O pão e o brioche

José Horta Manzano

Revolution 1«Ils n’ont pas de pain? Qu’ils mangent donc des brioches!» Não têm pão? Que comam brioches!

A frase maldosa, que provavelmente nunca foi pronunciada, é atribuída a Marie-Antoinette, esposa do rei de França Luís XVI.

A rainha, de origem austríaca, era odiada pelo povo francês, que a chamava, com desdém, “a estrangeira”. Tanto ela quanto o marido foram precipitados à guilhotina, na esteira da Revolução Francesa.

O fato é que, naqueles tempos de monarquia absolutista, os do andar de cima viviam numa bolha, desconectados do povo. A população servia para fornecer combatentes para repetidas guerras. Fora isso, cada um que se virasse como pudesse.

Guardadas as devidas proporções, os altos círculos políticos do Brasil atual lembram a França pré-revolucionária do século XVIII. Basta atualizar alguns conceitos. Quer ver? Troque-se monarquia absolutista por desvario político. E substitua-se o termo ‘combatentes’ por ‘eleitores’. Pronto. Vamos reescrever a frase.

Manif 2Nestes tempos de desvario político, os do andar de cima vivem numa bolha, desconectados do povo. A população serve para pagar impostos e para votar nos candidatos “certos”. Fora disso, cada um que se vire como puder.

A frase de Marie-Antoinette também tem de ser atualizada. Fica assim: “Eles não têm escola, nem segurança, nem saúde? Que se contentem com a bolsa família!”

A fúria que se levantava contra a rainha francesa dois séculos atrás corresponde hoje à antipatia que cresce no povo brasileiro contra a presidente da República.

Guilhotina passou de moda, mas o futuro de nossa Marie-Antoinette tupiniquim não se apresenta sereno.

O soneto e a emenda

José Horta Manzano

Não fui o único a mostrar indignação quando nossa ínclita presidente, dias atrás, proclamou que «investigar não é função da imprensa». Analistas e outros brasileiros pensantes se alevantaram contra a enormidade.

Dona Dilma há de ter sentido o baque. Mas palavra dita, como flecha lançada, não se consegue recolher. Falou, tá falado ― diz o povo esperto. Restou a ela afirmar que burros somos nós, que não entendemos nada. «A imprensa pode investigar, claro! O que não pode é julgar» ― emendou madame, corrigindo a si mesma.

Disse isso sem se dar conta de que toda opinião traz necessariamente embutido um juízo de valor. Pode não ser judiciário ― nem teria cabimento ― mas sempre julgamento será. A mãe que se queixa com a vizinha sobre o mau comportamento do filho está emitindo juízo sobre a conduta do rebento. O jornalista, quando descobre um «malfeito» e anuncia que o mal está feito, está igualmente julgando.

Tonto 1Assim mesmo, foi um alívio saber que a inteligência continua no andar de cima. Fica mais uma vez provado que somos governados por gente esclarecida. Melhor assim. Durmam tranquilos, cidadãos, que estamos em boas mãos!

Tsk, tsk, brincadeira, gente! Esse pessoal que estendeu teia em Brasília e domou os escaninhos da administração federal não tem jeito. São primitivos. Enxergam o brasileiro como povo bronco e imaginam que tenhamos todos a mente embotada.

Costumam dizer o que lhes passa pelos débeis neurônios, na certeza de que, de qualquer maneira, quase ninguém vai entender. E os poucos que entenderem vão se calar porque têm interesse em que as coisas continuem como estão. Verdade ou não?

Não precisa responder. O silêncio é, às vezes, estridente.

Retorno de investimento

José Horta Manzano

Universidade de Salamanca

Universidade de Salamanca

A participação americana na Primeira Guerra marcou o début do país na cena internacional, até então dominada pelos grandes impérios europeus com destaque para Reino Unido e França.

Com sua intervenção decisiva na Segunda Guerra, os EUA reafirmaram sua preeminência bélica, econômica e política. Para que um ganhe, é preciso que outro perca ― assim funciona o mundo. À ascensão dos Estados Unidos, correspondeu forte degradação da influência dos impérios.

