O bicho de muitos nomes

José Horta Manzano

A história do peru é interessante. (Estou falando do peru de Natal, não do país vizinho.) O pássaro é endêmico na América do Norte. Aliás, foi o único bicho voador a ser domesticado na América pré-colombiana.

Os primeiros espanhóis levaram consigo, no regresso, casais dessa ave. Era uma época em que os navegantes não tinham certeza sobre a real localização das novas terras. Os primeiros exploradores acreditavam haver chegado às Índias – daí os nativos terem sido chamados de índios.

Chegando à Europa, a ave, que ainda não tinha nome, foi batizada conforme a lógica de cada país; só que nem todos seguiam a mesma lógica.

França
Os franceses foram provavelmente os mais rápidos a lhe dar nome. Certos de que as novas terras correspondiam à Índia, chamaram a ave de “poule d’Inde” (=galinha da Índia). O nome ficou até hoje. A primeira parte da expressão caiu (poule), mas a segunda ficou. O nome do peru hoje se escreve sem apóstrofo: “dinde”.

Espanha
Os espanhóis hão de ter nomeado o peru mais tardiamente, pois parece que já sabiam que as terras descobertas não eram a Índia. Deram ao bicho voador o nome de “pavo”, em contraposição a “pavo real”, que é o pavão, ave já conhecida.

Inglaterra
Quanto aos ingleses, a história é diferente. Décadas antes da descoberta da América, os portugueses haviam trazido da África um galináceo desconhecido na Europa: a galinha d’Angola. Seu comércio se alastrou pelo norte da África até chegar à Turquia.

Quando o peru apareceu, já fazia tempo que os ingleses conheciam as angolinhas “da Turquia”. Ao ver a nova ave, pensaram que fosse uma variedade de galinha turca. Deram-lhe o nome de “Turkey hen” (galinha da Turquia), posteriormente abreviado para o atual “Turkey”.

Alemanha
Os alemães, provavelmente fascinados pela novidade, não se preocuparam tanto com a origem do animal. Encantaram-se com o som que ela emitia, especialmente quando queria chamar os pintinhos. Aos ouvidos germânicos, o som soou como “put, put”.

Até hoje, usam a forma onomatopaica “Pute” – forma que, para nós, soa francamente bizarra. O animal também é conhecido pelo nome “Truthenne” (=galinha “trut”), sendo que “trut” também é onomatopeia do grito do peru.

Os fãs da Índia
Diversos povos europeus se deixaram levar pela influência francesa. Deram ao peru um nome lembrando a suposta origem. Assim, temos: polonês “indyk”, russo “indeika”, turco “hindi”. Todos eles apostaram numa espécie de galinha proveniente da Índia.

Os mais rigorosos
Alguns procuraram ser ainda mais precisos. Não se contentaram em dar como origem a imensa Índia, mas especificaram a suposta região de origem do bicho.

Com variantes gráficas que refletem as convenções de cada língua, o termo “kalkun” vigora na Holanda e na Escandinávia. Atrás dessa estranha palavra, esconde-se uma região imprecisa, que tanto pode ser Calicute como Calcutá.

Para o europeu da época, tratava-se de uma única cidade. Hoje sabemos que são duas, bem diferentes, situadas a 1.500 km uma da outra, ambas na Índia.

Portugal
Quando os primeiros exemplares da ave foram levados a Portugal, as parcas informações de que se dispunha à época não permitiam identificar exatamente a origem. (No fundo, acredito que ninguém, exceto os importadores, estava muito interessado em saber o caminho e o trajeto da mercadoria.)

O galináceo acabou recebendo o nome do lugar de sua suposta origem: o Peru. Há que lembrar que, naqueles tempos recuados, “Peru” era um nome mágico, designando uma imensa e riquíssima região situada nalgum impreciso lugar da América do Sul.

É curioso notar que a imagem de um lugar fabuloso e abarrotado de ouro e prata persiste numa expressão francesa utilizada até hoje. No francês  coloquial, a exclamação “Ce n’est pas le Pérou!” (= Não é o Peru!) é utilizada quando se quer dizer que algo não é extremamente caro ou valioso.

Pra você ver que o nome daquele riquíssimo país marcou a memória coletiva. Pra nós, é nome de ave. Mas, pelo preço que andam cobrando, faz jus à imagem de riqueza que os antigos lhe atribuíam.

