José Horta Manzano
Ultimamente, os diagnósticos emitidos por gente que entende de política são convergentes quando apontam a causa da paralisia do governo Bolsonaro. Tirando as traquinagens dos bolsonarinhos, que atrapalham mas não paralisam, o motivo maior é o descontentamento de parlamentares. Suas Excelências não estariam sendo contemplados com os cargos que esperavam receber do governo.
Peço vênia para discordar. Suas Excelências não querem cargos. Vamos refletir um pouco.
A palavra cargo pentence a extensa família espalhada por todas as línguas latinas. Em italiano: carica, caricare, incarico, caricatura. Em francês: charge, charger, chargement, décharger. Em espanhol: carga, cargar, encargue, encargamiento. E em nossa língua: carga, carregar, encargo, encarregar, recarregar, descarregar, carregamento. Está também atestada a presença do termo medieval carcare.
Como pode o distinto leitor perceber, todas essas palavras, de perto ou de longe, têm a ver com peso, que lembra esforço, que lembra cansaço, que lembra deus me livre. Cargo é sinônimo de encargo, que é sinônimo de trabalho. Ora a distância que costuma separar nossos parlamentares da noção de esforço se mede em anos-luz. Quer um exemplo? No começo de maio, um dia feriado caiu numa quarta-feira. Foi a conta: a semana inteira foi praticamente enforcada no Congresso. Ninguém ficou em Brasília. Na caradura.
Agora diga-me com toda sinceridade: vosmicê acredita que Suas Excelências estejam buscando cargos? Nem aqui, nem na Lua! Os nobres parlamentares se contentam com as benesses que eventuais cargos lhes possam propiciar. Na verdade, dispensam os cargos. Bastam as benesses. Os governos petistas, especialistas no assunto, tinham entendido isso. Em vez de perder tempo com fachada, distribuíam diretamente as propinas.
Com o passar do tempo, talvez doutor Bolsonaro venha a ser obrigado a dobrar-se à realidade da mecânica parlamentar. Ou quem sabe encontrará a solução miraculosa na qual ninguém havia ainda pensado. Será?