Parece mentira

José Horta Manzano

Nem bem acabei de escrever o post anterior, sobre o confinamento na França, abri o Estadão online. Logo na primeira página, dou de cara com estas duas chamadas, ironicamente colocadas lado a lado:

Chamada Estadão, 19 março 2021

Doria sobretaxa esporte e cultura
Num país de iletrados, onde 1/3 da população se mostra ignorante a ponto de achar que Bolsonaro está fazendo bom governo, sobretaxar a cultura é crime maior. Governador que faz isso merece ser impichado ao término de processo expeditivo.

Bolsonaro combate toque de recolher
Num país onde a pandemia corre solta e ceifa a vida de jovens e velhos, combater medidas de contenção da hecatombe é crime maior. Presidente que faz isso merece ser impichado em processo relâmpago.

Pagar pra ver novela ‒ 2

José Horta Manzano

Você sabia?

Na Suíça, a chamada democracia direta não é total e absoluta. Não implica que as decisões das autoridades sejam sistematicamente submetidas a plebiscito para checar se o povo está de acordo. Fosse assim, o sistema viveria travado e nenhuma decisão vingaria. Se toda lei tivesse de passar por esse processo, só entraria em vigor ‒ se entrasse ‒ anos depois de votada. Autobloqueante, o sistema seria inexequível.

A democracia direta helvética se distingue das democracias comuns pelo fato de outorgar a qualquer cidadão o direito de lançar uma proposta de emenda constitucional. Só a Constituição pode ser modificada por esse sistema, não a lei comum. Esse processo, chamado «iniciativa popular», equivale ao que dizemos PEC no Brasil. Com algumas particularidades.

No Brasil, a proposta de emenda constitucional é recurso pesado. Só pode ser lançado por um punhado de altas autoridades (OAB, senadores, deputados). E será votada no Congresso, sem participação direta do eleitor. Na Suíça, em teoria, qualquer um pode lançar uma iniciativa. Dado que a campanha comporta um certo custo ‒ outdoors, anúncio em jornais, comícios, impressão de santinhos ‒ as «iniciativas populares» costumam ser promovidas por um grupo de cidadãos, uma associação ou mesmo um partido político.

Antes de coletar as assinaturas, o comitê de «iniciadores» deve obter o aval das autoridades federais, para ter certeza de que a proposta não fere a Constituição. Caso o teor da iniciativa seja aprovado, as autoridades fixarão um prazo (algo em torno de três meses) para que seja colhido o número necessário de assinaturas. Os iniciadores vão, então, à luta. Visitam feiras, mercados, centros comerciais, porta de igrejas. Se conseguirem quantidade suficiente de adesões dentro do prazo determinado, a iniciativa terá tido sucesso. Todas as assinaturas são enviadas a Berna para serem validadas. Se tudo der certo, as autoridades federais são obrigadas a programar um plebiscito a ocorrer dentro de um prazo razoável.

Neste domingo 4 de março, o povo foi chamado a votar. Tinham de se pronunciar sobre uma iniciativa popular que pedia o fim da taxa obrigatória para ouvir rádio e ver tevê. Os iniciadores, como se pode imaginar, eram jovens que, habituados a viver dependurados num smartphone, não consideram importante a existência de emissoras de rádio e tevê públicas.

Acontece que a Suíça é um país peculiar. No que tange à língua materna, os cidadãos se dividem em segmentos de tamanho desigual. Enquanto 70% são de língua alemã, apenas 20% falam francês e parcos 10% têm o italiano como língua materna. Desde sempre, as emissoras públicas favoreceram os falantes de línguas minoritárias. Todos os grupos linguísticos recebem programas de qualidade, o que não seria possível se as estações regionais dependessem unicamente de receitas de publicidade. Em resumo, ao pagar as taxas, os falantes da língua majoritária financiam os minoritários. É sustentáculo ultraimportante da coesão nacional.

Bom, chega de suspense. Abertas as urnas e contados os votos, constatou-se que a iniciativa popular que reclamava a abolição da taxa audiovisual tinha sido varrida do mapa. Nada menos que 72% dos votantes rejeitou a abolição. Foi um belo exemplo de solidariedade nacional.

Um estrangeiro pode até se surpreender com o resultado e achar que o país é habitado por bobões que preferem continuar pagando taxa de 1500 reais por ano quando poderiam tê-la eliminado. É verdade que o preço é salgado. Mas, assim como não existe almoço grátis, a concórdia e a coesão nacional têm seu custo. A radio-televisão pública nacional é um dos seus pilares. Os suíços entenderam isso.