Briga de bandido

José Horta Manzano

Não sou especialista em política africana, mas sei que, perto do que acontece em alguns daqueles países, nossos trambiques nacionais ficam parecendo troca de figurinhas entre garotos batendo bafo. Será que alguém ainda bate bafo? Será que ainda existem cromos e figurinhas? Será que alguém ainda coleciona estampas e preenche álbuns?

Estive lendo n’O Observador, jornal português, um artigo abracadabrante sobre os caminhos da corrupção nas altas esferas da política angolana. Angola é uma das antigas colônias de Lisboa na África, daí o interesse lusitano pelo que lá ocorre.

Pra dizer a verdade, não entendi (nem procurei entender) o enredo de cabo a rabo. Trata-se de um monstruoso escândalo de corrupção, com dezenas de pessoas envolvidas entre portugueses, espanhóis e angolanos. Os montantes que passaram de mão em mão não fazem feio diante do que vimos na Lava a Jato. (Alguém se lembra da operação enterrada por Bolsonaro?)

Dezenas de milhões pra cá, outras dezenas pra lá, umas migalhas de 200 mil dólares pra um certo Manuel, 150 mil para um tal de Mangueira, 100 mil para o Gomes. Ministros, ministros sem pasta mas exercendo ‘de facto’, assessores que “mandavam mais que ministro”, ex-ministros aparecendo na folha de pagamentos de empresa fornecedora de serviços ao Estado angolano.

As investigações, que já se arrastam por mais de 7 anos, ainda não chegaram ao fim. Os crimes incluídos no balaio são de corrupção, fraude,  falsificação de documentos, organização criminosa (=formação de quadrilha) e branqueamento de capitais (=lavagem de dinheiro). Como se vê, em matéria de trambique, não temos mais nada a ensinar a eles. Já sabem tudo.

Recentemente, Bolsonaro enviou o vice-presidente a Luanda para tentar aliviar a barra da Igreja Universal de Edir Macedo, que anda com a imagem manchada por lá. Aliás, foi reprovado ao capitão ter mandado um político oficial, em viagem oficial paga pelos cofres públicos, pra resolver o problema particular de uma seita amiga. Até agora, não houve consequências. É possível que tudo fique por isso mesmo.

A tal Igreja amiga de Bolsonaro anda bem enrolada em Angola. Seus dirigentes são acusados de traquinagens como roubo, extorsão de fundos, adultério, atentado contra menores de idade, sonegação. Não é coisa pouca. Uma centena de membros graduados da igreja (pastores), todos brasileiros, já foram expulsos do país.

Choque de ministros
É permitido crer que ministros corruptos do governo angolano possam ter entrado em choque frontal com ministros corruptos da seita brasileira.  Talvez o problema seja a invasão de território. Fiquei imaginando que a implantação da seita de Macedo em Angola deve ter sido como se uma tropa do Comando Vermelho (CV, do Rio de Janeiro) elegesse residência em território do Primeiro Comando da Capital (PCC, de São Paulo). Não ia ficar por isso mesmo.

Tutti buona gente

José Horta Manzano

Dá muito gosto ver que, no exterior, nossos figurões continuam na ribalta, no centro das atenções. Vejam esta que nos vem da China.

China Global Television Network (CGTN) é um dos braços do poderosíssimo conglomerado estatal chinês de informação. Sua versão online em língua inglesa traz uma notícia de Angola.

Revela que a Igreja Universal do Reino de Deus, propriedade do bilionário ‘bispo’ Macedo, está enfrentando sérios problemas com a justiça. Em Angola, um dos 130 países onde está implantada, a empresa está sendo processada pela prática de numerosos crimes, como: associação criminosa, fraude fiscal, exportação ilícita de capitais, abuso de confiança & conexos. Vejam só.

Sexta-feira passada, o procurador-geral do país decretou o confisco de sete templos da empresa, situados em território angolano.

En passant
Doutor Macedo não é aquele amigão de doutor Bolsonaro? Não é aquele que (re)batizou o presidente e teve a honra de aparecer a seu lado no desfile do 7 de setembro? Pois então, diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Estão ambos sintonizados na mesma frequência. Baixa frequência, naturalmente.

Produto de exportação

Eliane Cantanhêde (*)

E foi nessa simbiose entre Lula e as empreiteiras que o Brasil virou um exportador de corrupção para América Latina, Caribe, África e Europa. Começou na Venezuela de Hugo Chávez e se expandiu para Peru, Colômbia, Equador, Angola… com régios financiamentos do nosso BNDES e uma cereja do bolo: os marqueteiros de Lula incluídos no pacote.

