A nota de 200

José Horta Manzano

O lançamento da nova cédula de 200 reais, ocorrido estes dias, chega atrasado. Essa nota tinha de ter sido introduzida 20 anos atrás, logo na implantação do Plano Real. Naquela época, o normal era pagar em cheque ou em dinheiro. Hoje, que isso tudo acabou, não faz mais sentido emitir cédula nova.

O crescimento vertiginoso de utilizadores de internet e de telefone celular tem levado o mundo a uma economia cada dia menos monetizada. Transações tendem a ser feitas por meios eletrônicos. Nos países mais avançados, agências bancárias desaparecem uma atrás da outra, fenômeno que, se já não for o caso, vai acabar se alastrando pelo Brasil também. Na medida que pagamentos em espécies diminuem, agências bancárias perdem boa parte de sua serventia.

Na União Europeia, a fabricação da nota de 500 euros – aquela que muito pouca gente chegou a ter nas mãos – foi descontinuada em 2019. As cédulas continuam válidas, mas as que entram no circuito bancário são recolhidas para incineração. As que estão em circulação continuam válidas, e assim será por muito tempo. Não seria justo aniquilar pecúlios guardados em fundos de gaveta na Cochinchina ou na Mongólia.

Certos países, como Alemanha, Suíça e Áustria, são extremamente apegados à maneira antiga de pagar.(*) Nessas terras, muitos dão de ombros para cartão de crédito e transferência eletrônica. Preferem carregar as notas na carteira seja para pagar um café, seja para ir ao Correio fazer os pagamentos do mês. Assim mesmo, com o passar dos anos, o número de renitentes vai diminuindo. E assim vai seguir, até desaparecer o último.

No Brasil, a nota de 200 reais vai seguir o caminho de sua comadre europeia de 500 euros. Não tem utilidade para quem tem bom poder aquisitivo porque os que poderiam levar na carteira notas desse valor já estão há anos habituados a pagar com cartão ou por transferência eletrônica. Não tem utilidade para quem tem baixo poder aquisitivo porque os mais modestos perigam nunca ver passar uma delas entre seus dedos.

Essa nota de 200, então, é útil pra quem? Ora, pra bandido. Serve pra escoar fruto de corrupção & outras obscuras transações. Para quem carrega dinheiro em cueca, mochila ou mala, vai ser uma mão na roda. A nova cédula vai facilitar a vida de muita gente fina.

(*) Na Suíça, temos ainda, em circulação normal, a nota de 1000 francos (quase 6000 reais). É provavelmente a cédula de maior valor no mundo todo.

Não é nota que se tenha no bolso no dia a dia. Assim mesmo, se você der como pagamento no supermercado, o caixa não vai olhar feio nem chamar a polícia.

Imposto & voto

José Horta Manzano

Seguindo tendência mundial, a Receita francesa também aderiu aos meios eletrônicos de comunicação. Foi noticiado hoje que, a partir de 2019, todos os contribuintes deverão declarar seus rendimentos por internet. Os formulários de papel passarão em breve à condição de relíquia. Farão companhia à tinta nanquim e ao mata-borrão.

Só a palmatória não será aposentada. Quem fizer questão de continuar a preencher a declaração de imposto pelo método tradicional poderá fazê-lo, mas terá de pagar multa. Não é enorme, mas vale como reprimenda: 15 euros (60 reais).

by Michel "Chimulus" Faizant (1946-), desenhista francês

by Michel “Chimulus” Faizant (1946-),
desenhista francês

Inteligentemente, as autoridades francesas aceitam que a internet seja utilizada para declaração de ganhos, mas continuam recusando o voto «eletrônico», que é considerado, no Brasil, expressão máxima da modernidade. Fazem bem. Uma declaração de renda sempre pode ser corrigida. Já um voto, não. Errou, dançou.

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Observação linguística
Embora consagrada, a expressão «Imposto de Renda» não me agrada. Lembro-me que, sessenta anos atrás, minha avó já reclamava quando tinha de declarar sua «renda». Dizia: ‒ Mas, se eu vivo de ordenado, como é que vou declarar renda?