Como corolário ao aumento do prestígio dos EUA, a língua inglesa cresceu em importância. A projeção da língua francesa, que reinava solitária nos contactos diplomáticos e comerciais até o início do século XX, começou a definhar. E o inglês foi, pouco a pouco, tomando seu lugar.

Universidad Salamanca 1Os anos 1960 ― e a descolonização da África ― cuidaram de dar o golpe de graça na antiga preferência pelo francês. De lá pra cá, a língua inglesa se firmou como veículo de comunicação internacional em todas as áreas. Até no campo diplomático, onde, durante séculos, teria sido inimaginável exprimir-se em idioma que não fosse o francês. Nosso passaporte é um bom exemplo. Até os anos 1970, vinha escrito em português e em francês. Em seguida, o inglês forçou passagem.

Hoje em dia, o inglês é de facto a língua internacional. Quando duas pessoas não se entendem, é com naturalidade que recorrem ao inglês. No mundo atual, quem não conhece a língua dominante está arriscado a passar ao largo de muita coisa interessante. De tanto perder capítulos, periga não entender mais a novela.

Tudo o que eu disse aqui acima parece uma evidência, não é mesmo? Não para todos. Alguns anos atrás, a estreita franja ideológica ― um dos componentes da constelação de quereres que nos governa ― «detectou» declínio da potência americana.

Chapéu acadêmico

Chapéu acadêmico

Cheios de satisfação, nossos gurus profetizaram então que a língua inglesa sairia logo de cena. Era tremendo erro estratégico, mas a ignorância disseminada entre os medalhões do andar de cima fez que todos dessem de ombros e acatassem o raciocínio.

Ato contínuo, nosso messias anunciou que, daquele momento em diante, o ensino da língua espanhola seria privilegiado em detrimento do inglês. Quanta ingenuidade! Não se deram conta de que a potência americana não é o único sustentáculo da popularidade mundial da língua de Shakespeare. A simplicidade da gramática, a singeleza da conjugação verbal, a riqueza do vocabulário contam tanto (ou mais) que a força dos EUA para garantir ao inglês um longo reinado.

Equivocou-se quem apostou na derrocada da língua inglesa. Daqui a alguns anos, a juventude brasileira vai-se dar conta do logro. Mas nem tudo é perdido. Tem quem lucrou com essa trapalhada.

A Universidade de Salamanca (Espanha), uma das mais antigas do planeta, acaba de outorgar título de doutor honoris causa a nosso messias. Essa honraria é conferida por merecimento. A nosso antigo presidente, o colegiado de doutores de Salamanca atribuiu o mérito de ter contribuído para a educação da população brasileira(!). Em particular, foi levado em conta que, sob sua égide, foi implantado o ensino obrigatório da língua espanhola.

Interligne vertical 5Quod natura non dat, Salamantica non præstat.

O que a natureza não dá, Salamanca não empresta.

Refrão enunciado em latim. Sugere que, sem o talento natural, o estudo não tem nenhuma serventia. Quanto a mim, continuo acreditando que estudo faz muita falta.

O vinho da viúva

José Horta Manzano

Diga nosso antigo presidente (e eterno messias) o que quiser, a verdade é que a elite (ou zelite, como ele prefere) é composta por todos os que moram no andar de cima. O corolário é que todos os que moram no andar de cima compõem a zelite, quer admitam, quer não. Portanto, ele também, assim como seus companheiros, integram atualmente aquela confraria. Há os que entram pela porta principal, por sua erudição ou por algum outro mérito mais nobre. Há os que entram pela porta dos fundos, por meios menos sublimes.

Veuve Clicquot Ponsardin Millésime 2004

Veuve Clicquot Ponsardin
Millésime 2004

Como definir o andar de cima? É o nome genérico que se costuma dar aos que mandam, aos que detêm poder sobre os demais. Ali vivem políticos importantes, gente muito rica, grandes empresários, componentes do Congresso e do STF, mandachuvas de grandes autarquias, de estatais e de paraestatais. Até alguns prefeitos passam a morar no andar de cima, com a condição de estarem à frente de município importante. Quanto ao prefeito de São Nicodemo do Brejo, sinto decepcioná-lo, ainda vive no porão.