(*) Eliane Cantanhêde é jornalista.

Frase do dia — 308

«Obstrução de Justiça ao tentar evitar delações premiadas contra amigos e contra si, ocultação de patrimônio no caso do sítio e do triplex, suspeita de palestras fictícias para empreiteiras, envolvimento do filho na Zelotes… tudo isso, que já não é pouco, é apenas parte da história. Os investigadores estão comendo o mingau pelas bordas, até chegar ao centro, fervendo.

No centro, podem estar as perigosas relações do Lula com o exterior, particularmente com Portugal, Angola, Cuba e países vizinhos. E o calor vem da suspeita – com a qual a força-tarefa da Lava a Jato trabalha – de que Lula seja o cérebro, o chefe da “organização criminosa”.

No mensalão, ele passou ao largo e José Dirceu aguentou o tranco. No petrolão, pode não ter a mesma sorte – nem escudo.»

Eliane Cantanhêde, em sua coluna do Estadão, 31 jul° 2016.

Cada cabeça, uma sentença ― 4

José Horta Manzano

Como numerosos países, a Irlanda oferece, a seus nacionais que tencionem viajar ao estrangeiro, informações práticas sobre usos e costumes de diversos destinos. O site do ministério irlandês de assuntos exteriores exibe longa lista com duas centenas de países e regiões. A extensa relação inclui até lugares pouco frequentados como as Ilhas Salomão, o Turcomenistão, a Coreia do Norte.

Por curiosidade, andei consultando algumas fichas. Fiquei agradavelmente surpreso: são extensas, bastante acuradas e atualizadas. Para o Brasil, por exemplo, entre as dezenas de perigos óbvios, chegam a alertar para o risco do golpe conhecido como Boa-noite, Cinderela. Para a eventualidade de o turista ser assaltado, dão as mesmas recomendações que a polícia: não resista; mais vale entregar o ouro aos bandidos do que perder a vida.

Em verde, os países mais seguros

Em verde, os países mais seguros

Naturalmente, as dicas estão na rede, accessíveis a todos. A equipe do departamento de informações da Televisão Suíça andou folheando as advertências. Levaram um susto daqueles de cair da cadeira. Contrariando o que parecia óbvio, a Suíça não aparece entre os mais seguros. A equipe ficou despeitada.

A triste constatação foi parar na manchete do site de informações da rádio-televisão pública. Para mostrar o choque e para acentuar o desagrado, o título da matéria foi: «Segundo a Irlanda, a Suíça é mais perigosa que o Brasil».

Cada um enxerga o mundo com os próprios óculos. Ficou patente que as autoridades irlandesas mostram maior preocupação com o risco de atentados e de tumultos sociais do que com a criminalidade nossa de todos os dias.

Pais perigoso 1Em função do risco, os países estão classificados em cinco categorias. Na primeira, entram os menos perigosos, aqueles que requerem nada mais que cuidados básicos. Entre outros, estão lá os EUA, a Suécia, a Nova Zelândia, a Alemanha e… o Brasil.

Pais perigoso 2Na segunda categoria, estão as regiões que requerem cuidado redobrado. Estão lá a China, a Rússia, Angola, a Turquia e… a Suíça(!).

Pais perigoso 3No terceiro degrau, situam-se os destinos que exigem extrema atenção. Nesse nível, estão a Venezuela, a Argélia, a Nigéria e… a França(!).

Pais perigoso 4O quarto nível compreende os países que só devem ser visitados em caso de necessidade absoluta. O Sudão, o Paquistão, o Congo estão entre eles.

Finalmente, na quinta categoria, estão os países que não devem ser visitados em hipótese alguma. Como é compreensível, lá estão a Líbia, a Síria, o Iraque, o Afeganistão.

Ânimo, minha gente. No olhar simpático e indulgente dos irlandeses, o Primeiro Mundo é aqui!

Trabalho escravo

José Horta Manzano

Interligne vertical 13Interligne vertical 13«Em Angola, segundo as reclamações trabalhistas, vários operários adoeceram, alguns com suspeita de febre tifoide, em razão das péssimas instalações sanitárias nas obras e das condições de higiene precárias na cozinha do canteiro. Como os banheiros eram distantes do local de trabalho e permaneciam cheios e entupidos, operários eram obrigados a evacuar no mato. A água não era potável, e a comida, muitas vezes, estragada. Na cozinha, era comum a presença de ratos e baratas.»

