José Horta Manzano
Apareceram estes dias várias manchetes anunciando que señor Kuczynski(*), presidente recém-eleito do vizinho Peru, não tinha intenção de «dar anistia» a Alberto Fujimori.
Señor Fujimori, como se recordarão meus distintos e cultos leitores, foi presidente de seu país durante dez anos. Depois de aprontar umas e outras, acabou fugindo. Para não ser preso, valeu-se de sua dupla cidadania e asilou-se no Japão.
Após alguns anos, imprudente, tentou voltar ao Peru passando pelo Chile. Deu-se mal. Foi apanhado, preso e extraditado para Lima. Julgado e condenado, está na cadeia até hoje cumprindo pena de 25 anos. Por corrupção entre outros crimes. E tudo isso sem Lava a Jato, pasmem!
Anistia, palavra bonita, não se aplica, infelizmente, ao caso em questão. Diz-se anistia da abolição de um crime. Explico melhor. Durante nosso mais recente regime militar, opor-se à cartilha oficial era considerado crime. Portanto, criminosos eram todos os que ousassem enfrentar.
Nos estertores do regime, foi decretada a anistia. Não foi ato nominal incluindo fulano e excluindo beltrano. Anistia implica a extinção do crime. Não havendo crime, hão pode haver criminosos. Assim, todos os que se tinham oposto ao moribundo regime deixavam de ser criminosos. Estavam anistiados.
A manchete sobre o presidente peruano deveria ter dito que señor Kuczynski não tem intenção de conceder indulto a Alberto Fujimori. Os crimes cometidos pelo presidente ora encarcerado continuam sendo crimes. No entanto, fazendo uso da graça presidencial ‒ garantida pela Constituição ‒ o novo presidente tem o poder de comutar parcial ou totalmente a pena do condenado. É decisão presidencial autocrática.
Em visão rigorosa, a anistia age sobre a lei penal e extingue o crime, enquanto o indulto perdoa o criminoso sem tocar na lei. Há juristas que consideram ambos os termos equivalentes. Data venia, discordo.
(*) Kuczynski
Nome de família é imposição da qual é difícil escapar. Quando escritos à moda polonesa, como Kuczynski, são verdadeiro quebra-cabeça para não iniciados.
Varsóvia já nos brindou com coisa mais difícil, como Włodzimierz Cimoszewicz, chefe de governo no fim dos anos 90. Ou Czesław Kiszczak, que atuou em 1989. Perto desses aí, nosso Juscelino Kubitschek até que era simples. Pronunciar era fácil ‒ difícil mesmo era acertar a grafia.
Curiosidade
O cantor e compositor Juca Chaves, cujas modinhas irreverentes e melodiosas fizeram sucesso nos anos 60, vinha de uma daquelas famílias de sobrenome impronunciável. Para prevenir torção de língua, o original Czaczkes foi aportuguesado para Chaves.