Quem parte, reparte e não fica com a melhor parte ou é bobo ou não tem arte. Leis, normas, regulamentos, decretos são editados pelos de cima. São eles os que tomam as decisões que afetam a vida de todos os habitantes do País. Subterfúgios e chicanas também são fabricados pelas mesmas zelites. Nunca se sabe, podem até servir.

Caviar

Caviar

Pelas informações que tenho colhido na imprensa, a Ação Penal 470, a do mensalão, é novela com muitos capítulos por vir. Faz sentido. Desde sempre, as leis ― e suas modalidades de aplicação ― foram costuradas pela zelite. Como qualquer um pode facilmente compreender, o legislador sempre cuidou de deixar, para seu uso eventual, válvulas de segurança, brechas de escape, vias de contorno. Detenção em cela especial e direito a foro especial estão entre os privilégios que a zelite reservou para si. O ladrão de galinhas não tem chance nenhuma de usufruir esses direitos.

De um determinado patamar social para cima, não é tanto a gravidade do crime que conta, mas o degrau em que se encontra o criminoso. Li outro dia que um pobre bugre havia sido «esquecido» na prisão. A anomalia só foi descoberta vários anos depois de o infeliz haver purgado sua pena. Fato inimaginável para um condenado provindo da zelite.

Veuve Clicquot La grande dame

Veuve Clicquot
La grande dame

Colunistas e comentaristas da imprensa começam a vaticinar que o mensalão vai acabar em pizza. Que as chicanas interpostas por advogados ― amiúde remunerados com dinheiro que um dia foi nosso ― vão conseguir protelar a decisão final até que alguns crimes prescrevam, o que livrará todos os condenados da prisão fechada.

Pizza? Isso é comida de pobre. Pizza e cachorro-quente, que combinam com cachaça e tubaína, podem até cair bem em banquetes do populacho. Os agapes de nossa zelite merecem mais. Essa novela vai terminar em caviar do Mar Cáspio. Regado a Veuve Clicquot Ponsardin, millésime 2004 ― uma das safras de champã mais disputadas do mercado.

Como é bom fazer festa com dinheiro alheio, não?

O Brasil e a Idade Média

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense em 3 de agosto de 2013

A História não se repete. Acontecimentos novos podem até evocar situações passadas, mas cada caso é um caso.

Em novembro de 1923, um punhado de indivíduos se reuniram numa cervejaria de Munique para encenar o que lhes parecia o ato final de um rocambolesco plano de tomada do Estado alemão pela força. O golpe foi um rotundo fracasso. Vistos como loucos mansos, os cabeças, presos e processados, foram condenados a penas leves. Quis o destino que, dez anos mais tarde, o chefe da malta, um certo Adolf Hitler, fosse içado ao posto máximo da nação. O resto da história todos conhecem.

Nos primeiros anos do século XX, um jovem italiano, violento e rebelde, fugiu de seu país e ganhou a Suíça. Más línguas afirmam que era para escapar do serviço militar. Em território helvético, o moço turbulento continuou fazendo das suas. Rebelde e arruaceiro, viveu de expedientes e chegou até a ser preso por vadiagem. Voltou à Itália em 1904. Quis o destino que, dezoito anos e muitas peripécias mais tarde, nosso impetuoso anarco-sociossindicalista ― Benito Mussolini era seu nome ― se visse alçado à função de chefe do governo. Sabem todos o que veio depois.

Caravela portuguesa

Caravela portuguesa

A tentativa de tomada do quartel cubano de Moncada, levada a cabo em 1953 por uma turma de jovens iluminados, todos no vigor de seus 30 anos, foi um desastre total. Prisão, tortura, degredo dos rebeldes remanescentes foi o resultado. Naquele momento, ninguém imaginou que o chefe do grupo, um certo Fidel Castro, havia de se tornar senhor absoluto do país 6 anos mais tarde. Os capítulos seguintes são conhecidos.

