Perdão da dívida

José Horta Manzano

Em mais uma atitude de hipocrisia explícita,
nosso presidente comeu e cuspiu.

O país inteiro está a par: movimentos neopentecostais têm uma monstruosa dívida para com a Receita. É quase nada: um bilhão de reais. É quantia que, de tão grande, nenhum cidadão normal pode imaginar. Quanto dá um bilhão de reais? Quantas malas? Quantas cuecas? Um baú cheio? Umas vinte gavetas transbordando? Um quarto cheio talvez? Está fora de nossa realidade quotidiana.

Essas prósperas entidades se recusam a pagar os tributos que lhe são cobrados. Cobram o dízimo de seus membros, mas refugam na hora de dar o próprio dízimo para o cofre comum da sociedade brasileira.  O acúmulo desse não-pagamento deu nisso: um bi. Mas esse dinheiro é nosso, minha gente, pertence a todos os contribuintes. Não é justo nem normal que uma penca de indivíduos ávidos se apoderem do que é de todos.

Não sei quanto precisa pra montar um posto de saúde, mas essa bolada certamente permitiria construir milhares deles. Daria pra dar aumento aos professores. Daria pra comprar material e vacinar a população do país. Daria pra sanear centenas de riachos poluídos. Daria até – cúmulo do luxo – pra guardar no fundo do cofre do erário para uso futuro.

Só que, esquecidos de que estão lá para servir à população, suas excelências tiveram o desplante de aprovar uma lei de anistia fiscal que cobre todas as dívidas desse pessoal. Por lei, estão quites. Esse pastel de vento foi levado ao presidente para sanção.

Receoso de agravar o risco de ser destituído, Doutor Bolsonaro vetou a lei. No entanto, antes de que os brasileiros bem-intencionados se levantasse para aplaudir a atitude sensata do presidente, ele recomendou ao Congresso que derrube o próprio veto. É a hipocrisia elevada à categoria de membro permanente do arsenal presidencial.

Não sou especialista em Direito Constitucional. Assim mesmo, gosto de dar uma espiada no ‘livrinho’, como dizia o presidente Dutra, quando tenho alguma dúvida. No Artigo 19, encontrei um texto enxuto e cristalino que vai assim:

Art. 19
É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança […].

Viram? É expressamente vedado ao Poder Público subvencionar igrejas. Agora diga-me: se o perdão de dívidas fiscais não é subvenção disfarçada, é o quê?

Em conclusão, a constitucionalidade da lei votada pelo Parlamento pode ser contestada com base nesse artigo. Quanto ao presidente, não se deve esquecer que ele jurou cumprir a Constituição; assim, sua fala hipócrita pode ser considerada incitação ao desrespeito constitucional – portanto, repreensível.

Calote diplomático

José Horta Manzano

Dinheiro não é extensível. Puxa daqui, espicha dali, subtrai dacolá, um dia não sobra mais nem pro gasto.

Quem pode mais chora menos. Nossos medalhões – e o ‘petrolão’ está aí para não me deixar mentir – se servem primeiro. Do que sobra, jogam as devidas migalhas àqueles que garantem, com seu voto, a continuidade do sistema. Por fim, o País que se contente com o que restar.

As necessidades são muitas e a verba, curta. Os que gritarem mais alto serão os primeiros a receber atenção. O dinheiro costuma ir para obras que apareçam, que façam efeito imediato e rendam votos. Tudo o que for menos visível – infraestrutura, educação, diplomacia – vai sendo empurrado com a barriga.

Unesco – Escritório de Brasília      Foto: Andréia Bohner

Unesco – Escritório de Brasília                       Foto: Andréia Bohner

Unesco é acrônimo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. O Brasil é membro fundador. Educação? Ciência? Cultura? Quá… Esses conceitos estão a anos-luz das prioridades nacionais. Se, algum dia, fizeram parte de nossas preocupações, hoje os tempos são outros. Cultura? Francamente, não. Não combina com nosso governo popular.

