Feliz ano-novo ou feliz ano novo?

José Horta Manzano

O ano de 2020 não foi fácil. Pandemia nas ruas e destrambelhados no governo criaram uma combinação tóxica que nos envenenou a todos. Salvou-se quem pôde, mas muitos ficaram pelo caminho. Todos nós almejamos por um 2021 melhor. O que queremos mesmo é ver 2020 pelas costas.

Pessoalmente, o ano que finda vai deixar uma única saudade: é ter sido número redondo. O próximo só daqui a dez anos. Ano redondo facilita contas do tipo ‘faz 30 anos’ ou ‘daqui a 25 anos’ – o resultado sai numa conta de cabeça, rápida e sem erro. Além disso, 2020 tinha o jeitão simpático de duas dezenas que se repetem, um fenômeno raro. Pra revê-lo, precisa esperar até 2121. Temo que nenhum de nós consiga chegar lá. Infelizmente.

Estes dias, todos querem desejar aos amigos um novo ano feliz. Falar é fácil, escrever é mais complicado. Ano-novo ou ano novo? Com tracinho ou sem? Ambas as formas são aceitas, só que elas não dão o mesmo recado. Vamos conferir.

Ano-novo (com hífen) é expressão que consta nos dicionários brasileiros. Tem o significado de «a passagem de 31 de dezembro para o 1° de janeiro» ou «o dia 1° de janeiro». Portanto, ano-novo (com hífen) delimita um momento preciso: o nascimento do novo ano, que é o espaço de tempo englobando, grosso modo, o último dia de um ano e o primeiro do ano seguinte.

Ano novo (sem hífen) é reles sequência de substantivo + adjetivo; não aparece no dicionário. Refere-se ao ano inteiro.

Quando a gente quer exprimir os votos, fica assim. Se o desejo for expresso oralmente, o problema desaparece. Com ou sem hífen, a pronúncia é a mesma. Já se for por escrito, é bom saber que:

Feliz ano-novo! (com hífen)
exprime o desejo de que a pessoa passe um réveillon feliz. Equivale à saudação ‘Boas entradas!’.

Feliz ano novo! (sem hífen)
exprime o desejo de que a pessoa passe um ano inteiro feliz.

Desejo a todos os distintos leitores um feliz ano-novo e um feliz ano novo.

Observação
Em inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, ninguém dá atenção a essas sutilezas. Não se usa hífen. Maiúscula ou minúscula? Fica ao gosto do freguês, mas geralmente se vê com maiúsculas. Nossa obsessão com minúcias gráficas não combina com um povo que devia mais é se preocupar em despoluir a escrita a fim de simplificar a instrução de sua massa de iletrados.

2018: um novo ciclo

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 30 dezembro 2017.

Fim de ano, não tem como escapar: é hora de balanço. Por imposição legal, cada empresa faz o seu. Por princípio e por hábito, cada indivíduo, ainda que não se dê conta, passa em revista os acontecimentos do ano findo e tenta projetar-se no futuro. Formulamos votos de que o pior tenha passado e de que os próximos 12 meses sejam radiantes. Se o ano tiver sido de privações, torcemos para que o próximo seja de abundância. Se o que passou tiver sido de excessos, fazemos votos ardentes para que o seguinte nos brinde com a bênção da sobriedade. Em resumo, que seja pra mais ou pra menos, temos o anseio e a esperança de que as coisas mudarão.

Os babilônios, desde que procuraram codificar o que viria a ser, bem mais tarde, a astronomia e a astrologia, constataram que a vida no planeta evolui balizada por ciclos. Por óbvio, os primeiros vaivéns observados foram a alternância do dia e da noite. O estudo do ritmo das estações viabilizou a agricultura. A relação entre as fases da Lua e o movimento das marés foi descoberta interessante. Períodos de penúria sempre alternaram com tempos de bonança. Guerra e paz, expansão e retração, glaciação e aquecimento, euforia e desânimo vêm se revezando na história da humanidade. Assim é ‒ e tudo indica que assim há de continuar.