Pagar pra ver novela ‒ 1

José Horta Manzano

Você sabia?

Por capricho do destino, as emissões radiofônicas europeias foram tratadas de modo diferente do que ocorreu nos países americanos.

Na Europa dos anos 1920-1930, os primórdios do rádio coincidiram com a ascensão de movimentos nacionalistas ameaçadores, de tendência autoritária ‒ o nazismo e o fascismo. A força de penetração do rádio e sua importância na propagação da verdade oficial foi logo identificada como importante demais para ser abandonada à iniciativa privada. Era crucial que o Estado mantivesse o controle do novo e poderoso meio de difusão da palavra.

Enquanto isso, nas Américas, o tom foi dado pelos EUA. Naquele país, não estava em jogo a imposição de nova ideologia. O convencimento e a adesão da população não era crucial como na Europa. Certamente está aí a razão pela qual o desenvolvimento de estações de rádio foi quase totalmente deixado em mãos de empreendedores privados. O Estado nunca se preocupou em cobrar taxa de quem comprasse um aparelho.

Os demais países americanos acompanharam e adotaram a mesma lógica. Eis por que nunca tivemos de pagar pra ouvir rádio nem pra ver novela.

Na ausência de capitais particulares, os países europeus ‒ com pouquíssimas exceções ‒ decidiram recorrer ao financiamento público das emissoras estatais. Para tanto, impuseram uma taxa anual a proprietários de aparelho de rádio. Anos mais tarde, quando surgiu a televisão, a taxa foi aumentada.

Pelos anos 1960-1970, começaram a surgir emissoras particulares de rádio e tevê. Ainda assim, os Estados continuaram cobrando as taxas de concessão de licença. A cobrança, hoje mais sofisticada, depende da imaginação de cada governo.

Na França, a taxa anual (136 euros atualmente) vem incluída nos impostos municipais. Caso o cidadão não disponha de aparelho de rádio nem de tevê, coisa rara, terá de confirmar por escrito e assinar embaixo. A trapaça pode custar caro.

Na Itália (90 euros) e em Portugal (33 euros), a taxa vem embutida na conta de luz. Na Alemanha, a conta é mensal, mas quem preferir pode pagar adiantado para o ano inteiro (210 euros). Firmas também pagam.

Na Suíça, paga-se o montante mais elevado de todos. Cada lar(*), tendo ou não tendo aparelhos, paga obrigatoriamente 451 francos (1500 reais) por ano. Empresas também pagam um montante que varia conforme o número de sucursais e de funcionários.

A democracia direta suíça permite que qualquer cidadão lance uma PEC (=Proposta de Emenda Constitucional). Há que seguir certas regras, naturalmente. Domingo passado, 4 de março, o povo foi chamado a dar seu parecer numa iniciativa cidadã que pedia o fim da cobrança dessa «taxa audiovisual».

Por enquanto, vamos deixar o suspense. Amanhã conto o resultado.

(*) Utilizei o termo lar para indicar que a taxa cobre todos os que habitam sob o mesmo teto, na mesma casa ou apartamento, que sejam parentes ou não. Uma vez paga a conta, todos os que moram no mesmo endereço estão autorizados a ter os aparelhos que desejarem, na quantidade que preferirem. Rádio de automóvel, tablettes, smartphones incluídos.

Controle canino

José Horta Manzano

Você sabia?

Na Suíça, como nos países do norte da Europa, não há cães errantes. Todo cachorro tem dono. E não é só: todos têm de estar identificados por tatuagem ou chip sub-cutâneo e devidamente registrados na prefeitura, com nome e endereço. Para completar, todo proprietário paga uma taxa anual à prefeitura municipal, pelo direito de possuir um cachorro. É conhecido como imposto-cão, sem trocadilhos.

cachorro-35Embora fosse tão mais cômodo, cães não se resignam a fazer suas necessidades numa caixa de areia, como os gatos. Seria prático para o proprietário, mas não é assim. Cachorro tem de ser levado à rua. Regras existem também para passear com o bicho. Na entrada de cada parque, uma tabuleta indica se a entrada do animal é permitida ou não. Caso seja, a placa informa se ele pode andar solto ou se tem de ser preso pela coleirinha. Pelas ruas, estão espalhados distribuidores de sacos plásticos especiais para coletar cocô. Assim que o cão faz suas necessidades, o dono vem com o saco, apanha os dejetos e leva embora pra descartar no lugar apropriado.

