Pastel e garapa de canudinho

José Horta Manzano

A ilustração que aparece acima foi tirada de um artigo publicado semana passada no jornal O Globo. Fiquei um tanto surpreso com a imagem. Não com o pastel, que tem cara de estar excelente. Nem com o caldo de cana que, na minha terra, se chama garapa. Não. O que me chamou a atenção foi o canudinho de plástico.

É que fazia séculos que eu não dava de cara com um, e, de repente, me aparecem dois! Já faz tempo que esse artigo desapareceu na União Europeia. Foi sumindo aos poucos, primeiro por iniciativa setorial deste ou daquele ramo, até que o banimento acabou se tornando oficial e generalizado.

Em julho passado, entrou em vigor uma diretiva europeia, votada um ano antes, que proíbe produtos descartáveis feitos de matéria plástica. Especificamente, a regulamentação mira canudinhos, talheres, copinhos e cotonetes. Na prática, já faz algum tempo que esses artigos de plástico vinham sumindo das prateleiras do supermercado, substituídos por equivalentes feitos de outro material – papel ou papelão, o mais das vezes.

A França vai mais longe. Daqui a 20 dias, a partir de 1° de janeiro de 2022, entram em vigor novas regras. Em supermercados, frutas e legumes frescos não poderão mais ser postos à venda envoltos em embalagem de plástico, como tem sido feito até aqui. Terão de ser apresentados a granel, soltos, como na feira livre.

Modo de apresentação em via de extinção

Abobrinhas, pimentões, pepinos, cebolas, peras, maçãs, laranjas, ameixas, maracujás e muitos outros produtos deixarão de ser dispostos em bandejinhas de poliestireno e recobertos de filme transparente. Alguns artigos mais delicados, como morangos, caquis ou framboesas, vão ser objeto de tolerância até 2026. Até lá, alguma solução terá de ser encontrada. O governo francês calcula que, com a nova medida, um bilhão de embalagens inúteis serão evitadas todo ano.

Essas orientações refletem a crescente tomada de consciência de que a natureza não é um conceito vago, que só existe na cabecinha oca de macrobióticos deslumbrados. Cada vez mais, o distinto público se dá conta de que a natureza somos nós e de que não somos meros espectadores, mas fazemos parte do ecossistema planetário. Tudo o que é nocivo a outros seres vivos, sejam eles plantas ou animais, acaba perturbando nossa própria existência.

Mas que ninguém se preocupe. Brasileiro não é menos inteligente que qualquer outro povo. O que falta é informação. Enquanto tivermos um governo federal que acha correto rapar a cobertura vegetal de metade do país e transformar em “Cancún brasileira” os santuários ecológicos de Angra dos Reis, todo protesto racional se perderá na noite surda. Mas nada é eterno. Assim que um próximo governante, seja ele quem for, acordar (ou for acordado) para a realidade da vida no planeta, as coisas vão mudar rapidinho.

Nota
Que os que apreciam tomar garapa de canudinho não se preocupem. Canudinhos de outros materiais já estão no comércio. Comprei outro dia uma caixa com meia dúzia de elegantes canudos feitos de bambu. São reutilizáveis. Para garantir higiene perfeita, vêm até com uma miniescovinha, como aquelas de lavar mamadeira. Num primeiro momento, a gente estranha o material e o peso. Depois, se habitua.

Falam de nós – 22

0-Falam de nósJosé Horta Manzano

Preservativos
O jornal paraguaio Última Hora informa que, no Brasil, o Ministério da Saúde está convidando estudantes de arquitetura, publicidade, desenho gráfico e industrial a espremer as meninges para renovar a embalagem dos preservativos masculinos.

A ideia é dar uma recauchutada no acondicionamento tradicional, um design que já circula há uma década. Os candidatos têm prazo até 11 de setembro para apresentar propostas. Antigamente, a palavra de ordem seria: «Todos à prancheta!». Hoje convém atualizar o bordão, que prancheta é tão antiquada quanto telefone de parede.

Bloqueio de contas
O francês L’Express comunica que a justiça brasileira bloqueou as contas e confiscou todos os bens do Lula. Todos? Será mesmo? Ressalta que, mãezona, a justiça deixou correr uma semana entre o anúncio da condenação e o bloqueio.

