José Horta Manzano
Num tempo em que ainda não havia proteção social para idosos, cada um tinha de se virar como podia. No tempo de nossos avós era assim. Lembro-me que minha avó, por exemplo, trabalhou até idade avançada ‒ pelos padrões da época. Não recebia salário elevado, assim mesmo tinha desconto de imposto em folha. Costumava reclamar: «Não tenho renda, vivo de ordenado. Como é que tenho de pagar imposto de renda?».
A questão é semântica. No entendimento dos antigos, quando alguém dizia que «vivia de renda» entendia-se que vivesse de rendimento imobiliário. «Comprar casa para renda» era a expressão usual, hoje substituída por «comprar casa para alugar». Assim, é natural que a velhinha se insurgisse contra um imposto que acreditava não lhe dizer respeito.
O nome da contribuição obrigatória foi mal escolhido. Visto que se aplica tanto a quem tem renda quanto a quem vive de salário, devia ser chamado imposto sobre ganhos, que corresponde ao inglês «income tax», ao francês «impôt sur le revenu» ou ao alemão «Einkommenssteuer». Seria mais adequado. Imposto sobre o que se recebe.
Valendo-se dessa imprecisão semântica, nosso guia não hesitou em vociferar mais uma de suas quase-verdades. Em discurso pronunciado ontem, bradou que «o povo não deve pagar imposto de renda, pois salário não é renda». Não explicitou se estava reclamando do fato em si ou apenas da denominação. Estaria pedindo que não se cobrasse mais imposto de assalariados? Ou estaria somente sugerindo que se alterasse o nome do imposto?
Pouco importa. De qualquer maneira, o que diz nosso demiurgo não é necessariamente digno de fé. O homem já se desdisse tantas vezes, que é melhor ficar com um pé atrás. O que o ex-metalúrgico evitou dizer é que, para manter o país em funcionamento, o governo precisa de dinheiro. E esse dinheiro só pode vir dos contribuintes.
Se os assalariados fossem isentos de contribuir com imposto direto, o financiamento da máquina estatal teria de vir através de brutal aumento de impostos indiretos, embutidos no preço do arroz, do feijão, da farinha, dos medicamentos, do bilhete de transporte. Se isso acontecesse, seria ainda pior para quem ganha pouco. Para pequenos assalariados, o peso da alimentação no orçamento é predominante.
Há mais de trinta anos, nosso guia tem vida fácil: mora de graça, viaja de graça, come de graça, bebe de graça, se diverte de graça, se elege sem pôr a mão no bolso. Sua visão de mundo está distorcida e longe da realidade. Sua infância pobre e apertada já se perde nas brumas do passado. Não se dá conta de que é pernicioso reforçar a ideia de que cidadãos não são obrigados a contribuir, cada um na medida de suas posses, para o bem comum. Essa pregação, que acentua e banaliza a noção de assistanato, está nos antípodas do civismo e da cidadania.
Quem não devia pagar imposto são as empresas. Pessoas físicas, sim. Pessoas jurídicas, não. Não há melhor maneira de vitaminar indústria, comércio e serviços que isentá-los de impostos. Não há melhor caminho para diminuir a taxa de desemprego. Livres da carga fiscal que as esmaga, as empresas estariam em condições de se expandir, de contratar mais pessoal, de baixar preços, de aumentar salários.
Diferentemente do que diz o semideus de Garanhuns, não é dos «ricos» que se deve cobrar imposto. Ricos conhecem todos os subterfúgios para escapar de contribuições obrigatórias. Esconder dinheiro na cueca, em apartamento vazio, em paraíso fiscal são práticas correntes. Estabelecer residência fiscal em outro país também. Sugiro a nosso guia, que nunca sabe de nada, perguntar aos acólitos. Eles estão por dentro.