Cada cantão tem liberdade para impor regras e fixar tarifas. Aqui estão alguns exemplos tomados ao acaso:

cachorro-34Cantão de Friburgo
Para ter mais de 2 cães, é necessário obter autorização

Cantão de Berna
Proibição de passear na rua com mais de 3 cães ao mesmo tempo

Cantão de Genebra
Taxa anual para o 1° cão: 50 francos (170 reais)
Para o 2° cão: 70 francos (240 reais)
Para o 3° cão: 100 francos (340 reais)

Todos os cantões
Todo futuro proprietário de cão é obrigado a seguir formação teórica e prática. O diploma lhe dará direito a ser dono de cão. Os cursos ‒ pagos, naturalmente ‒ são dados por monitores credenciados cujo título oficial é ‘educador comportamentalista canino’. O curso teórico deve ser completado antes da aquisição do animal. As aulas práticas devem ser tomadas no ano que se segue à chegada do bichinho.

Para dissuadir pessoas de possuírem mais de um animal, numerosos cantões estudam aumentar o valor da taxa anual, sobretudo a partir do segundo cão. A argumentação prende-se ao fato de que o melhor amigo do homem carrega reminiscências do instinto de malta. Ao avistar o que lhe parece ser uma presa ‒ criança pequena, animal menor ‒ um cão solitário não ousa atacar, ao passo que três ou quatro juntos se podem incentivar mutuamente e assumir comportamento bem mais agressivo.

cachorro-36Por enquanto, possuidores de gatos estão livres de cursos e de taxas. No entanto, em certos cantões já se cogita introduzir imposto (pesado) a ser cobrado dos que possuírem gato não-castrado. A motivação é evitar a proliferação de felinos que, na primavera, sobem às árvores e dizimam filhotes de pássaros.

Interligne 18cPasseando de fom-fom
Permite-se a entrada de cães em transporte público ‒ desde que estejam acompanhados pelo dono, naturalmente. Os bichinhos pagam passagem, como os humanos. Para evitar ter de comprar bilhete a cada vez, pode-se tomar assinatura. O documento, tamanho cartão de crédito, traz a foto do animal.

A companhia nacional de estradas de ferro transporta gratuitamente cães de até 30cm de altura, desde que estejam dentro de bolsa ou de jaula. Nesse caso, viajam de graça, como bagagem. É bom pra cachorro.

População urbana

José Horta Manzano

O Programa da ONU dedicado a assentamentos humanos estima que, daqui a pouco mais de uma década, 90% da população do Brasil será urbana, ou seja, nove em cada dez cidadãos viverá numa cidade. À primeira vista, parece um progresso, um avanço civilizatório. Será mesmo?

A resposta não é simples. Para início de conversa, seria preciso estabelecer critérios internacionalmente uniformes, o que não é o caso. Na Suíça, por exemplo, para ter direito a ser chamada de cidade, a aglomeração tem de contar com pelo menos dez mil habitantes. Na França, bastam dois mil. Em outros países, 500 habitantes já são suficientes para um povoado subir de categoria.

village-2O Brasil carece de critérios claros, o que impede uma estimação precisa. Aliás, nos primeiros séculos da colonização, quem decidia era o rei. Para ser «elevado» à categoria de vila, o povoado dependia de um decreto real, o que prova que não é de hoje que os amigos do rei são mais iguais que os outros. Seja como for, na falta de padrão internacional, temos de nos basear nos dados disponíveis.

É interessante notar que o Brasil contabiliza hoje cerca de 85% de sua população vivendo em cidades. É mais urbanizado que países como a Itália (69%), a Suíça (74%), a França (80%), a Alemanha (75%), a Áustria (66%) e até os EUA (82%). Logo, conclui-se que, em matéria avanço civilizatório, nosso país está à frente dos que mencionei. A pobre Itália, com quase trinta porcento de habitantes morando na zona rural, viveria ainda mergulhada na Idade Média, enquanto nós já estaríamos com um pé na modernidade. Será mesmo?

Não acredito. Esses números, pelo menos no que se refere ao Brasil, são mais preocupantes que auspiciosos. Eles atestam que a cidade, principalmente a cidade grande, exerce atração irresistível. Por que acontece isso? O bom povo de aglomerações pequenas corre atrás da poluição, do barulho, do tráfego infernal? O distinto leitor há de convir que não é esse o chamativo. O diagnóstico é menos charmoso.

by Paulo Talarico, pintor mineiro

by Paulo Talarico, pintor mineiro

Em decorrência de desleixo secular, a implantação da indústria, do comércio e dos serviços se fez na valentona, sem planejamento e sem diretivas. O resultado é um desastre: abundância de oferta em grandes aglomerações e carência gritante em localidades menores. Na Alemanha, na Suíça ou na Itália, país que não é tão medieval assim, vilarejos pequeninos dispõem de um leque satisfatório de serviços, o que inibe o êxodo rural.