Faz pouco mais de um mês, o Brasil foi palco de um fenômeno desconcertante. Dirigentes boquiabertos assistiram a passeatas espontâneas formadas por gente comum. Não eram revolucionários nem putschistas. Não pretendiam derrubar o regime, muito menos tomar o poder. Não eram movidos por ideologia. Não carregavam armas. À exceção de grupelhos insignificantes de energúmenos imbecis, protestaram pacificamente.

Agora sossegaram. Mas que ninguém se engane: os acontecimentos de junho foram um divisor de águas. Daqui a um século, baixada a poeira, a História dará a 2013 a mesma importância que dá hoje a 1822 ou 1889. A sagacidade caseira do inefável Conselheiro Acácio ensina que as consequências, naturalmente, vêm sempre depois.

O brasileiro é um povo de sorte. No espaço de pouco mais de 10 anos, teve duas ocasiões de dar um salto à frente, na boa direção. A primeira foi quando Lula da Silva chegou ao posto máximo da República. Dono de apoio quase unânime do povo e de seus representantes, não lhe teria sido difícil impor as reformas indispensáveis para curar a esquizofrenia do País. Pareceu a todos que, finalmente, o Brasil deixaria de ter um pé na modernidade e outro ancorado na Idade Média.

Estava na hora de banir traços antediluvianos tais como o paternalismo, o nepotismo, o cartorialismo, o rigor reservado ao vulgo enquanto privilegiados são tratados com leniência. Queríamos todos ver desaparecer a desigualdade entre os do andar de cima e os do andar de baixo. Queríamos ver o fim de anacronismos que não combinam com o mundo civilizado.

Desgraçadamente, nenhuma reforma radical foi empreendida que acelerasse nosso processo civilizatório. Os donos do poder agiram como o cirurgião que anestesia o paciente mas esquece de operá-lo. Ninaram o povo com doces sonhos de grandeza, mas não se deram ao trabalho de eliminar os tumores que minam a sociedade. Entre mercurocromo e curativos, descuraram-se de servir ao povo. Usaram a arraia-miúda como massa de manobra e, insolentes, dela se serviram. Os protestos são a prova patente da ineficiência e do fracasso da atual maneira de governar.

Castelo medieval

Castelo medieval

Mas temos sorte. Diferentemente de Alemanha, Itália e Cuba, temos uma segunda chance. Nossa «revolução» não tem cabeças nem porta-bandeiras. Não prenuncia episódios violentos nem sangrentos. As demandas do povo brasileiro, a anos-luz da luta de classes, não são ideológicas, nem sectárias, nem elitistas, nem sindicais.

Medidas pontuais podem gerar alguma curta trégua, mas não resolverão o problema. O brasileiro, farto de que lhe zombem das fuças, quer ser tratado com dignidade. Plebiscitos e referendos não condizem com a situação atual. O povo já disse o que quer. Do governo, não se espera que faça mais perguntas, mas que dê as respostas que esperamos todos. E logo.

O governo que se dizia «popular», no fundo, não o era. Popular é o movimento que a todos surpreendeu, essa energia espontânea e sem lideranças. Estamos vivendo o começo do fim do Brasil medieval.

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O Ipiranga 2

José Horta Manzano

Aos amigos que leram meu artigo de ontem ― O Ipiranga ―, explico que o de hoje é continuação do anterior. Aos que pularam o capítulo, peço que comecem por ler o de 12 de março. É a melhor maneira de se inteirarem do assunto.

.:oOo:.

O caso do ciclista mutilado provocou comoção nacional. É justo e compreensível. Mas cuidado! Não vamos deixar que o estupor nos leve a clamar por um governo autoritário.

Este não é um blogue que propague o cerceamento das liberdades garantidas. As leis maiores já estão aí, não faz muita falta criar mais. Meu sonho é que um dia ― talvez ainda longínquo, admito ― nossas leis sejam de fato cumpridas. Que o Brasil se torne um país civilizado.

