Panela no fogo, barriga vazia

José Horta Manzano

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Venezuela? Cuba? Iraque? Coreia do Norte? Não, minha gente. É França, sim senhor. As fotos, tiradas hoje, mostram gôndolas de um supermercado do interior do país, a mais de 500km de Paris, em estado de desesperador desabastecimento, especialmente nesta época de festas.

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A penúria de mercadorias é consequência dos distúrbios causados pelos protestos dos gilets jaunes ‒ coletes amarelos. As arruaças mais importantes e mais violentas aconteceram em Paris. No entanto, em virtude do bloqueio que os manifestantes promovem a centros de distribuição de mercadorias, o abastecimento do país inteiro está prejudicado.

Gilet jaune

Por que será que o movimento escolheu o colete amarelo como símbolo? E como é possível que, de repente, milhares de pessoas tirem do guarda-roupa coletes ‒ todos da mesma cor e mesmo modelo?

A resposta é simples. Na França, é obrigatório ter no automóvel, em permanência, essa peça de vestuário. É pra ser usado quando o carro enguiça e a gente tem de parar na beira da estrada e sair do veículo. Os coletes são amarelos e fosforescentes. Todos os automobilistas têm.

O ovo da serpente

José Horta Manzano

Interligne vertical 14«And therefore think him as a serpent’s egg which, hatched, would, as his kind, grow mischievous, and kill him in the shell.»

«Então consideremo-lo um ovo de serpente que, eclodido, se tornaria perigoso como seus semelhantes e matemo-lo no ovo.»

A réplica que Shakespeare põe na boca de Brutus, na tragédia Júlio César, talvez seja demasiado excelsa para combinar com o assunto de hoje. Vou falar de ovo, mas vamos esquecer Shakespeare.

Assustado com o estrago que a revelação do gigantesco assalto à Petrobrás está causando, nosso guia sente que o controle da situação lhe escapa. Súditos outrora fiéis e submissos adquiriram vida própria e já não seguem mais o mestre. Extasiados pela riqueza fácil, lambuzaram-se e foram apanhados em flagrante com a mão no pote de mel. Um desastre.

Abusando de sua conhecida «quase-lógica», o antigo presidente estrelou, ladeado por meia dúzia de devotos, um ato em que clama pela «defesa da Petrobrás». Menos, excelência, menos!

É tarde. Havia que defendê-la antes do assalto. Agora, que a porta foi arrombada e o baú saqueado, atos de desagravo não têm mais alcance.

Manif RioLula, Dilma e todos os companheiros passarão. Mais dia, menos dia, nos iremos todos – ninguém vai ficar pra semente. A Petrobrás, ela sim, sobreviverá. Durante anos vai atravessar inferno astral. Vai amargar a desconfiança do mercado, perdendo, assim, o bem mais precioso de que dispunha: a credibilidade. Ou o distinto leitor arriscaria seu peculiozinho em ações da petroleira nacional?

Para reforçar a imagem « popular » do evento, partidários de Lula convocaram a militância. Vieram todos raivosos, uniformizados de vermelho, caracterizando assim a espontaneidade da presença.

Segundo informa a Folha de São Paulo, um grupo não cooptado passava pelo local. Pediam a saída da presidente da República. Os de vermelho não apreciaram. E que fizeram? Atiraram ovos nos de verde-amarelo.

Longe de mim imaginar que tenham trazido ovos de caso pensado. Certamente, no calor do momento, se abasteceram numa quitanda próxima. Distribuíram ovos, socos e pontapés. Em defesa da Petrobrás.

Comparecimento imediato

José Horta Manzano

Você sabia?

No Brasil, quem sai fora da linha não arrisca muito. Tendo um bom advogado e alguma folga financeira, aí então é moleza. Na falta de dinheiro, o apoio de uma ong qualquer também funciona.

Habeas corpus, prisão domiciliar, regime semiaberto, recursos, chicanas, entrevistas à mídia, protestos, faixas, passeatas contam-se aos montes. Até pedido de asilo político em consulado do Uruguai anda na moda. Cadeia é mesmo só pra pobre desdentado. Gente fina sempre dá um jeito.

Em outras partes do mundo, a coisa não funciona exatamente assim, que lugar adequado para quem afronta a lei é cadeia.

Um grupo havia solicitado à polícia francesa autorização para organizar uma manifestação em solidariedade com o povo palestino. As autoridades não deram permissão. Os manifestantes resolveram passar por cima e sair em passeata assim mesmo. Foi em Sarcelles, arredores de Paris, domingo passado.

Manif 2O que tinha de acontecer, aconteceu. Elementos perturbadores infiltraram-se na passeata e transformaram o cortejo pacífico em manifestação violenta. Vitrinas quebradas, lojas saqueadas, degradação de patrimônio público.