Em nosso país, o comércio e os serviços disponíveis em cidades menores nem sempre estão à altura da demanda. Vai daí, muitos jovens partem e acabam se fixando em localidades maiores em busca de oferta mais afinada com suas necessidades.

Diferentemente do que se imagina, a estabilização ‒ ou até a diminuição ‒ da taxa de urbanização no Brasil seria sinal positivo. Demonstraria que necessidades e anseios da população das vilas estão sendo cuidados.

Juros negativos

José Horta Manzano

Você sabia?

Banco 3O chefe do Departamento Federal Suíço das Finanças é o diretor de erário mais feliz do planeta. Seu país é um dos raros a poder-se dar ao luxo de tomar empréstimo com juro negativo.

De fato, quem comprar obrigações emitidas pelo governo suíço pode esquecer o velho tempo em que o emprestador costumava receber juros sobre o capital empatado. Atualmente, cabe ao emprestador pagar dividendos, numa curiosa inversão do panorama habitual.

Por exemplo, em março 2016, a Confederação Helvética(1) tomou emprestados 330 milhões de francos (= 330 mi US dólares) à taxa negativa de 0,65%. Trocando em miúdos, os investidores terão de desembolsar 6,50 francos por ano para cada 1000 francos empatados.

Até mesmo tomadas de empréstimos com prazo de 50 anos para reembolso oferecem juros negativos. Assim mesmo, encontram investidores interessados. É estonteante.

Dinheiro 1Compreendo que juros possam estar muito baixos. Na Suíça, caderneta de poupança rende atualmente 0,01% de juros… ao ano(!), taxa meramente simbólica. Agora, emprestar ao governo e ainda ter de pagar ‒ isso supera meu entendimento.

Sei que a política monetária nacional baixou drasticamente os juros para evitar a entrada de capitais, protegendo assim a moeda contra uma supervalorização que prejudicaria turismo e exportações. Mas, disse e repito, ainda não consegui compreender por que razão alguém pagaria taxa anual para depositar seu dinheirinho no país(2).

Olhe, eu posso até não saber, mas há muita gente no Brasil que pode responder a essa pergunta.

Interligne 18h

(1) Confederação Helvética é o nome oficial da Suíça.

(2) Felizmente, aos residentes no país, ainda é permitido manter conta no banco sem ter de pagar juros negativos. Não se recebe nada, mas tampouco se tem de pagar. Por enquanto.

O poder do vil metal

José Horta Manzano

Chacinas não fazem parte do quotidiano suíço. Estatísticas mostram que a taxa anual de homicídios voluntários no país não passa de 0,7 por cem mil habitantes. Para efeito de comparação, registre-se que a taxa brasileira é 30 vezes mais elevada, chegando a incríveis 22 assassinatos por cem mil habitantes.

A criminalidade, portanto, não figura entre as maiores preocupações da população da Suíça. Eis por que a matança de quatro pessoas, ocorrida no fim do ano passado no vilarejo de Rupperswil, Cantão de Argóvia, continua nas manchetes nacionais.

Rupperswil, Cantão Argóvia, Suíça

Rupperswil, Cantão de Argóvia, Suíça

Alguns dias antes do Natal, numa casa em chamas, a polícia encontrou quatro mortos. Logo se constatou que o incêndio tinha sido ateado para disfarçar crime maior: todas as vítimas haviam sido mortas a facadas. Eram quatro mulheres: a mãe, duas filhas adolescentes mais uma amiga das jovens.

Sem pistas, a polícia local não tem poupado esforços para elucidar o misterioso crime. Já colheu depoimento de 110 pessoas e já recebeu cerca de 250 testemunhos de outros indivíduos. Dezenas de automobilistas entregaram às autoridades imagens da minicâmera (dashcam) do automóvel. Quarenta policiais trabalham 24h por dia nas investigações. Até peritos suíços e alemães foram chamados para apoiar.

Wanted 1Visto que, decorridos dois meses, o inquérito não saiu da estaca zero, a polícia resolveu sacar o trunfo maior. Promete recompensa de cem mil francos suíços (quatrocentos mil reais!) a quem fornecer indícios que levem à elucidação do enigma. É um patrimônio, minha gente! São boas as chances de desmascarar finalmente o(s) culpado(s) e de entender o que aconteceu.

