Visto do Vietnã

Explosão da fome que atinge 33 milhões de brasileiros
Le Courrier du Vietnam, 10 junho 2022

 

José Horta Manzano


Notícia boa interessa pouca gente. É por isso que às vezes demora a chegar.

Notícia ruim atrai a atenção e chega rápido feito corisco.


Você conhece o Vietnã? Sabe apontar o país num mapa? Não é fácil. Fica lá na Cochinchina. Pensa que é brincadeira minha? Não é. Parte dos contornos do Vietnã atual coincidem com a costa que os navegadores portugueses visitaram 500 anos atrás e chamaram Cochinchina.

A linguagem popular costuma dizer “Conchinchina”, acrescentando um N que não aparece no original. Esse N sobra. É Cochinchina mesmo.

A origem do nome é curiosa. É obra dos navegantes portugueses. Quando aportaram naquelas costas, já fazia anos que tinham aberto um posto de comércio no litoral da Índia, junto à cidade de Cochim (Kochi em inglês). Não se sabe por que razão, chamaram a nova terra também Cochim. Para diferenciar as duas Cochins, esta ficou Cochinchina (= Cochim da China).

Com o declínio do poderio português, a região passou a ser cobiçada por outras potências europeias. A partir da metade do século 19, caiu aos poucos na órbita da França e e acabou tornando-se colônia. Conservou esse estatuto até 1954, quando, depois de 8 anos de guerra sangrenta, os vietnamitas conseguiram expulsar os colonizadores.

Os franceses se foram, mas a língua ficou. Cada vez perdendo mais terreno em relação ao inglês, é verdade, mas resistindo até hoje. Nas escolas do país, o francês ainda é ensinado como segunda língua.

Pois é. Nós não sabemos grande coisa sobre o Vietnã. Mas eles estão informados sobre as mazelas de nosso país, aquelas desgraças que nos incomodam mas que insistimos em negar.

A edição de ontem do Courrier du Vietnam, jornal online vietnamita redigido em francês, traz longo artigo sobre a “explosão de fome que atinge 33 milhões de brasileiros”. Até vietnamita se espanta com nossa assustadora realidade; só brasileiro é que ouve uma barbaridade dessas e continua seu caminho achando que é normal.

Minha gente, é o seguinte: são 15% dos conterrâneos passando fome. É um em cada sete. Da próxima vez que passar por uma rua movimentada, experimente contar. Deixe passar 6 indivíduos. No sétimo, anote: este aqui não tem comida suficiente. Faça esse exerciciozinho durante cinco minutos.

Aí você vai entender a extensão do drama. É de dar vertigem. É muita gente. Gente como nós, mas que sofre as consequências de um pecado original: nascer pobre num país onde a desigualdade social não incomoda ninguém.

Enquanto isso, o capitão passeia de motocicleta ou de jet ski para encanto dos devotos, o Lula dá festa de casamento com banquete para uma multidão de adoradores, parlamentares passam a mão no nosso dinheiro, servido sob forma de orçamento secreto.

Bolsonaro já está em fim de mandato e lega um país mais faminto do que encontrou ao assumir. O Lula e seus aliados estiveram 13 anos no poder e deixaram tudo do jeitinho que tinham encontrado. Os parlamentares estão há décadas se locupletando, indiferentes ao drama maior.

Mas deixe estar. As eleições vêm aí. Sabem como vai ficar depois de novembro? Vai mudar tudo!

1) O capitão vai se aposentar e ficar ruminando vingança, balançando numa rede, em regime de picanha macia.

2) O Lula, cercado de bajuladores, vai voltar a se esbaldar com o luxo e as benesses do poder, que é o que mais lhe interessa no Planalto.

3) Os parlamentares, cujo apetite é insaciável, continuarão arrancando significativos nacos do tesouro público. Afinal, são profissionais.

E o país vai continuar empacado.

Educação: a maior fraude do mundo

Moisés Naim (*)

«Brasil ha logrado mejorar las habilidades de los estudiantes de 15 años, pero al actual ritmo de avance les llevará 75 años alcanzar la puntuación promedio en matemáticas de los alumnos de los países ricos; en lectura, les llevará más de 260 años.

Corea del Sur era en 1950 un país devastado por la guerra y con altos índices de analfabetismo. Pero en solo 25 años logró crear un sistema educativo que produce algunos de los mejores estudiantes del mundo. Entre 1955 y 1975 Vietnam también sufrió un terrible conflicto. Hoy sus estudiantes de 15 años tienen el mismo rendimiento académico que los de Alemania. Sí se puede.»