O público francês fica sabendo que apenas 165 mil euros foram encontrados nas contas de nosso guia. É lícito supor que a quantia não corresponda ao total arrebanhado indevidamente.

Reforma trabalhista
A edição internacional do diário El País revela que a reforma trabalhista votada estes dias no Brasil está inspirando a vizinha Argentina. O presidente Macri aproveitou a deixa e reforçou críticas à judiciarização das relações trabalhistas que, também entre os hermanos, atinge proporções desmedidas.

Os processos laborais, que somam centenas de milhares a cada ano na Argentina, acabam refreando a oferta de empregos. Em última instância, voltam-se contra os interesses dos próprios trabalhadores ‒ um tiro no pé.

Brrrr
A Televisão Suíça de expressão italiana assim como o jornal austríaco Nachrichten sublinham que o inverno se abateu em cheio sobre o Brasil. Contam que, numa cinquentena de municípios sulinos, temperaturas abaixo de zero foram registradas. Num deles, os termômetros marcaram inabituais 7,5 graus abaixo de zero. Informam também que nevou em diversas localidades.

No imaginário europeu, o Brasil é país de praia, sol, calor e pouca roupa. Notícia de neve e frio é sempre surpreendente. Tivesse acontecido na Finlândia, não sairia no jornal.

Chinelo de dedo
O periódico francês Le Point aproveita para destacar a venda da marca de sandálias Havaianas. Diz que aqueles empresários de nome simplório e sobrenome pio, sócios majoritários da empresa, cederam suas ações a recém-criado consórcio por módica soma beirando um bilhão de euros.

O jornal conta, em poucas linhas, a história do chinelo de dedo que, até vinte anos atrás, era considerado calçado de pobre e hoje é visto como adereço (quase) normal. Os leitores ficam sabendo que há modelos especiais, feitos para os mais abonados. Levam cristais sintéticos incrustados e são vendidos a 60 euros cada par. Tem gosto pra tudo.

A menção aos 200 milhões de pares vendidos, ano sim outro também, apaga o susto com as geadas dos últimos dias e repõe as coisas nos devidos lugares. O Brasil continua sendo país de praia, sol, calor, pouca roupa e… sandálias de plástico coloridas.

Lições de marketing

Myrthes Suplicy Vieira (*)

O conturbado cenário político dos últimos dias me inspirou a rever e divulgar algumas das lições que aprendi ao longo dos meus muitos anos de trabalho como pesquisadora de mercado e de opinião pública. Guardadas as devidas proporções, elas podem nos ajudar a ver claro sobre as motivações em curso e, quem sabe, a encontrar saídas honrosas para nossa crise institucional. Vamos a elas.

A primeira e mais importante lição do marketing é também a mais óbvia, ainda que nem sempre totalmente compreendida: a embalagem tem importância vital para a primeira decisão de compra, muito maior do que a do próprio produto.

Talvez por ser a primeira forma de engajamento do consumidor/eleitor, ela se reveste de incomparável importância simbólica: corporifica os desejos mais íntimos e não-explicitados do usuário em potencial. Se atrai e agrada, é capaz de transferir a simpatia inicial e gerar maior tolerância para com as características organolépticas (cor, sabor, cheiro, textura, etc.) do produto. Sem dúvida, a satisfação inicial com a embalagem vai precisar ser corroborada mais tarde pela experimentação do produto. Caso surjam discrepâncias, a marca pode vir a ser abandonada ou preterida em favor de concorrentes cujas embalagens não sejam tão satisfatórias – e que a concorrência saberá alterar rapidamente no sentido desejado.

embalagem-1Politicamente falando, é não só a figura física do candidato que fica em primeiro plano e envia a primeira mensagem de adequação, mas também a forma como ele embala suas ideias e propostas. Tom de voz, articulação do pensamento, gestual condizente, capacidade de argumentação, escolha de linguagem de fácil compreensão, flexibilidade para incorporar novos ângulos à mensagem e, fundamentalmente, poder de sedução. Traduzindo o último quesito, é preciso que o produto/candidato diga sempre o que o consumidor/eleitor quer ouvir. Quando a promessa soa como música aos ouvidos do público-alvo, ele se deixa implacavelmente fisgar, ainda que de forma envergonhada e disfarçada.