É o caso de cogitar se não valeria a pena oferecer, com maior frequência, recompensa em dinheiro para elucidar crimes no Brasil. Não precisa chegar a montante astronômico como o de Rupperswil, sejamos modestos! Com bem menos, já é possível destravar línguas. O poder do vil metal é irresistível. Com certeza, ajudaria o Brasil a se afastar da vergonhosa taxa atual de homicídios, digna de país mergulhado em guerra civil.

O rádio e a taxa

José Horta Manzano

Você sabia?

Radio 5As primeiras emissões experimentais de radiodifusão foram realizadas na Bélgica em 1914. A Grande Guerra, que espocou meses depois, interrompeu os testes. Para evitar que os invasores alemães se apoderassem da novidade, os belgas destruíram as instalações e dinamitaram a antena. A novidade ficou de molho.

Terminada a guerra, os experimentos retomaram – e não só na Bélgica. No início dos anos 1920, a rádio comercial tornou-se, pouco a pouco, realidade. Na falta de aparelhos, os primeiros ouvintes eram obrigados a fabricar receptores rudimentares, os rádios de galena, símbolos de uma época bem anterior aos transístores.

Assim mesmo, a moda nova se alastrou. Surgiram fabricantes. Europa e Estados Unidos, naquele momento de decisão, tomaram caminhos diferentes. Enquanto os EUA deixaram que a iniciativa privada cuidasse da novidade, os países europeus entenderam que o Estado devia conservar o monopólio de toda atividade radiofônica.

Televisao 6No Velho Continente, ficou então combinado que todo possuidor de aparelho receptor de rádio teria de pagar uma taxa. Ainda hoje essa autorização é cobrada na maioria dos países europeus. O advento da televisão só fez aumentar o valor da conta que cada um de nós tem de pagar. Ano sim, outro também. Atenção: o pagamento da taxa apenas dá direito de possuir aparelho receptor. Não tem nada que ver com assinatura.

Até os anos 1970, todas as estações eram públicas. Portanto, fazia sentido pagar a concessão anual. De lá pra cá, embora estações estatais continuem firmes e fortes, derramou-se uma enxurrada de rádios e tevês privadas. Que faça sentido ou não, nenhum governo abriu mão da taxa: a cobrança continua. E olhe que não é barato. Na Suíça, pagamos a conta mais elevada da Europa: 460 euros por ano, perto de 1500 reais. Isso dá direito a possuir e utilizar aparelho(s) de rádio e televisão. Mais nada.

RedevanceFalando nisso, faz um mês que as emissoras da rádio pública francesa estão em greve, pode? São os inconvenientes do serviço público, que fazer? Ninguém imaginaria que funcionários da uma estação comercial decidissem cruzar os braços – seriam sumariamente dispensados. Já no serviço público…

Radio 6Na França – é tradição nacional – primeiro se entra em greve; depois, eventualmente, se discute. Pela lógica, deveria ser o contrário, né não? Greve deveria ser o último recurso. Mas assim são as coisas. E é por isso que as greves costumam ser longas: negociações são levadas a cabo enquanto os funcionários estão parados. Se as conversações se prolongam, a inatividade se prolonga também.

A meu ver, esse tipo de braço de ferro é suicidário para os próprios funcionários. Em um mês, fiéis ouvintes podem acabar simpatizando com outras estações. Podem até, ao fim e ao cabo, abandonar velhos hábitos e adotar nova rotina de escuta radiofônica. Greve de um ou dois dias já é suficiente. Um mês é absurdo.

Fico-me perguntando se o público francês não vai pedir reembolso parcial da taxa de recepção. Acho que têm direito.

Cachorros suíços

Você sabia?

Bouvier bernois

Filhotes de bouvier bernois

José Horta Manzano

Na Suíça, os proprietários de cães têm de pagar uma taxa anual ao município. Assim é. A câmara de cada localidade fixa o montante. Geralmente fica em torno de 100-150 francos por ano e por cachorro (250 a 350 reais, ao câmbio atual). Os aposentados têm direito a desconto ― válido, no entanto, só para o primeiro animal. A partir do segundo, já vale a taxa habitual.

Além disso, já faz quase 10 anos que a lei obriga todos os proprietários de cachorros a mandar introduzir, por via subcutânea, um chip em cada um de seus animais. É uma intervenção relativamente simples, feita por qualquer veterinário. O chip fica posicionado na altura da veia jugular esquerda e contém a identificação do animal e do dono. Caso o bicho se perca, será facilmente trazido de volta ao proprietário legítimo.

Estarão aí as primícias do que o futuro reserva a nossos netos? Será que estamos assistindo a uma avant-première de como os humanos serão identificados daqui a alguns anos?

Quem viver verá.