E nosso país, nesse barulho todo, como é que fica? Dizem às vezes que perdemos o bonde da história. Não acredite. A frase é pomposa mas vazia. Que bonde? Que história? Cada povo apanha o veículo certo, na hora adequada. Se não for hora, pouco importa que passe toda a frota. O país só embarcará se (e quando) estiver preparado. Fruta amadurecida à força fica sem gosto e acaba apodrecendo por dentro. Só poremos o pé no estribo quando for chegada a hora. O Brasil não é a Suécia nem o Zimbábue. Nossos ciclos não são necessariamente os deles.

Nossa política nacional, por exemplo, vive um fim de ciclo. Só não enxerga quem não quer. Recapitulando, em poucas linhas, os últimos cem anos, temos a República velha, tempo de expansão. A grande liberdade levava a excessos. Levantes e revoluções se sucediam num ritmo caótico que acabava estorvando o progresso ordenado. Foi quando sobreveio a Revolução de 1930, instalando um regime autoritário, comedido, regrado, formatado, do tipo «ai de quem sair da linha!».

Em 1945, coincidindo com o fim da guerra mundial, o ditador foi despachado de volta à sua estância, e o regime se dilatou. Seguiu-se um ciclo de euforia desenvolvimentista em que, de novo, excessos passaram a fazer parte do dia a dia. O que tinha de acontecer aconteceu: o regime foi derrubado em 1964. De novo, a contração, o autoritarismo, o controle rigoroso, a contenção. De bom grado ou não, tivemos todos de andar na linha. Se desvios houve no andar de cima ‒ e deve ter havido, que ninguém é de ferro ‒, pouco se soube. A imagem que sobrou é de austeridade e repressão.

Pela lógica, a era seguinte havia de pender para o polo oposto. Assim foi. Construído sobre a Constituição de 1988, o novo período brindou os brasileiros com mimos com os quais eles não estavam mais habituados. De lá pra cá, multipartidarismo, eleições a granel, liberdade de expressão, euforia econômica, situação mundial favorável têm marcado o cenário. Nosso ciclo diastólico poderia até ter durado mais alguns anos. Mas a carne é fraca. Qui multum habet plus cupit ‒ quem tem muito sempre quer mais. A história sintetizará este período numa só palavra: corrupção. Corrupção de proporções bíblicas.

A rapina aos dinheiros públicos foi descarada, desenfreada, ilimitada, alucinada. O lado bom da evolução dos últimos anos ficou ensombrecido pela insolência dos que se serviram do dinheiro do contribuinte como se deles fosse. Esticada e esfiapada, a corda está a ponto de arrebentar. Partindo das premissas que vemos, as primícias do que vai ser já apontam no horizonte. Novo período de contração é inevitável.

Ainda é cedo pra discernir detalhes com acuidade, mas podemos apostar todas as fichas numa tendência oposta aos excessos atuais. O Brasil que sairá das urnas em 2018 ‒ posto que cheguemos até outubro sem turbulência maior ‒ será diferente do atual. É virtualmente impossível que um barra-suja seja alçado à presidência. Aliás, seria conveniente que, além de barra-limpa, o próximo inquilino do Planalto fosse também competente. Mas talvez isso já seja querer demais. Feliz ano-novo!

Feliz 2017!

José Horta Manzano

Foi um ano difícil. Pensando bem, todo ano é difícil. Tão longe quanto possam ir minhas lembranças, sempre ouvi dizer que atrávessavamos uma crise. Não tenho recordação do tempo beato em que se haja podido dizer «vivemos um período maravilhoso, de paz, bonança e felicidade».

É só mais tarde, quando as coisas pioram, que a gente olha pra trás e se lamenta: «Ah, como era bom aquele tempo. Éramos felizes e não sabíamos».

by Alexandre de Oliveira (1971-), desenhista gaúcho

by Alexandre de Oliveira (1971-), desenhista gaúcho

Ainda assim, é bom que tenha acabado o ano. Eta 2016 pesado, cruzes!

Que este 2017 seja melhor ‒ em todos os sentidos ‒ para todos nós.

Feliz ano-novo!