Mais corajoso seria se nossas autoridades tirassem o Brasil da Unesco. Pelo menos, estariam assumindo que o Estado brasileiro não está nem um pouco interessado em assuntos de educação, ciência ou cultura. Causaria espanto, mas seria atitude honesta, clara e cristalina. Passaríamos por atrasados, mas não por caloteiros.

Nossos dirigentes preferiram outra estrada. O Brasil continua entre os 195 membros do clube, mas não paga as mensalidades. O calote, segundo investigação do Estadão, ultrapassa 35 milhões de reais e nos classifica como segundo maior devedor da organização.

Os EUA são o maior devedor, mas lá o problema é outro. Em litígio com a Unesco, Washington suspendeu o pagamento. É um protesto, uma queda de braço. Nossa situação é diferente. O não pagamento brasileiro não decorre de nenhum conflito: é calote no duro.

Não chegarei a fazer um apelo ao partido que domina nossa política para pedir-lhe que organize uma vaquinha para nos livrar da vergonha internacional. Eles hão de estar gastando muito com advogados estes últimos tempos.

Embaixada do Brasil em Bridgetown, Barbados

Embaixada do Brasil em Bridgetown, Barbados

Mas não custa fazer uma sugestão ao Itamaraty. Que tal fechar algumas embaixadas inúteis, verdadeiros sorvedouros de dinheiro público? Como já mencionei em meu artigo É do Caribe, de 17 out° 2014, o Brasil mantém embaixadas de interesse duvidoso em países exóticos tais como Santa Lúcia, Antigua e Barbuda, Granada, São Cristóvão e Nevis, Barbados, Coreia do Norte.

Sugiro que se fechem essas instalações caras e inúteis e que se quite a dívida para com a Unesco. O almejado ‘prestígio’ propiciado por meia dúzia de embaixadas desnecessárias não cobre a vergonha de ser caloteiro internacional.

Rapidinha 28

José Horta Manzano

EuromercosulDar a mão a quem precisa
Jornais do mundo inteiro noticiaram que o Brasil apoia a Argentina, enredada no segundo calote em menos de 15 anos.

Vale a pergunta:
«Apoiar», neste caso, quer dizer o quê? O Brasil vai pagar a dívida do país hermano? Ou a retumbante declaração é apenas retórica?

Interligne 28aReforma política
O jornal indiano Business Standard e a agência de notícias chinesa Xinhua ― assim como toda a mídia do planeta ― repercutiram as palavras de dona Dilma, segundo a qual o Brasil precisa de reforma política e de modernização.

Vale a pergunta:
O que é que a presidente está esperando para propor as reformas que preconiza? Ela e seu partido estão no poder há doze anos e dispõem de um Congresso servil. É de crer que dormiram até agora e que acabam de acordar.

Interligne 28aEuromercosulMercosul
O site americano Bloomberg, especializado em finança, acompanha a evolução da paridade entre as 16 principais moedas. Constatou que, entre elas, a brasileira foi a que mais sofreu com o calote argentino. Perdeu 0,8% em um dia, acumulando 2,2% de declínio mensal, o mais acentuado desde novembro do ano passado.

Vale a pergunta:
Faz sentido continuar participando de uma sociedade que nos mais emperra do que favorece nosso comércio exterior? O Brasil já tem, por si só, problemas suficientes. Não precisamos adotar problema alheio.

Interligne 28aSalve-se quem puder
O jornal argelino Liberté constata que a iniciativa do Equador de chamar de volta, para consultas, seu embaixador em Israel fez escola. O Brasil, o Chile e o Peru seguiram o exemplo. Por mais que queira, a Bolívia não pode acompanhar o movimento por estar já de relações cortadas com Israel.

Vale a pergunta:
Alguém reparou que, tirando o Brasil, nenhum dos protestatários faz parte do Mercosul? Para que serve uma associação regional que entrava o comércio e baralha a diplomacia?