«O Brasil conseguiu melhorar o nível dos estudantes de 15 anos. No entanto, a seguir no ritmo atual, somente em 75 anos eles atingirão a média das notas de matemática dos alunos de países ricos. Em leitura, vai levar mais de 260 anos.

Em 1950, a Coreia do Sul era um país devastado pela guerra e com altos índices de analfabetismo. Em apenas 25 anos, conseguiu criar um sistema educacional que produz alguns dos melhores estudantes do mundo. Entre 1955 e 1975, o Vietnã também sofreu conflito terrível. Hoje, seus alunos de 15 anos têm o mesmo rendimento acadêmico que os da Alemanha. Sim, é possível.»

Moisés Naím (1952-), escritor e analista político de nacionalidade venezuelana. Foi ministro do Comércio e da Indústria de seu país no final dos anos 1980, antes da era ‘bolivariana’. O texto integral está aqui (em castelhano).

Café do Brasil

José Horta Manzano

Em princípio, o café não tem as qualidades necessárias para se tornar popular. É ainda mais escuro que o cacau, tem um certo amargor que nem todo o mundo aprecia, só é produzido em regiões de clima quente, requer longa e laboriosa manipulação desde a plantação até a xícara. Com todos esses senões, parecia destinado ao papel de bebida exótica, daquelas que se reservam pra ocasiões especiais. No entanto, por razões difíceis de explicar, tornou-se a bebida mais consumida no planeta, exceptuada a água.

Originário da Etiópia, tem visto seu consumo crescer vertiginosamente. Duzentos anos atrás, a produção mundial girava em torno de um milhão de sacas por ano. Atualmente, colhem-se mais de cem milhões de sacas de sessenta quilos, um aumento exponencial. São seis milhões de toneladas de grãos, uma enormidade!

Com 30% do total mundial, o Brasil é, de longe, o maior produtor. Seguem-se o Vietnã, a Colômbia, a Indonésia, a Etiópia. Em nosso país, já faz tempo que o café deixou de ser o maior produto de exportação. No entanto, em pequenos países africanos como a Etiópia, Burundi ou Ruanda, a rubiácea responde pelo grosso do comércio exterior.

Uma curiosidade pouco divulgada é o fato de cinco empresas serem responsáveis pela compra de metade da produção mundial. São três multinacionais americanas, uma alemã e uma suíça (Nestlé). Essa enorme quantidade de café destina-se tanto a ser vendida em grãos quanto a ser transformada em café solúvel.

Engana-se quem imagina que os brasileiros sejam grandes bebedores de café. Considerando o consumo por habitante, os países escandinavos estão bem lá na frente, seguidos pelos europeus do norte (Holanda, Alemanha), logo acompanhados por suíços, austríacos e italianos. Americanos e canadenses também consomem quantidade considerável de café. Até o argentino toma mais café que o brasileiro.

Tradicionalmente, os produtores brasileiros privilegiaram a quantidade em detrimento da qualidade. Essa despreocupação com a excelência desembocou em situação peculiar: apesar de ser o maior produtor, o Brasil não é conhecido pela superioridade de seus grãos. Cafés de alta qualidade provenientes da Colômbia ou de pequenos países da América Central são vendidos, no mercado internacional, a preços bem superiores aos do café brasileiro.

Mas a situação está evoluindo. Fazendo eco ao anúncio de pequenos produtores mineiros e capixabas, a imprensa francesa informou estes dias que cafés especiais estão sendo colhidos nas encostas da Serra do Caparaó. São grãos de qualidade superior, plantados em altitudes superiores a mil metros ‒ a exemplo do que ocorre na Etiópia.

Dado que a produção ainda é modesta, dezenas de compradores americanos e europeus estão na fila de espera. Enquanto a demanda mundial de café comum tem aumentado 2% estes últimos anos, a procura por cafés especiais cresce num ritmo de 10% a 15% a cada ano. Tudo isso traz a prova de que vale a pena investir na melhora do produto. Quantidade é bom, mas qualidade é melhor ainda.

Importação de café

José Horta Manzano

O Vietnã nos parece distante e pouco importante. Distante é, sem dúvida. Já sua importância não é assim tão pequena. Com superfície menor que a do Estado de Goiás, abriga mais de 90 milhões de pessoas. É gente pra caramba.