Os brasileiros, nascidos e criados em território de povoamento relativamente recente, carecem dolorosamente do sentimento de pertencimento a uma comunidade. Mas não exageremos: nada é inteiramente negativo, nem nada é totalmente positivo.Bicicleta

O fato de nosso País ter sido formado por diferentes correntes de população tem seu lado bom. Levas de gente trazida à força da África, coletividades indígenas que já aqui estavam, bandos de aventureiros e de idealistas, torrentes de vítimas de perseguição, multidões de fugitivos da fome, grupos de imigrantes miseráveis, enfim, gentes de todos os quadrantes estão tentando construir a nação brasileira.

Nação? Chegaremos lá um dia, mas falta um pedaço de caminho. Tudo ainda está muito heterogêneo, há que dar tempo ao tempo e deixar que o caldo engrosse. O feijão ainda está meio cru, muito ralo. Falta cozinhar. Vamos precisar de muito tempo para amenizar as marcas inauguradas pela partilha do território entre os amigos do rei e aprofundadas pelo regime escravagista que vigorou durante 300 anos.

A doação de imensos territórios feita pelo monarca de Portugal a seus mais chegados é hoje objeto de breve menção na escola elementar. Quanto à segmentação da população entre escravos e cidadãos livres, essa terminou num 13 de maio, faz 125 anos. Essa é a História oficial mas, como diria o outro, na prática, a teoria é outra. Não há «discriminação positiva» nem sistema de quotas capaz de mudar mentalidades da noite para o dia.

Os brasileiros ― que isso nos agrade ou não ― dividem-se em duas categorias nítidas: os que mandam e os que são mandados. Se preferirem uma metáfora, há os que habitam no andar de cima e o resto, os do andar de baixo. Repito: constitucionalmente, somos todos iguais, mas o dia a dia se encarrega de escancarar a realidade. Alguns são mais iguais que outros.

.:oOo:.

Os jornais de terça-feira 12 de março trouxeram a continuação do caso do ciclista atropelado, uma das ocorrências mais repugnantes de que tenho ouvido falar.

Que se instalem «ciclovias» e «ciclofaixas» somente em ruas menores! Essa foi a solução encontrada pelo prefeito do município mais populoso e mais rico do País. Poxa, que perspicácia, gente! Como é que ninguém pensou nisso antes? Se os ciclistas circularem somente por «ruas menores», não encontrarão mais motoristas bêbados e, por conseguinte, não terão seus membros decepados e atirados ao esgoto. Ah, como seria bela a vida se todas as ruas fossem «menores». Se simploriedade desse cadeia…

Pensam que estou brincando? Pois comprovem aqui.

Riacho Ipiranga, São Paulo

Riacho Ipiranga, São Paulo

O Estadão traz a declaração de «um dos advogados» do acusado ― sinal de que são vários ― segundo o qual a família do jovem criminoso estaria sendo ameaçada. Se for verdade, está aí outro sinal de que ainda é longo o caminho até chegarmos a um grau aceitável de civilização. O Direito Romano, dois milênios atrás, já consagrava o princípio da individualidade da culpa. Por pior que possa ter sido a influência da família, o culpado é o autor do delito. Alguns brasileiros ainda não captaram o ensinamento.

Por acaso, um outro causídico casual já se apresentou à mãe do atropelado e se propôs a assegurar a defesa de seus interesses. A senhora, atordoada pelo que aconteceu ao filho, ainda não sabe o que fazer.

Tudo indica que o acusado pertence ao andar de cima. Sua equipe de advogados saberá valer-se de todas as chicanas que nossa legislação oferece para tirá-lo rapidinho da cadeia e para protelar o julgamento. Daqui a alguns anos, quando e se o processo tiver lugar, não me espantaria que o jovem fosse apenas condenado a pagar algumas cestas-básicas. Seu verdadeiro castigo será o peso desse braço. Será obrigado a arrastá-lo até seu último suspiro.

Já o ciclista é morador do andar de baixo. É pobre e, como convém dizer hoje, euro-afrodescendente. Uma campanha foi lançada no facebook para arrecadar fundos para a compra de um braço mecânico para o infeliz.

Uma pergunta me atormenta: a quantos braços mecânicos equivalem os honorários de um advogado criminalista?