Esta aí um trecho do relato feito pelo jornal O Globo sobre trabalho escravo em Angola. “Coisa de país africano atrasado” – pode ser a primeira reação de quem lê. Pois não é bem assim, distinto leitor.

O fato é que, por detrás dessa barbaridade, está o dedinho… adivinhe de quem? De nosso conhecido Grupo Odebrecht, sim, senhor.

Por meio de uma nebulosa de empresas, a empreiteira baiana associou-se a uma empresa angolana cujos proprietários são dois generais e o próprio vice-presidente daquele país. É acerto de bom tamanho. Deram as mãos para construir uma usina açucareira.

Escravidao 1Os operários – 400 homens de origem humilde, aliciados em vários estados brasileiros – foram despachados para a África para trabalhar em condições análogas às da escravidão. Passaporte confiscado e vigias armados reforçam a suspeita de que o ambiente estava mais pra campo de concentração do que pra parque de diversão.

Denúncia ao MPT (Ministério Público do Trabalho) rendeu frutos: julgado, o conglomerado Odebrecht foi condenado a pagar indenização de 50 milhões de reais. Ainda não definitiva, a sentença admite recurso.Lula caricatura 2

Não é impossível que o negócio tenha sido intermediado por conhecido figurão que atua como lobista da empreiteira baiana. Sabe-se que o homem em questão andou intermediando operações do grupo em terras africanas. Em Angola, especificamente.

Na sentença proferida, um detalhe me surpreende. O montante exigido da empresa condenada é chamado de indenização. Todo dicionário confirma que indenizar é ressarcir, compensar alguém por um mal que lhe tenha sido causado. O Ministério Público do Trabalho reserva-se o direito de reverter os milhões para projetos e iniciativas, assim como para dar publicidade à decisão de justiça.

Corrente 1Se assim for, indenização não será. O nome adequado para esse tipo de condenação é multa. No meu modesto entender, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Nada impedia que o conglomerado, além de ser multado, também tivesse sido condenado indenizar a parte prejudicada.

Com a decisão, os 400 infelizes que sofreram na pele a cupidez, a ganância e a avareza dos megaempresários (e de seus lobistas) ficarão a ver navios. Certas decisões de justiça são, no mínimo, curiosas.

Quem paga o pato

José Horta Manzano

FHC 1Não acho que seja função de quem já esteve no topo da carreira ficar dando palpite sobre o dia a dia da República. Para a biografia de suas excelências, mais valeria recolher-se a um silêncio distante e majestático. A aura dos figurões sairia reforçada.

Mas as coisas no Brasil não funcionam assim. É comum aparecer, na mídia, entrevista concedida pelos mais improváveis personagens: encarcerados, juízes, desembargadores, antigos ministros do STF, antigos presidentes da República. Ah, essa vaidade…

Ademais, a situação peculiar que nosso País atravessa permite certos excessos. Vamos ao mais recente deles.

Tesoura 1Toda a imprensa noticiou a declaração do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso, pronunciada em 23 de maio no Centro Universitário de Brasiília. Disse o palestrante que, ao cortar 70 bilhões de seus gastos este ano, o governo “está pagando seus pecados”. O «governo» está pagando? Quéquéisso, cara-pálida?

Arca 1Integrantes do «governo» estão com as burras cheias – abarrotadas – de dinheiro, ouro e pedras preciosas. Houve os bilhões roubados da Petrobrás. Houve os réus confessos de haver pago propina a políticos de alto e baixo quilate.

Há ainda quem suspeite que boa parte dos bilhões entregues aos bondosos irmãos Castro, no âmbito do Mais Médicos, estar sendo devolvida sob forma de depósito em contas particulares, domiciliadas em paraísos fiscais. Há desconfiança de assombrosos desvios ligados a obras bilionárias financiadas pelo BNDES em Angola, na Venezuela, no Equador e em outros países amigos.

Quem está pagando somos nós, povão, tanto os ingênuos que botaram essa gente lá quanto os que não se dobraram ao marketing oficial.

Ninguém pode perder o que não tiver. Portanto, os integrantes do «governo» não podem perder a dignidade, por nunca a terem tido. A eles, venais e egocentrados, a fortuna pecuniária basta. São gente atrasada e daninha, que jamais deveria ter sido alçada aos píncaros da República.

