Desmatamento

com Informações do jornalista Lauro Jardim, O Globo

O Brasil entrou na edição de 2022 do livro de recordes do Guiness como o país com a maior perda de floresta primária tropical da série histórica do Global Forest Watch, instituto especializado na observação da cobertura vegetal do planeta.

Entre 2002 e 2019, a perda foi de 24,5 milhões de hectares, ou seja, 7,1% da floresta primária(*) total que restava no país em 2001.

(*)Floresta primária é a cobertura originária, aquela que nunca foi tocada por atividades humanas. Apresenta alto grau de diversidade biológica, tanto na fauna quanto na flora.

Floresta secundária é aquela que, tendo sido usada durante algum tempo para agricultura ou pastoreio, foi abandonada, permitindo que o mato voltasse a crescer. É sempre melhor que um deserto, mas jamais voltará a contar com a mesma diversidade de vida animal e vegetal da cobertura originária.

Sem vinho, nada de almoço

José Horta Manzano

A tolerância ‒ que alguns, equivocadamente, confundem com preconceito ‒ é um dos pilares do processo civilizatório. Tolerar a diferença alheia não quer dizer aderir a ela.

Significa esforçar-se por conviver com ela. Exigir que todos ajam e se comportem como nos agrada é dar mostra de intolerância no mais alto grau. É atitude que polui o relacionamento entre as gentes. Guerras deflagradas por motivos de intolerância religiosa já mataram milhões.

Itália: estátuas ocultadas

Itália: estátuas ocultadas

O Irã, país que até o mês passado estava banido do mundo civilizado, passou por uma lavagem a jato ‒ sem trocadilhos. De supetão, os pecados foram perdoados e o país se viu reintegrado no convívio planetário. Uma ressureição instantânea.

No entanto, não convém acreditar em milagres. Nada se transforma de golpe. Assim como o grão de milho, depois de virar pipoca, guarda alma de cereal, os dirigentes da república islâmica não perderam o inconfundível viés autoritário, despótico até.

Hassan Rohani, líder religioso, é o sucessor de Ahmadinedjad na presidência do Irã. Na esteira da anulação das sanções econômicas que pesavam sobre seu país, visitou Itália e França, esta semana, para reatar relações comerciais.

Dando prova de que tolerância é conceito desconhecido na alta cúpula de Teerã, o medalhão exigiu que, nas refeições, o cardápio fosse halal(*) e que bebidas alcoólicas não fossem postas à mesa.

França & Irã: reunião de trabalho

França & Irã: reunião de trabalho

A Itália dobrou-se à imposição dos visitantes. O tradicional copo de vinho foi substituído por água. Mais que isso, esculturas do Capitólio romano mostrando corpos desnudados foram ocultadas.

Já na França, menos disposta a vergar-se, o banquete programado foi simplesmente cancelado. Sem vinho, nada de refeição. O cerimonial francês julgou a exigência inadmissível. A delegação iraniana almoçou separada dos demais.

François Hollande 8A meu ver, a decisão de Paris foi acertada. Note-se, aliás, que as normas ocidentais de etiqueta impõem que homens se apresentem em reuniões e à mesa com a cabeça descoberta. Assim como o turbante do visitante foi tolerado, cabia ao dignitário aceitar que os franceses acompanhassem a refeição com a bebida à qual estão acostumados. Cada um se serviria de vinho ou de água, conforme lhe apetecesse.

É um toma lá dá cá necessário. A tolerância ensina que cada um deve dar um passo em direção ao outro. Embora tenha progredido, a cúpula iraniana mostra que ainda não chegou lá.

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(*) Diz-se refeição halal daquela em que as carnes provêm de animais abatidos segundo as normas da charia, o conjunto de preceitos maometanos.

A era DDD: demônios em dose dupla

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Rudolf SteinerDe todas as parábolas que já me contaram um dia, uma me despertou interesse especial. Segundo a Antroposofia, definida por seu criador Rudof Steiner como ‘ciência espiritual’ que tem ramificações nos campos da medicina, educação e agricultura, a humanidade é acossada continuamente por dois demônios: Árimã e Satã.