O país tem história movimentada. Desde a Antiguidade, o território fértil atraiu a cobiça de vizinhos e aventureiros. Da China vieram os primeiros conquistadores forasteiros. Em meados do século 19, a França encontrou um pretexto para invadir e anexar parte do território à qual deram o nome de Cochinchina, a região sul do país. Em 1940, a invasão japonesa pôs termo a um século de dominação francesa.

cafe-7Depois da rendição nipônica, em 1945, os franceses insistiram em retormar a colônia perdida. Mas a resistência foi tão feroz que, menos de 10 anos mais tarde, os europeus desistiram e se retiraram. Subestimando a capacidade de se defender inerente aos vietnamitas, os americanos resolveram entrar na dança. No começo dos anos 60, enviaram tropas. A intenção declarada era liberar o Vietnã do regime comunista. A luta, feroz, durou uns dez anos. Ao final, como já tinha acontecido com chineses e franceses, também os americanos tiveram de abandonar o combate. O último soldado deixou o prédio da embaixada dependurado num helicóptero.

Desde então, o Vietnã é, pelo menos oficialmente, país comunista de partido único. Mas, sacumé, já não se fazem comunismos como antigamente. Está aí o exemplo chinês que não nos deixa mentir. Estes últimos anos, o país tem crescido a taxas chinesas. O turismo representa bem-vinda entrada de divisas. A criação e exportação de camarões e de peixes criados em cativeiro é outra atividade importante. Todas essas são conquistas que não vieram por acaso, mas à custa de muito trabalho e esforço.

Café 5Trinta anos atrás, enquanto um terço da produção mundial de café era garantida pelo Brasil, o Vietnã era «traço» na estatística ‒ a plantação não supria nem o consumo interno. Valendo-se do clima favorável, dedicaram força e aplicação para estender o cultivo. Atualmente, enquanto o Brasil continua produzindo um terço do café mundial, o Vietnã progrediu vertiginosamente e alçou-se à segunda posição. Colhe o equivalente a metade da produção brasileira.

Problemas climáticos prejudicaram a colheita brasileira nos últimos três anos. Como resultado, o maior produtor mundial vê-se na obrigação de importar café para suprir sua indústria de café solúvel. Nossas autoridades não tiveram outro remédio senão autorizar a importação de um milhão de sacas de 60kg de café vietnamita daqui até maio.

Os vietnamitas estão surpresos e encantados. Não bastasse ter vencido e expulsado franceses e americanos ‒ o que já não é coisa pouca ‒, vão agora exportar café ao Brasil, uma façanha e tanto! A mídia do país dá a notícia com orgulho não disfarçado.

Bandeiras apetitosas

 

José Horta Manzano

Japão

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Japão: arroz e atum

Japão: arroz e atum

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Líbano: pão libanês, fatush e cheiro verde

Líbano: pão libanês, fatush e cheiro verde

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Itália: manjericão, spaghetti e tomate

Itália: manjericão, spaghetti e tomate

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Indonésia: pimenta malagueta e arroz

Indonésia: pimenta malagueta e arroz

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Índia: curries, arroz e pão indiano

Índia: curries, arroz e pão indiano

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Grécia: azeitonas de Calamata e queijo feta

Grécia: azeitonas de Calamata e queijo feta

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França: queijo Roquefort, queijo Brie e uvas

França: queijo Roquefort, queijo Brie e uvas

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EUA: hot dog e mostarda

EUA: hot dog e mostarda

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Espanha: paella e chorizo

Espanha: paella e chorizo

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China: pitaia (fruta do dragão) e carambola

China: pitaia (fruta do dragão) e carambola

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Austrália: torta de carne enfeitada

Austrália: torta de carne enfeitada

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Vietnã: rambutan, litchi e carambola

Vietnã: rambutan, litchi e carambola

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Reino Unido: scone, queijo cremoso e geleias

Reino Unido: scone, queijo cremoso e geleias

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Turquia: turkish delight (= locum)

Turquia: turkish delight (= locum)

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Suíça: carne defumada e queijo Emmenthal

Suíça: carne defumada e queijo Emmenthal

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Coreia do Sul: gimbap e molhos

Coreia do Sul: gimbap e molhos

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Brasil: folha de bananeira, limão galego, abacaxi e maracujá

Brasil: folha de bananeira, limão galego, abacaxi e maracujá

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Crédito das fotos: Diego González, editor do blogue Fronterasblog.com

Recolando os cacos

Cláudio Humberto (*)

O fim da baixaria
Diplomatas brasileiros comemoram, mundo afora, o fim da baixaria que marcou as viagens internacionais dos governos do PT.

