Yes, nós temos apupos!

José Horta Manzano

Por artes da defasagem de fuso horário, não me foi possível assistir ao vivo à cerimônia de abertura dos Jogos Paraolímpicos ‒ caía de madrugada. Usei a função ‘repetir’ da tevê (em português: replay) e pronto. Viva a modernidade. Pra quem conheceu televisão em preto em branco com antena interna em forma de V reforçada com um chumaço de bombril, é um avanço.

Foi bonita a festa. Simplesinha, sem magnificência, sem maiores pretensões, mas pra lá de emocionante. As Paraolimpíadas, aliás, são mais comoventes do que os jogos tradicionais, que só mostram grandes esportistas. Adivinha-se, por detrás do desempenho de cada atleta paraolímpico, um esforço sobre-humano e uma determinação obstinada. Todos eles dão belíssimo exemplo de superação de si. Só por isso, merecem todos uma medalha.

jo-2016-9Já dizia o jornalista, escritor e dramaturgo pernambucano Nélson Falcão Rodrigues (1912-1980) que, no Maracanã, «vaia-se até minuto de silêncio». O autor da frase ia mais longe. Acrescentava que, por inacreditável que parecesse, se vaiava «até mulher nua.» Mas isso já são outros quinhentos.

Lá pelas tantas, na cerimônia de abertura, o presidente do Comitê Olímpico nacional agradeceu a uma batelada de gente, como é praxe nessas horas. No meio dos benfeitores, disse obrigado a um genérico «governo». Foi a conta. Sem que fosse mencionado nem nome nem cargo, vaias bem vigorosas desceram das arquibancadas.

Quando o presidente da República declarou abertos os Jogos, então, o estádio veio abaixo. É da democracia, sem dúvida, e já se esperava. Mas acho que deviam dar algumas semanas de trégua ao homem. Afinal, acaba de assumir as funções. É cedo pra tirar um balanço.

vaia-3Senhor Temer não é a primeira vítima da irreverência que carioca costuma exprimir no estádio maior. Antes dele, nosso guia experimentou o gostinho amargo dos apupos. Foi na abertura dos Jogos Panamericanos de 2007, uma época em que o demiurgo era visto como semideus. O baque, naquele instante, foi pesado.

Hoje, já se sabia que Temer ‒ ou quem aparecesse em seu lugar no Maracanã ‒ seria assobiado. O Lula, em 2007, estava longe de esperar acolhida tão hostil. Há de ter levado um tremendo choque. Nem sei se, depois daquele dia, voltou a pôr os pés no Maracanã. Estivesse ele ainda na presidência, não tenho certeza de que ousaria declarar a abertura dos JOs.

Quanto à doutora Dilma, de tão impopular, conseguiu ser apupada (e xingada) até num estádio paulista. Foi em 2014, durante a Copa do Mundo ‒ uma façanha! Vai longe o tempo em que Getúlio, quando aparecia em público e bradava seu «Trabalhadores do Brasil!» era freneticamente aplaudido.

jo-2016-10O que é que mudou de lá pra cá? Dirigentes serão hoje piores que os de antigamente? Talvez, mas isso não explica tanta animosidade latente, sempre prestes a explodir, Acredito que a razão principal é que hoje se tem conhecimento mais amplo do que acontece. Alfabetização mais abrangente, internet e redes sociais deram o pontapé inicial para grandes transformações. O que vemos hoje é só o começo. Quem viver verá.

Pra terminar, outra do Nélson Rodrigues:
«No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.»

Alfabetização

José Horta Manzano

Artigo do Estadão deste 11 jul° 2015.

Estadão, 11 jul° 2015

Estadão, 11 jul° 2015

Estamos voltando aos tempos do Jeca Tatu em marcha acelerada. É a Pátria Educadora em ação.

Coincidência de eleições

José Horta Manzano

by Felipe Parucci, desenhista catarinense

by Felipe Parucci, desenhista catarinense

Como de costume, as grandes decisões – aquelas que realmente pesam e modelam o futuro do País – vêm a varejo, pingando, aos pedacinhos. Tradicionalmente, a atitude de nossos legisladores e dirigentes é reativa, raramente proativa. Estamos sempre correndo atrás do bonde da história. Parece que somos incapazes de produzir uma peça acabada, coerente, abrangente, com começo, meio e fim.

Temos agora parlamentares discutindo reforma política como se se tratasse de reforma de casa de campo. Não é. Reforma política tem de ser analisada de cabo a rabo e tratada como um conjunto. Exige tempo e muita reflexão. Tem de começar pelo começo: parlamentarismo ou presidencialismo?

Voto 1Já estamos tratando de coincidência de mandatos sem ao menos ter definido qual será o formato do regime. Puseram a carroça à frente dos bois. Enfim, já que o assunto do momento é frequência de eleições, vamos lá.

Democracia não é uma evidência. O natural de todo grupo humano – vale também para grupo de animais – é ter um chefe imposto pela força bruta. Quem pode mais, manda. Artificial, a democracia é conceito relativamente recente. Como toda novidade, tem de ser aprendida. E aprendizado, como sabem meus distintos leitores, se faz pela repetição. Quanto mais treino, melhor.

Voto 2O exercício do voto é como cartilha de alfabetização: quanto mais repetida, repassada e repisada for, mais resultados produzirá. A coincidência de mandatos é a negação desse aprendizado. O intervalo entre eleições tem de ser o menor possível. No mínimo, um voto por ano tem de ser organizado.

Urna 7Como fazê-lo? Cabe ao legislador decidir. Voto frequente, além de habituar o eleitor a participar do processo de escolha, tem a vantagem de servir como “recall”, como mecanismo de correção de rota. Partidos caídos em desgraça serão menos votados. Representantes que tiverem decepcionado a população serão despachados de volta pra casa e substituídos.

Dizem alguns que custa caro realizar eleição. Discordo. A longo prazo, sai bem mais caro suportar as consequências da não participação da população no processo de escolha de dirigentes. Afasta os liderados de seus líderes. Aliena, entorpece e embota.