer que eu, que sou apenas um cidadão comum, se furtar uma galinha para comer serei julgado por crime hediondo e terei julgamento igual a esses ladrões sócios de doleiros? Furto é uma coisa, roubo é outra.

Ó, quer saber? Eu e muita gente só vamos esperar a primeira parada desse trem brasileiro. Ainda que não tenha chegado a lugar algum, quero descer e só subirei de volta quando desratizarem o ambiente pátrio.

(*) Sylo Costa é colunista do jornal O Tempo, de Belo Horizonte.

Frase do dia — 73

«O senador Renan Calheiros pagou R$ 27,4 mil à FAB pelo uso indevido do jatinho que o levou de Brasília ao Recife para um implante de 10.118 fios de cabelo. Isso dá R$ 2,70 por fio, deixando-se de lado os serviços médicos do procedimento. Toda vez que o doutor ajeitar a cabeleira, deverá contar os tufos que saírem no pente. A cada 268 fios que caírem, terá perdido o equivalente a um salário mínimo.»

Elio Gáspari, jornalista, in Folha de São Paulo, 5 jan° 2014

Não fui eu, foi ele!

José Horta Manzano

«Não fui eu, foi ele!»

De criança, é comum, corriqueiro e compreensível que toda desavença seja levada à autoridade paterna ou materna para decisão. Cada litigante apresentará seus argumentos, e a Justiça adulta determinará.

Praia de Copacabana, 1° jan 2014

Praia de Copacabana, 1° jan 2014

Em outros termos, não se exige de criança pequena que assuma a responsabilidade por tudo aquilo que faz. Primeiro, porque ainda não está madura para entender os comos e os porquês de seus atos. Segundo, porque, de qualquer maneira, sempre aparecerá um adulto para consertar o estrago.

Praia de Copacabana, 1° jan 2014

Praia de Copacabana, 1° jan 2014

Com gente grande, a coisa muda de figura. De um adulto, espera-se que tenha entendido que mamã não virá correndo atrás para catar os brinquedos espalhados pelo chão. Compete a cada um recolher seus próprios pertences. Ou não os deixar cair.

Praia de Copacabana, 1° jan 2014

Praia de Copacabana, 1° jan 2014

Muitos de nossos concidadãos não conseguem enxergar o mundo assim. São do tipo eu sou mais eu e não estou nem aí. Essa dificuldade em se dar conta de que a infância acabou aparece, contundente, nas constrangedoras imagens de imundície captadas na praia de Copacabana no amanhecer de 1° de janeiro.

Os que fizeram isso ― e hão de ter sido milhares de pessoas ― continuam acreditando que mamã virá atrás catar os cacos.

Praia de Copacabana, 1° jan 2014 Credit: Cezar Loureiro, O Globo

Praia de Copacabana, 1° jan 2014
Crédito: Cezar Loureiro, O Globo

Faz 500 anos que as políticas paternalistas de nossos sábios governantes só têm feito reforçar a infantilização do povo. «Não se preocupe, filho, que papai cuida disso. Vá brincar agora.»

by Amarildo Lima, desenhista capixaba

by Amarildo Lima, desenhista capixaba

Está aí o resultado: uma população de ovelhas, sem iniciativa, sem noção de pertencimento a uma comunidade. Gente que não consegue enxergar além do próprio umbigo. É nesse terreno fértil que brotaram Getúlio, Jânio, Collor. E que continuam surgindo Lulas e Tiriricas.

by Marco Jacobsen, desenhista paulista

by Marco Jacobsen, desenhista paulista

Ah! Aos distraídos, quero lembrar que o pontapé inicial da Copa-14 será dado daqui a seis meses. Durante um mês, dois bilhões de pares de olhos estarão voltados para o Brasil. Não verão unicamente a beleza de Copacabana. Repórteres são curiosos por natureza. Hão de encontrar imagens mais picantes para impressionar seu público.

Feliz 2014!

Frase do dia — 45

«Para evitar o impeachment, Lula abriu os braços a oligarcas e representantes do atraso no país. Sarney, Collor, Maluf e Renan são hoje amigos do peito do ex-presidente petista. Eles estão soltos. Dirceu e Genoino estão presos. Faz sentido.»