As comitivas oficiais, de Lula ou de Dilma, tratavam os diplomatas como criados. E ainda deixavam para trás problemas para as embaixadas resolverem, como quando uma nora do ex-presidente Lula achou de meter na mala ricas toalhas e lençóis do hotel. Pagos, depois, pelo contribuinte, claro.

No exterior, a ex-presidente Dilma costumava humilhar diplomatas, referindo-se a eles com ironia até diante de próceres estrangeiros. Dilma abusava de diplomatas, como ocorreu em Londres e Oslo, ordenando até que lhe fritassem ovos caipiras, que sempre levava na bagagem.

Em hotéis de luxo, era frequente membros das comitivas presidenciais implicarem até com a mobília, exigindo sua troca. Sempre aos gritos.

rei-1As desculpas
Por orientação do presidente Michel Temer, o ministro Blairo Maggi (Agricultura) sepultou um impasse diplomático com o governo do Vietnã, que se arrastava desde 2013, provocado por uma grosseria da ex-presidente Dilma: ela cancelou de última hora uma audiência para receber Nguyen Phu Trong, herói do Vietnã e líder máximo do Partido Comunista, que veio ao Brasil sob a garantia de que seria recebido.

O episódio em Brasília representou grande humilhação para Nguyen Phu Trong e o Vietnã, que o tem como uma espécie de “semideus”. O Itamaraty divulgou a lorota de que o ex-chanceler Antonio Patriota foi a Hanoi pedir desculpas. Mas, se ele fez isso mesmo, de nada adiantou. Em visita real a Hanói, Blairo Maggi pediu desculpas e acabou homenageado por Nong Manh, sucessor de Nguyen Phu Trong.

Aliás, a situação do PT é tão ruim que faz lembrar a frase profética do saudoso jornalista Joelmir Beting, que há anos avisou: «O PT começou com presos políticos e vai terminar com políticos presos».

(*) Cláudio Humberto é jornalista. Publica coluna diária no Diário do Poder.

Até o Vietnã!

José Horta Manzano

Você sabia?

Vietnam 2Em superfície, o pequeno Vietnã, situado na península indochinesa, é o 64° entre os países. Para compensar, é densamente povoado. Com seus quase 90 milhões de habitantes, aparece classificado em 14° lugar.

Em meados do século 19, a França tomou conta da região e fez dela a colônia conhecida como Cochinchina(1). À custa de mais de 20 anos de luta, o território conseguiu se livrar dos franceses. Os acordos de independência foram assinados em 1954.

O sossego não teve vida longa. Dez anos depois, o país foi invadido pelos americanos, que tinham por objetivo barrar a ameaça comunista vinda da vizinha China. A guerra foi terrível e desigual. De um lado, estava o exército mais poderoso do planeta; do outro, viam-se combatentes de pés descalços.

É verdade que a China e a União Soviética deram sólido apoio. Mas há que se reconhecer o valor dos pequenos vietnamitas. Acabaram despachando os americanos de volta pra casa. A briga entrou para a história como a única guerra oficialmente perdida pelos EUA. Uma façanha!

Do país destroçado de quarenta anos atrás, surgiu um novo Vietnã à força de muito trabalho. Turismo, exportação de peixes, de crustáceos, de café e de outros produtos agrícolas formam hoje a base da receita. Já faz anos que o crescimento do PIB é superior a 5% ao ano.

Artigo do portal VietnamPlus de 4 jan° 2015 informa que o comércio com o Brasil movimentou 3 bilhões de dólares nos 11 primeiros meses de 2014. Prevê-se forte aumento para estes próximos anos.

O Vietnã exporta manufaturados ao Brasil: telefones celulares, fibras artificiais, sapatos, sandálias(!). Nossas exportações para aquele país constituem-se, essencialmente, de produtos agrícolas: milho, soja, tabaco, algodão.

Vietnã – arrozais escalonados nas montanhas do norte (arroz de banhado)

Vietnã – arrozais escalonados nas montanhas do norte
(arroz de banhado)

Parece-me paradoxal que um país com importante parque industrial como o Brasil tenha de importar celulares, sapatos e sandálias(!) do Vietnã. Parece que o mundo está de cabeça pra baixo. Nós é que deveríamos estar exportando esses produtos para eles.