Tinha razão a velhinha. Renda, na época, era o nome que se dava ao rendimento de propriedades ou investimentos. Aluguel recebido era renda. Juros de uma aplicação financeira eram renda. Salário, não.

Imposto 3Continuo achando que a Declaração de Imposto de Renda deveria se chamar Declaração de Ganhos. Ganho engloba salários, vencimentos, honorários, lucros, rendas, tudo o que o contribuinte recebe.

Mas quem faz a língua são os usuários. Expressão consagrada, consagrada está. Vamos de imposto de renda mesmo.

O veto do voto

José Horta Manzano

Voto 1Fala-se muito, estes dias, em acoplar ao voto eletrônico uma espécie de recibo impresso, um comprovante. Aprova-se a lei, não se aprova. Veta-se a lei, não se veta. Derruba-se o veto, não se derruba. Depois de caminho longo, parece que a lei não sai e o recibo não vem.

Ainda que viesse a ser implantado, o comprovante impresso já viria com pecado original. Se ele mencionar o nome do candidato escolhido pelo eleitor, o segredo do voto estará irremediavelmente comprometido. Se não mencionar, não terá utilidade nenhuma em eventual controle da veracidade da apuração. Em resumo, não resolve o problema.

Urna 5Até os anos 70-80, a indústria brasileira contava com um escudo de proteção contra toda concorrência estrangeira. Naqueles tempos, era muito difícil conseguir licença para importar o que fosse. Quem quisesse trazer um produto de fora tinha de provar a absoluta inexistência de «similar» nacional. A significação de «similar» nunca foi bem definida. Ficava, o mais das vezes, a cargo do funcionário da Cacex, órgão do Banco do Brasil que cuidava do assunto.

Se a política de restrição de importação teve consequências positivas, teve também sua face sombria. Do lado positivo, a dificuldade em obter componentes e produtos estrangeiros desenvolveu capacidade industrial nacional que, sem isso, teria ficado adormecida. Do lado negativo, alguns ramos da indústria, na certeza de que nenhum concorrente estrangeiro viria perturbar-lhes o sossego, afrouxaram, deixaram de investir e pararam no tempo.

Urna 2A indústria eletrônica fazia parte destes últimos. Enquanto a fabricação de componentes fervilhava lá fora preparando a revolução informática que os PCs trariam, os fabricantes nacionais cochilavam tranquilos.

Com os anos 90, veio a liberação das importações e, consequentemente, o sucateamento do que se vinha fazendo no Brasil nesse campo. Pouco habituado à automação, o brasileiro recebeu as primeiras máquinas de votar com o fervor dos principiantes. Em poucas horas, chegava-se ao resultado final da apuração, quando o costume era esperar dias e dias! Foi argumento avassalador. Em poucos anos, as maquinetas se espalharam pelo país, numa prova evidente de modernidade.

urna 4O brasileiro de hoje está habituado ao manejo de engenhocas eletrônicas e sabe que o uso delas pode ser facilmente desvirtuado. Depois de descobrir tanta falcatrua nas altas esferas, é natural que fique com um pé atrás. Por que, raios, o Brasil é o único país a adotar esse sistema? Acaso somos mais ricos, mais espertos ou mais avançados que Alemanha, Japão, EUA, Suécia, França e os demais?

Na Suíça, país que conheço bem, vota-se geralmente por correspondência, semanas antes da data final. Quem não quiser gastar dinheiro com selo, pode depositar o envelope com o voto na caixa de cartas que fica na entrada da prefeitura de cada município. Os mais tradicionalistas vão pessoalmente até o local de votação no dia final, que é sempre um domingo. Podem depositar a cédula na urna até o meio-dia. Voto eletrônico? Jamais se ouviu falar disso por aqui.