Vinicius Mota, in Folha de São Paulo, 18 nov° 2013

Na corda bamba

José Horta Manzano

Saiu a notícia. Temos agora a prova de que dona Dilma realmente ouviu o clamor popular. Vem aí a reforma ministerial, o grande trunfo que ela guardava na manga!

Equilíbrio na corda bamba

Equilíbrio na corda bamba

É, mas vem tímida essa reforma. Do obeso corpo de 39 ministros que a cerca, a presidente anunciou que um ― um só! ― será substituído. Trata-se da titular da pasta de Relações Institucionais, dona Ideli.

Cada cabeça, uma sentença. No lugar da presidente, eu aproveitaria a atual onda de reclamos para fazer uma reforma ministerial cirúrgica e radical. Despacharia todos e recomeçaria do zero. Mostraria ao povo que não só ouvi os protestos, mas que os escutei. Mas a presidente é ela, não eu. Melhor assim.

Ao tomar decisões sempre acanhadas, dona Dilma age como se estivesse recuando o tempo todo. Não emite um bom sinal. Nem ao povo, nem a ninguém. A mandatária fortona e inflexível vai aos poucos desvelando sua fragilidade. A meu ver, a presidente incorre em quatro erros básicos.

O primeiro é que esse tipo de anúncio não se deve fazer com antecedência. Essas coisas têm de ser zás-trás, catapum, nada de aviso prévio! Demite-se o inquilino antigo, apresenta-se imediatamente o novo locatário, e vira-se a página. Do jeito que está sendo feito, o efeito de surpresa está irremediavelmente diluído.

Equilíbrio na corda bamba

Equilíbrio na corda bamba

O segundo erro é a presidente «dar uma de marrudinha», principalmente no difícil momento que atravessa. Fez questão de proclamar que não dispensará a ministra enquanto os aliados a estiverem pressionando. Quis dizer: «Faço o que quero, quando quero, como quero. Ninguém manda em mim». Só faltou fazer biquinho.

O terceiro é que a troca de ministros, de tão tímida, não terá o menor impacto no povo insatisfeito. Se a maioria conhece a função de um ministro da Educação ou do titular da Saúde, poucos sabem para que serve a ministra de Relações Institucionais. O nome é pomposo, mas o efeito que essa exoneração terá sobre a opinião pública será próximo de zero

O quarto erro é que dona Dilma dá mostras de continuar em cima do muro, equilibrando-se numa corda bamba. Dá uma no cravo, outra na ferradura. Hoje tenta agradar uma ala do partido A. Amanhã, uma facção do partido B. No dia seguinte, um grupo de congressistas reclamões. O risco é de desagradar a maioria dos cortesãos, cujo apetite por sinecuras é pantagruélico. E, nessa roda-viva, os eleitores e seus rogos vão sendo deixados para trás. Que se contentem com quimeras, como o bizarro plebiscito.

É pena que a presidente não consiga se liberar das amarras que a prendem às intrigas palacianas, a correligionários, a messias, a gurus e a congressistas cooptados e mal-acostumados. É de lastimar que continue dando a impressão de governar unicamente para os do andar de cima.

Equilíbrio na corda bamba

Equilíbrio na corda bamba

Os modernos meios de comunicação mudaram, a população que nasceu com internet está chegando à idade adulta. A presidente dá sinais de estar confusa, perdida, atirando para todos os lados, na ânsia de conciliar o inconciliável.

Astuto, o presidente anterior tem feito o que pode para manter-se longe dos holofotes. Ele, que bobo não é, não gostaria de ver seu nome associado ao nebuloso momento atual.

Mas deixe estar. A cada dia que passa, nossa terra está mais próxima de se tornar um país normal. Com ou sem Dilma, com ou sem o Lula, com ou sem Renan, Sarney, Collor, Maluf, Demóstenes, Dirceu & companhia.

Yes, you can!

José Horta Manzano

Não sou fã ardoroso dessas gracinhas que circulam pela internet e que nos atulham a caixa postal. Em geral, vão para a lata de lixo sem ser lidas. De vez em quando, aparece alguma realmente espirituosa. Foi o caso hoje. Vai aqui abaixo. Se alguém não apreciar, peço desculpas antecipadas.

Yes you can