Tivesse ocorrido em nosso País, teria dado em nada. Ultimamente, os deveres andam meio esquecidos ― só valem os direitos. A expressão violenta da opinião de uns poucos tem prioridade sobre o direito à paz e à tranquilidade de que a esmagadora maioria de cidadãos deveria poder gozar.

Na França, tem disso não. A polícia deteve 18 arruaceiros. Foram divididos em grupos, conforme o delito cometido. Os primeiros foram apresentados à Justiça num procedimento dito de comparution immédiate ― comparecimento imediato. Essa fórmula é frequentemente utilizada em caso de pequenos crimes.

Os quatro primeiros foram julgados e condenados já na terça-feira, dois dias depois do tumulto. Três deles pegaram pena de dez meses de prisão ― os quatro primeiros meses em regime fechado e os seis últimos no semiaberto.

Não há consulado do Uruguai em Sarcelles. Nem que houvesse, não adiantaria nada. Preso político é uma coisa, baderneiro é outra.

Lavoisier

José Horta Manzano

«Rien ne se perd, rien ne se crée, tout se transforme». Costuma-se atribuir a Antoine Laurent de Lavoisier, cientista parisiense do séc. XVIII, a adaptação francesa de máxima formulada, mais de um milênio antes dele, pelo filósofo grego Anaxágoras.

Seja como for, taí uma verdade incontestável: nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Protestos já havia na Grécia conturbada de Anaxágoras e na França pra lá de tumultuada de Lavoisier. Há que lembrar que o infeliz químico francês terminou seus dias na guilhotina.

Dado que é impossível satisfazer a todos, descontentamento sempre houve e sempre haverá. O que muda, eventualmente, é a maneira de exprimir desagrado. Pode ir de uma praga rogada em silêncio até um golpe de Estado com exército e canhões.

O Brasil anda meio pasmo com a ressurgência de manifestações de protesto. É compreensível. Os que hoje travam batalha contra policiais não haviam nascido quando as últimas manifestações vigorosas tiveram lugar no Brasil, no fim da Era Collor.

Passeatas que degeneram estão longe de ser particularidade brasileira. Como prova, estão aí as atualíssimas manifestações populares venezuelanas, bem mais mortíferas que as tupiniquins.

Até a pacífica Suíça ― espante-se o senhor e a senhora ― tem escaramuças episódicas. As últimas aconteceram em novembro de 2009. Foi quando o bando autodenominado «Black Blocs» decidiu promover manifesto, em Genebra, contra a OMC.

Genebra, 28 nov° 2009 Quebra-quebra promovido por blocos pretos

Genebra, 28 nov° 2009
Quebra-quebra promovido por “blocos pretos”   –   Clique sobre a imagem para assistir

Acho curioso que quadrilhas protestem contra a Organização Mundial do Comércio, um fórum onde o mundo se reúne justamente para dialogar. Que se combatam decisões autoritárias, posso entender. Hostilizar concertações civilizadas parece-me despropositado. Mas assim acontece, infelizmente.

No sábado 28 nov° 2009, Genebra assistiu a cenas de deixar qualquer integrante do bloco preto brasileiro babando de inveja. Que clique aqui quem quiser ter uma ideia do que aconteceu aquele dia.

E sabem qual foi a consequência? Nenhuma, absolutamente nenhuma! A OMC continua lá fazendo o que sempre fez. Se eu fosse integrante de algum bloco preto, me sentiria desapontado. A não ser…

… a não ser que estejam fazendo arruaça pelo simples prazer de fazer arruaça. Sei não, algo me diz que a hipótese da bagunça pela bagunça não está longe da verdade.

Frase do dia — 105

«Não somos cordiais, somos cruéis, e é bom que o mundo se cuide a nosso respeito.»

Ruy Castro, escritor e jornalista, em sua coluna da Folha de São Paulo.
O articulista refere-se às arruaças que desocupados, instrumentalizados por interesses vários, vêm promovendo de uns tempos pra cá.

Rapidinha 13

José Horta Manzano

No caso do infeliz jornalista assassinado no exercício de sua função, tenho observado o jogo de empurra.

Quem comprou o rojão? Quem o carregou até o local da arruaça? Quem pegou, quem tocou, quem relou nele? Quem acendeu o pavio? Quem o lançou?

Essa agitação pra jogar a batata quente no colo do outro me fez lembrar de velho (e sábio) ditado lusitano:

«Tanto é ladrão o que vai à vinha como o que fica à porta».

Permito-me incluir quem indicou o caminho da vinha, quem incentivou, quem forneceu a sacola, quem emprestou a tesoura, quem assistiu a tudo e nada disse, quem aplaudiu. E quem comeu as uvas. E, naturalmente, quem pagou os 150 reais.