Por que é que, em vez de saquear a Petrobrás, nossos governantes não se preocupam em apoiar e fomentar a pequena indústria brasileira? Por outro lado, como é possível que os mesmos elementos(2) continuem sendo sufragados, eleição após eleição? Será que a casa não vai cair um dia?

(1) Atenção! Não é Conchinchina. É Cochinchina – a letra o não é nasalizada. Pronuncia-se como se fosse Co-chinchina.
(2) No jargão policial, meliantes costumam ser designados como
elementos.

Por enquanto, não

José Horta Manzano

Mark Mobius é respeitado conselheiro e gestor de investimentos. Tem, sob sua guarda, respeitável carteira de 50 bilhões de dólares.

Estes dias, deu declarações ao Wall Street Journal sobre as oportunidades de investimento do momento. Suas palavras foram repercutidas por diversos sites de informação econômica, entre os quais o brasileiro Amanhã ― braço internet do grupo de comunicação homônimo, fundado há 30 anos e focado na Região Sul.

Mark Mobius

Mark Mobius

Como boas oportunidades atuais, Mr. Mobius aponta cinco economias ditas emergentes: Indonésia, Rússia, Vietnã, África do Sul e Brasil. Quanto a nosso país, o que ele diz não é original. Assim mesmo, não deixa de ser significativo que venha de pessoa tão considerada.

O conselheiro espera que as eleições de outubro tragam mudança ao comando do País. Constata que, à medida que a popularidade de nossa presidente desaba, o índice Bovespa sobe. A perspectiva de troca de chefia entusiasma o mercado.

Mobius acrescenta que, caso novo mandato seja recusado a dona Dilma & equipe, o ambiente estará mais propício para investimento e para negócios em nosso país.

Palavra de guru.

O chinês e os mapas

José Horta Manzano

Você sabia?

O chinês
Entre 1850 e os primeiros anos do século passado, a China viveu tempos confusos. A extensão do território e a precariedade dos meios de comunicação dificultavam o controle e a imposição da autoridade central.

China paintingO Japão e as potências europeias aproveitaram a desordem para tirar uma casquinha aqui e ali. Ao cabo da primeira guerra sino-japonesa, ganha pelo País do Sol Levante, a China teve de entregar Taiwan e outros arquipélagos que interessavam ao vencedor. Os ingleses obtiveram uma concessão de soberania por 99 anos sobre um naco de terra adjacente a Hong Kong.

A Rússia, a Alemanha, o Império Austro-Húngaro também se aproveitaram daqueles tempos para fazer valer seus interesses políticos e comerciais. Em 1911-1912, com o fim do regime imperial, foi proclamada a república. Mas muita água ainda teve de passar sob as pontes do Rio Yangtzé antes que o país se estabilizasse.

Em 1909, no ocaso do regime imperial chinês, o Brasil recebeu uma comitiva vinda do país oriental. Era encabeçada pelo príncipe Liu She-Shun, representante de Sua Majestade. O intuito da visita era duplo: buscava firmar acordos comerciais e ― principalmente ― tentava convencer o governo dos Estados Unidos do Brazil a aceitar imigração de mão de obra chinesa.

O senhor Liu, recebido com todas as honras devidas a tão ilustre visitante, esteve no Rio de Janeiro e em São Paulo. Nesta última cidade, deu uma passada pelos cartões postais de então, incluindo uma inevitável visita à Escola Normal ― orgulho do nascente magistério republicano. Foi saudado em francês, como se usava na época. E em francês respondeu.

Um ano antes da visita do príncipe, a primeira leva de imigrantes japoneses já havia aportado a Santos. Pode ter sido porque os japoneses estavam sendo bem avaliados por seus empregadores, pode também ter sido porque a instabilidade da China atrapalhava ― o fato é que o pleito do embaixador chinês gorou. Não se estabeleceu uma corrente contínua de imigração de chineses para o Brasil.

Os mapas
Era grande a cobiça que a China, desorganizada, despertava em potências estrangeiras. Os chineses se ressentiam da situação. Um exemplo é o mapa abaixo, onde países são representados por animais indesejados, cada qual carregando seu estandarte.

Mapa chinês alegórico Princípios do séc. XX

Mapa chinês alegórico
Princípios do séc. XX

As bandeiras são um tanto fantasiosas, assim mesmo dá para distinguir a Itália, Suíça, a Suécia, a Hungria. A águia americana aparece também.