O voto escrito no papel permite contagem, recontagem, verificação. Os próprios mesários do local de votação são encarregados da apuração. Fiscais de todos os partidos são bem-vindos para acompanhar. Tudo é feito às claras, sem risco de vírus, desvio, extravio ou transvio.

by Jacques Sardat (aka Cled'12), desenhista francês

by Jacques Sardat (aka Cled’12), desenhista francês

É difícil entender a razão pela qual o Brasil persiste em negar a realidade. Comprovadamente, voto em papel é mais seguro. Quem atravanca a reintrodução do voto em papel? Será o lobby dos fabricantes de maquinetas? Ou serão – Deus nos livre! – interesses inconfessáveis? Se algum distinto leitor souber, que se manifeste.

O mais puro bom senso

Fernão Lara Mesquita (*)

Interligne vertical 11bDepois da violação dos emails pessoais do presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, por hackers russos;

depois da invasão e roubo de dados – a partir da Coreia do Norte – da database da Sony Pictures;

depois da invasão sucessiva dos sistemas de computadores do Pentágono, do Departamento de Estado e da Casa Branca, apesar de 6.200 especialistas do Silicon Valley estarem trabalhando para a National Security Agency (NSA), o Department of Homeland Security, a CIA, o FBI e o Pentágono exclusivamente para evitar tais violações;

a máquina de votar brasileira desponta no panorama universal como o único sistema informatizado cuja segurança jamais foi violada.

Urna 2Os eleitores brasileiros podem, portanto, dormir tranquilos. Podem seguir dispensando qualquer prova física do que realmente depositaram na urna para entregar os destinos do país, da segurança da pátria e das riquezas nacionais aos bem-intencionados grupos politicos que concorrem a cada quatro anos. Podem seguir confiando exclusivamente na supervisão desse processo por uma empresa de softwares venezuelana.

Faz todo sentido. É do mais puro bom senso

(*) Fernão Lara Mesquita é jornalista e editor do blogue Vespeiro.

Voto eletrônico

José Horta Manzano

Não é a primeira vez que escrevo sobre este assunto. Nem há de ser a última. Mecânica e eletricidade são noções antigas, princípios que a gente já teve tempo de assimilar. Quando nascemos, já fazia tempo que existiam.

ComputadorJá no que se refere à eletrônica… nós, os mais antigos, ficamos com um pé atrás. Eletrônica é novidade. Claro está que ela tem seu lado bom – também não precisa ser chucro nem turrão. No entanto, ela guarda um lado meio arisco, sombrio, misterioso, insondável, impenetrável.

De repente, o computador que funcionava perfeitamente trava. É como burro quando empaca: não há meio de fazê-lo sair do lugar. A única saída é desligar, esperar um pouco, religar e torcer pra que dê certo. E não adianta perguntar ao especialista. Tampouco ele sabe o que aconteceu.

Urna 5O mesmo drama se repete quando o mouse «encanta»; quando o teclado não responde mais; quando vírus escandaloso destrói a memória; quando vírus malicioso nos conduz a destinos que não estavam no programa.

Já disse e repito: desconfio da urna eletrônica. Pode ser modernosa, mas esconde perigos grandes. Se Mister Obama, de seu trono na Casa Branca, consegue ouvir as conversas de dona Dilma, em seu trono no Planalto, não me espantaria que algum enxerido mal-intencionado alterasse – à distância – o resultado de um voto. Nada nos garante que isso não esteja sendo feito.

Antes de entabular hipotética e complicada «reforma política», mais fácil seria começar pelo começo: instituir o voto seguro. A Europa inteira vota com o sistema tradicional: cabine com cortininha, cédula de papel, urna transparente, apuração pública e controlada por representantes de todos os partidos. Por que, diabos, nós temos de fazer diferente?

Urna 8Não sei se o distinto leitor reparou na votação que elegeu o presidente do Senado Federal. É sintomático. Nada de maquininha de votar, de botão, de alavanca, de painel. Cédulas de papel foram depositadas na velha e boa urna de nossos avós. Ad majorem securitatem – para maior garantia.

Se eles, que são do ramo, desprezam o voto eletrônico, por que devemos nós, do andar de baixo, engolir sem reclamar?