Crédito: Junecember

Crédito: Junecember

Quem está pagando, prezado ex-presidente, é o povo. A conta veio justamente para aqueles que dão duro todos os dias na esperança de um futuro melhor. Dói no bolso e no coração ver que nosso destino está sendo forjado por cafajestes.

Data venia, excelência, entendo a intenção de suas palavras e com ela concordo. Mas, convenhamos, a formulação foi pra lá de infeliz.

Angola, pobre mas vigilante

José Horta Manzano

Angola? O que é que você sabe de Angola? Muito pouco, não é? O que todos aprendemos na escola é que o país se formou ao longo dos quase cinco séculos que durou a colonização portuguesa.

Fique também sabendo que o comandante luso Diogo Cão aportou por aquelas bandas alguns anos antes do desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro.

Claro está que o país não existia ainda como entidade política naqueles tempos recuados. Como do lado de cá do Atlântico, os novos chegados criaram entrepostos em diversos pontos do litoral, estabelecimentos esses que não necessariamente mantinham contacto entre si. Não havia telefones nem GPS naquele tempo.

Com o passar dos anos, as terras africanas ― assim como as americanas ― atraíram aventureiros de outras origens. Ingleses, franceses, holandeses, espanhóis, muitos se interessaram pela exploração das riquezas.

A costa africana que, conforme a Bula Intercaetera e o Tratado de Tordesilhas, deveria ser reservada à exploração portuguesa foi-se esfacelando. Os proprietários que o decreto papal havia designado como «legítimos» não eram numerica nem militarmente suficientes para garantir a posse do longuíssimo litoral do continente.

Os portugueses se saíram bem na defesa de seus estabelecimentos americanos. Já na costa ocidental da África, conseguiram segurar somente o arquipélago de Cabo Verde e mais alguns minúsculos territórios esparsos. Preferiram concentrar suas forças para assegurar a posse da então chamada África Ocidental Portuguesa, embrião da atual Angola.

A Revolução dos Cravos, que sacudiu Portugal em 1974, provocou súbita e desastrada descolonização. Tudo o que restava do império ultramarino foi abandonado. Angola mergulhou num longo período de caos e de lutas cujas cicatrizes ainda estão hoje sendo tratadas.

Angola

Angola

Apesar da pobreza em que vive grande parte da população, os dirigentes do país vêm mostrando, estes últimos anos, uma clarividência que gostaríamos de enxergar nos mandachuvas de nosso ultraorganizado Brasil.

Faz já uns 20 ou 30 anos que seitas neopentecostais ditas «evangélicas» proliferam em terra tupiniquim. Em nome da liberdade de culto, inscrita na Constituição de nossa República Federativa, o governo central tem dedicado pouca atenção à espantosa e desordenada multiplicação desses agrupamentos.

É importante que liberdade de consciência seja garantida a cada cidadão. Sem isso, estaríamos escorregando para uma ditadura. No entanto, há princípios que primam sobre outros. A obrigação maior de um Estado civilizado é proteger os mais frágeis entre seus cidadãos. As variadas bolsas têm, mal e mal, dado conta das necessidades materiais básicas do brasileiro.

No entanto, a proteção há de ser mais ampla. Não basta aplacar a fome dos que não têm como prover a seu próprio sustento. Há quantidade de brasileiros que, embora consigam garantir seu prato de comida sem ter de esperar pela esmola de quem quer que seja, não dispõem de estrutura intelectual suficientemente sólida para resistir a charlatanismos vários.

Ao mesmo governo que mitiga a fome cabe também defender a população contra flagrantes abusos que vêm sendo cometidos. O País está cheio de espertinhos que se valem da ingenuidade de pessoas simples. Muitos andam enchendo os bolsos à custa da credulidade alheia. Além de ser coisa muito feia, abusar da fragilidade de outrem é crime. Mas vem passando impune no Brasil de todos.

Pela pluma de Patrícia Campos Mello, a Folha de São Paulo nos informa que os governantes de Angola ― o pobre e sofrido país africano ― têm tomado iniciativas para proteger sua população mais frágil contra o que consideram «propaganda enganosa».

Recomendo a leitura da reportagem. É edificante. Enquanto a ex-colônia portuguesa, machucada e cansada de guerra, se preocupa com a proteção de seus cidadãos mais fracos, a Câmara Federal brasileira escolheu um pastor neopentecostal racista e homófobo para comandar sua Comissão de Direitos Humanos. De direitos humanos!

E pensar que os «emergentes» somos nós…

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