A segunda lição ainda se refere à embalagem. Se já há várias opções de embalagem no mercado que atendem, mesmo que parcialmente, às expectativas do usuário, é preciso diferenciar a sua. Pode ser, por exemplo, através do conceito de “tamanho aparente”. Imagine que as embalagens mais apreciadas no momento são todas baixas e gordinhas, cheias de curvas generosas. Aí você concebe para seu produto (ou para si mesmo) uma embalagem alta e magra, toda reta – ou vice-versa. Graças à sua iniciativa, o consumidor/eleitor pode receber a mensagem de que você está ofertando melhor relação custo/benefício (mais ou melhor produto pelo seu dinheiro) ou a de que você é pessoa ousada, que não se deixa intimidar pela força da concorrência e demonstra forte capacidade de “inovação”.

A terceira lição está relacionada à necessidade de realizar um mapeamento qualitativo do mercado antes de nele penetrar. Se um determinado segmento é muito pulverizado, com uma infinidade de produtos/marcas competindo sem muito destaque, é preciso identificar nichos ainda inexplorados. Acima de tudo, é essencial introduzir um forte diferencial em seu apelo. Em marketing, isso se chama “benefício único” a ser oferecido pelo novo produto. Esse benefício pode estar ligado mais uma vez à embalagem ou a qualquer outra característica, inclusive e principalmente seu posicionamento de preço em momentos de crise econômica.

Como isso se dá no mercado político? Bem, eu diria que esse é o ponto mais difícil de implementar, ao menos nesta parte do globo terrestre. De qualquer forma, certamente – ou, melhor, assim me parece – o diferencial encontrado não deverá estar vinculado aos aspectos propriamente verbais, ligados ao discurso. Temos hoje em oferta todo tipo de propostas sendo gritadas aos quatro ventos, desde a preocupação com a qualidade de vida dos aposentados até a defesa intransigente da moralidade administrativa, passando pela diminuição de impostos e criação de mais empregos, até a configuração do candidato como um outsider (“não sou político”) bem-intencionado. Porém, é de bom alvitre lembrar que, caso a experimentação não consiga comprovar que os novos atributos realmente funcionam na prática, seu frustrado público consumidor/eleitor se voltará inapelavelmente para o que existe de mais tradicional e conservador no mercado.

elefante-3Finalmente, uma lição raramente lembrada do marketing, mas que pode ser fatal se não observada: o produto/marca precisa ter um forte caráter aspiracional. Dito de outra maneira, é o consumidor/eleitor que precisa sentir o desejo de ter acesso ao produto e não este se oferecer despudorada e indistintamente a todos. Se o público-alvo não for claramente identificado na mensagem publicitária e se não falar a sua linguagem, corre-se o risco de não atrair ninguém, dado o caráter de “baciada” da oferta. Em termos psicológicos, o consumidor/eleitor precisa ser afagado pela crença de que só pessoas “especiais” como ele próprio percebem o mérito do que está sendo anunciado.

Marketing, nunca é demais lembrar, é feito para criar necessidades, despertar desejos e inaugurar novas realidades. Basta pensar no mercado de alta tecnologia para entender isso. E, mesmo quando ele se caracteriza por um ‘revival’ de velhas tendências, como acontece na moda, as novas soluções apresentadas precisam incorporar avanços conceituais. Na sequência, o que faz toda a diferença é desenvolver uma propaganda consistente e que faça jus à imagem que se pretende imprimir ao produto/ marca. Aprendi a duras penas que a publicidade fala com o tamanho do ego de cada um de nós. Um exemplo corriqueiro: embora muitas pessoas reclamem do mau gosto das propagandas de produtos populares, ela será considerada bem-sucedida se o populacho for atraído pela “espontaneidade rústica” da comunicação.

Uma frase de efeito que resume bem todas essas lições circula entre os marqueteiros: “Lançar novo produto no mercado é como emprenhar elefanta: se der certo, é preciso esperar ainda dois anos para ver o resultado de seus esforços e, se der errado, você certamente morrerá esmagado”.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.