Naqueles tempos, a península indochinesa ― aquela tripa de continente onde hoje estão o Vietnã, o Cambodja, o Laos ― era colônia francesa. No mapa, a França aparece simbolizada por uma rã assentada sobre a Indochina e prestes a agarrar a China. Por que uma rã? Porque os franceses são chamados frogs (=sapo) pelos ingleses. O apelido pejorativo vem do fato de os gauleses terem o surpreendente hábito de comer pernas arrancadas de rãs vivas. Para quem não está habituado, it’s really shocking, é chocante.

Para completar o capítulo geográfico, uma curiosidade. Cada um de nós sente que é o centro do universo. É natural, it’s human nature. Pois o mesmo ocorre com nações e países. Quando desenhamos um mapa-múndi, pomos o nosso país no centro e o resto em volta. Estamos acostumados a ver as Américas à esquerda, a Europa à direita e o Oceano Atlântico no meio. A China e o Japão quase caem do mapa.

Mapa-múndi chinês

Mapa-múndi chinês

Os chineses sofrem do mesmo mal. Sentem, eles também, que são o centro do mundo. Você já viu um planisfério chinês? Veja então a imagem abaixo. A China é localizada no meio do mapa. A Europa fica na extrema esquerda e as Américas se situam na extrema direita, com o Brasil quase caindo do mapa.

Mapa-múndi chinês

Mapa-múndi chinês

Cada um vê o mundo com seus óculos.

Salve-se quem puder

José Horta Manzano

Faz alguns dias, a França mandou suas tropas para o Mali.

Antes de ir mais adiante, vamos pôr as coisas claras: os habitantes do país lhe dão o nome de Mali (LÍ, com acento tônico na última sílaba). Ouvi dizer que locutores da televisão brasileira andam pronunciado Male, como se a palavra fosse paroxítona. Não me parece correto. Fico com Mali (LÍ). Afinal, quem deu o nome ao país não fomos nós.

Como todos sabem, a França e mais 26 parceiros integram um organismo supranacional chamado União Europeia, união cada vez mais estranha, em que cada um faz o que lhe apraz, no momento em que decide, da maneira que lhe parece mais conveniente, sem se preocupar com os outros sócios.

Desde que Shakespeare pôs na boca de seu Hamlet a celebérrima réplica “to be, or not to be: that’s the question”, a humanidade se deu conta de que não se pode ser e não ser ao mesmo tempo. A gente não se associa somente para as horas do bem-bom, para, em seguida, se fingir de morto quando o negócio azeda. Ultimamente, é assim que tem funcionado esta União. Desde que estourou a crise económica, já faz alguns anos, o clube navega à deriva, sem eira nem beira, tapando um buraco aqui e outro ali.

Na intervenção em terras africanas, o intuito declarado do governo francês é cortar na raiz a ameaça ― concreta ― de que terroristas fanáticos façam da região uma base, um refúgio. É uma opção militar forte, mas não destituída de lógica.

Em matéria de ingerência em países estrangeiros, há precedentes, alguns bem sucedidos, outros não.Marché commun

Nos anos 60, os EUA intervieram no distante Vietnã com o mesmo propósito. Acabou em desastre.

Canhões soviéticos calaram revoluções na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968). Conseguiram o que queriam. Tudo viria a desmoronar junto com o Muro de Berlim, anos mais tarde, mas essa já é uma outra história.

Há muitos e muitos outros exemplos de intromissão na casa dos outros. Mas cada caso é um caso, não vamos explorá-los todos neste espaço.

Voltando ao problema do Mali, os 26 parceiros da França ― falo dos demais membros da União Europeia ― já declararam que não enviarão reforço militar. Se Paris tomou essa decisão com desenvoltura e sem consultar os sócios, que siga seu caminho solitário até o fim.

Não discuto sobre a conveniência da decisão francesa. Soberano, seu governo fez o que achava que devia. O que me surpreende é o fato de a União, após mais de 50 anos de convivência, ainda ser incapaz de combinar antes de agir.

Cada dia fica mais claro que este agrupamento de países está perdendo sua razão de ser. Nascido de um consenso, vai aos poucos se esfiapando, como tecido mal alinhavado.

Não faz sentido expor ao resto do planeta uma falta de coesão tão profunda. Tudo isso acaba deixando uma impressão de desordem que não bate com a imagem de civilidade e de civilização que os 27 gostariam de exibir.

Ao fim e ao cabo, não sobra mais que uma confraria de comerciantes. Que fariam seus negócios de qualquer maneira, com tratados ou sem eles.