Esses dois seres ardilosos agiriam em estreita parceria, ainda que, superficialmente, possam parecer inimigos. Numa espécie de mecanismo de pêndulo, eles se alternam para atrair o homem para suas respectivas áreas de domínio. Satã, por seu lado, prometendo o poder material e os prazeres carnais. Árimã, por outro, prometendo o poder espiritual e os prazeres transcendentais. Dessa forma, quando a pessoa respira aliviada, acreditando que escapou das garras de um deles, já caiu sem o perceber na esfera de influência do outro.

Polarite 6Steiner conceitua o homem como um ser que tem a cabeça no céu e os pés firmemente plantados no inferno. Misto de criatura escrava dos desejos animais e, ao mesmo tempo, eterno aspirante à iluminação e à bem-aventurança. Sem dúvida, uma comovente analogia da dupla natureza humana, capaz de aprofundar a compreensão a respeito de nosso funcionamento psíquico.

Polarite 2Enquanto Satã age para o homem afundar cada vez mais no plano material e extrair seu gozo da conquista de poder, dinheiro e sexo, Árimã o convida a asceticamente virar as costas para os prazeres mundanos, purificar o corpo para encontrar paz interior e poder experimentar, então, as glórias espirituais. Sugado com força igual por esses dois ímãs, o homem teria como missão de vida a tarefa de manter-se equidistante – daí sua postura vertical, ao contrário da dos animais – tentando buscar o equilíbrio possível entre todas essas pulsões.

Polarite 5Essa história voltou com força à minha cabeça quando eu tentava encontrar um ponto de apoio intelectual para entender recentes acontecimentos em nosso país e no mundo. Corrupção, descalabro moral, intolerância social, religiosa e política, desastres ambientais, terrorismo, guerras separatistas, lutas fratricidas, disseminação do egocentrismo, miopia no trato das diferenças, morte do altruísmo – a lista é interminável e permite supor que esta já é, sem dúvida, uma das eras mais prolíficas para a dupla demoníaca em toda a história da humanidade.

Polarite 4Totalitárias de ambos os lados, as facções extremistas que atuam ao lado de Árimã perseguem com interminável voracidade assassina tudo o que representa movimento de expansão, contato, acolhimento, alegria, prazer, confraternização, conciliação ou coexistência pacífica neste plano, já que não toleram o prazer que a proximidade de corpos provoca. Já as que se aliaram a Satã atormentam incansavelmente a mente dos que aspiram secretamente a se regalar num festival orgástico de acumulação de riquezas e tráfico de influência, mesmo que isso seja conseguido às custas do sangue, suor e lágrimas dos demais à sua volta.

Polarite 3Difícil dizer qual das duas pulsões é mais cruel e danosa para o psiquismo humano. Para mim, o que encanta nessa parábola é a revelação da parceria não explicitada entre os dois polos. Ao contrário do que sustentam todas as demais vertentes religiosas, esta afirma com todas as letras que não é só o desejo do gozo material que é diabólico. Também a aspiração de posse de bens espirituais pode ser vista como demoníaca, se o foco do indivíduo está no ego e não no ‘self’ – ou, em outras palavras, se ele busca o céu só para si e não para toda a humanidade.

A mão que mata por negar comida e água é a mesma que aniquila negando liberdade de expressão e de autoafirmação. A cabeça que engendra planos mirabolantes para destruir corpos é a mesma que não se constrange em destruir almas.

Polarite 1Controle, subjugação e domínio absoluto sobre o corpo, os pensamentos, os sentimentos e o espírito do outro são as aspirações-chave não só do terrorista que se explode em via pública, mas também do homem que violenta e mata a mulher amada, do adulto que seduz sexualmente crianças, dos jovens que praticam bullying contra colegas, do cidadão que agride moral ou fisicamente pessoas de outras raças, estratos sociais, crenças ou orientação sexual, do político que desvia verbas públicas destinadas ao atendimento da população carente, do religioso que apedreja e desqualifica os praticantes de outra fé, do homem que envenena os cursos de água, polui o ar e a terra e destrói florestas.

Assim caminha a humanidade nessa nossa era DDD….

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(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.