Profissão de fé

José Horta Manzano

A crer no que predizem as pesquisas eleitorais, já estamos nos encaminhando para o segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Num momento em que nem se sabe direito quem serão os candidatos, já se discute a decisão entre os dois finalistas. As sondagens já asseguram que Lula e Bolsonaro formam o duo vitorioso.

Sob um olhar céptico, está aí um bom caminho pra economizar e pra ganhar tempo. Passa-se por cima de prévias partidárias, de campanha, de horário eleitoral (dito) gratuito. Brasileiros terão de comparecer uma só vez atrás do biombo de papelão para teclar o número do preferido. Um ganho não desprezível! Feliz ou infelizmente, não é assim que funciona.

Entre as nações civilizadas e democráticas, o Brasil é uma das poucas em que eleitores votam no escuro. «No escuro? Como assim?» ‒ há de perguntar o distinto leitor. Pois explico. Em países avançados, é costume cada candidato a cargo majoritário apresentar programa claro e detalhado do que pretende fazer. Cada um expõe seu projeto de governo.

Na França, por exemplo, esse elenco de intenções se chama «profession de foi» ‒ profissão de fé. Trata-se de aclaração das principais medidas que o candidato se compromete a tomar caso seja eleito. Ao votar, os eleitores têm boa noção do pensamento do postulante e da direção que pretende imprimir ao mandato. A “profissão de fé” de cada concorrente é enviada por correio a todos os lares do país. Geralmente, inclui os pontos principais. Eleitores são convidados a visitar o site oficial do candidato para tomar conhecimento das propostas em formato integral.

Aqui abaixo, para dar-lhes uma ideia, reproduzo o resumo das intenções exprimidas por Emmanuel Macron, justamente aquele que acabou eleito para a presidência.

“Profissão de fé” do então candidato Macron

No Brasil, candidatos são mais reticentes. Jogam uma ideia aqui, um conceito ali, um projeto acolá, mas têm dificuldade em reunir declarações esparsas num todo coerente. Em geral, preferem frases de efeito e expressões vagas que não os comprometam. No passado, quando metade da população era analfabeta, não fazia sentido botar programa por escrito ‒ poucos leriam até o fim. Hoje, a paisagem mudou.

Nos últimos sessenta anos, duas cartas de intenções marcaram nossa história: o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e a Carta aos Brasileiros do Lula. Note-se que tanto o Lula quanto Juscelino foram eleitos. No fundo, nem brasileiro nem ninguém gosta de votar no escuro.

Se eu fosse candidato, trataria de pôr ideias em ordem e alinhavar rapidinho uma «profissão de fé». Eleitor brasileiro não é tão burro quanto supõem alguns. O problema é que, na falta de conhecer em detalhe o projeto de cada um, acabam por se deixar levar pela propaganda marqueteira. A (desastrosa) eleição da doutora é a prova contundente. Que nos sirva de lição.

As vantagens que a idade traz

José Horta Manzano

Você sabia?

Há quem acredite que, para vencer uma eleição majoritária organizada em dois turnos, é necessário obter 51% dos votos. Meus esclarecidos leitores sabem que não é exatamente assim.

Na verdade, basta obter 50% dos votos mais um, computados apenas os votos válidos. E o que vêm a ser votos válidos? Ora, toma-se o total de votos exprimidos, eliminam-se os nulos e os neutros (em branco). Restam os votos válidos.

Crédito: BlogdoJardsonMadeira

Crédito: BlogdoJardsonMadeira

Mas essa história de 50% mais um ― será que é verdade mesmo? Quase, minha gente, quase. A afirmação é válida somente no caso de o total de votos válidos dar número par. Se o total for ímpar, o candidato que, teoricamente, obtiver «meio voto» a mais leva a taça.

Ajuizadamente, a Constituição Federal de 1988 determina que ganhará a parada o concorrente que reunir maioria absoluta dos votos válidos, ou seja, mais que a metade deles. Pronto, assim fica claro.

Precavido, o legislador chegou a imaginar uma situação que, conquanto pouco provável, é assim mesmo possível: um empate entre os dois finalistas. E aí, como é que fica? O Parágrafo 5° do Artigo 77 da Constituição tira a teima: o mais idoso se elege.

Sobra ainda a possibilidade estatística ― pouco provável, mas não absurda ― de os dois concorrentes terem nascido no mesmo dia e na mesma hora. Essa eventualidade não está prevista. Afinal, ninguém é de ferro. Na hora, a gente vê o que faz.