Deu zebra

Jogo do bicho

José Horta Manzano

Nesta terça-feira, surgiu a primeira zebra da Copa 22: a Argentina, forte candidata ao título, foi derrotada pela Arábia Saudita, uma das equipes mais fracas do campeonato.

Jornais argentinos online estão arrasados. São páginas e páginas de desconsolo, com entrevistas, análises, comentários, lamúrias. Dá pra entender.

Mas é bom não tripudiar em cima dos hermanos. De criança, a gente já tinha a sabedoria de dizer que quem cospe para cima recebe o cuspe de volta na cabeça. Vai que o Brasil pega a República dos Camarões ou a Sérvia em dia inspirado – como é que fica? Pode dar zebra pra nós também.

Falando em “dar zebra”, sabe de onde vem essa expressão? Pois vem do jogo do bicho. O sistema é baseado num quadro de 25 animais, que vão da avestruz à vaca. A zebra não aparece entre esses bichos.

Quando Dona Maricotinha procura a vizinha pra saber o resultado do sorteio de hoje, pode ouvir em resposta: “Deu gato na cabeça”, “Deu águia”, “Deu o burro”. Mas jamais ouvirá “Deu zebra”, porque esse simpático animal listrado não faz parte do jogo.

Portanto, utiliza-se a expressão “dar zebra” quando algo não dá certo, quando o resultado é inesperado, imprevisto, difícil de acreditar, completamente fora de eixo.

Sensatez

José Horta Manzano

De tanto ouvir asneiras, baboseiras, sandices e barbaridades disparadas por figuras políticas, a gente acaba ficando com o ouvido calejado. Acostumado a levar pancada, o ouvido maltratado nem sempre se dá conta quando alguém pronuncia palavras sensatas, inaudíveis em meio à algaravia.

Não se pode catalogar doutor Raul Jungmann, recentemente nomeado ministro extraorinário da Segurança Pública, como figurinha carimbada da República. Está longe da notoriedade de um Sarney, de um Renan, de um Barbalho, de um Maluf. Não é a primeira vez que exerce cargo de ministro. Além de ter cumprido dois ou três mandatos de deputado federal, o político pernambucano já serviu como auxiliar direto do presidente da República em outras ocasiões.

Estes últimos dias, ouvimos dele duas ou três tomadas de posição que destoam do palavreado que políticos habitualmente dirigem à galeria. Foram observações sensatas, às quais não estamos mais acostumados.

Doutor Jungmann declarou-se impressionado com o Rio de Janeiro, onde «durante o dia, pessoas clamam, com razão, pela segurança contra o crime. E à noite, pelo consumo de drogas, acabam financiando esse mesmo crime». Dito assim, parece uma evidência. Mas tal franqueza não é comum no mundo político.

foto: Ueslei Marcelino/Reuters

A coisa não vem de hoje. No tempo de nossos avós, a população já transgredia quotidianamente a lei ao fazer sua fezinha no jogo do bicho. Felizmente, acertos de contas entre bicheiros eram, naquela época, menos violentos. Briga por domínio territorial não se fazia na boca de metralhadora. Bons tempos.

Além de dizer em voz alta o que todos pensam baixinho com relação ao financiamento do crime, o ministro botou o dedo noutra ferida. Como se sabe, advogados têm acesso praticamente livre a clientes encarcerados. Espantado com o fato de alguns presos ligados ao crime organizado disporem dos serviços de até 37 advogados(!), considerou que isso não é razoável.

Doutor Jungmann revelou que mandatários desses sindicatos do crime são enviados às faculdades de Direito a fim de recrutar estudantes ainda não formados. Assim, os novos «soldados» já deixam a universidade com clientela e ganhos assegurados. Como defensores exclusivos de traficantes de alto coturno, passam a integrar a tentacular organização criminosa. Para entravar essa prática, o ministro preconiza que conversas entre advogados e encarcerados seja monitorada.

Mais importante que o resto, Raul Jungmann garante que a Operação Lava a Jato vai continuar sem solavancos até que todos os suspeitos tenham sido investigados. É o que os brasileiros de bom senso esperam. Que assim seja. Nestes tempos estranhos, afirmações arrazoadas são pra lá de bem-vindas.

Direitos & deveres

José Horta Manzano

Certos pormenores, embora pareçam insignificantes, dão recado certeiro. O distinto leitor já terá reparado que, no Brasil, fala-se muito mais em direitos do que em deveres, pois não?

Desde o sublime direito de ir e vir até o folclórico «exijo meus dereito», passando por todas as garantias intermediárias, sempre tive a impressão de que temos direitos demais e deveres de menos.

Direito de expressão

Direito de expressão

Diz a lógica que não se pode gastar o que não se tem. A Lei de Responsabilidade Fiscal é materialização desse princípio. A cada despesa, tem de corresponder uma receita, caso contrário, o jeito é tomar dinheiro emprestado. E endividamento em excesso acaba provocando, sabemos, o rompimento da corda. Em geral, do lado mais fraco, que assim são as coisas.

A mesma lógica ensina que, a direitos, hão de corresponder deveres. Se o trabalhador tem direito a salário, tem o dever de trabalhar para merecê-lo. Se o espectador tem direito a assistir a um filme, tem o dever de pagar o bilhete de entrada no cinema. Se vigora o direito ao pensamento crítico e à sua livre expressão, contrapõe-se o dever de respeitar a honra e a dignidade da pessoa criticada.

Direito de fazer fila na entrada da fábrica São Paulo, anos 1910

Direito de fazer fila para entrar na fábrica
São Paulo, anos 1910

A Constituição é o arcabouço de nosso contrato social. Nenhuma lei, nenhum dispositivo, nenhum regulamento pode contrariá-la. Assim, direitos e deveres básicos já constam, em esboço, em nossa Lei Maior. Não sei se alguém já teve a curiosidade de contar quantas vezes os termos «direitos» e «deveres» aparecem no texto de 1988.

Pois eu tive. É singular. A palavra direitos, no plural, é mencionada 78 vezes. Surpreendentemente, o termo deveres, só aparece… 6 vezes. O distinto leitor leu bem: meia dúzia de vezes. Em nosso país, a não relação ‒ pra não dizer o divórcio ‒ entre os dois conceitos parece institucionalizada.

Jogo do bicho

Jogo do bicho

Maldade
Levei a curiosidade um pouquinho além. Quis saber qual era a relação entre 78 e 6. Dividindo um pelo outro, dá exatamente 13. Ô numerozinho complicado, sô! Na dezena, é borboleta. No grupo, é galo. No andar de cima, está mais pra ave de rapina.

É pura coincidência. Aquele partido político ‒ hoje em via de expulsão dos polos do poder ‒ sequer deu voto favorável à Constituição de 1988.

Todos na rua

José Horta Manzano

Há quem tenha espírito jogador. É gente que acredita firme que vai tirar a sorte grande. Os meios de chegar à fortuna variam conforme o gosto de cada um: jogo do bicho, corrida de cavalos, carteado, loteria, roleta. A característica comum a todo jogador é a certeza obstinada de que vai ganhar um dia destes. Se não for hoje, será amanhã. Garantido.

by Miguel Abreu Falcão (1963-), desenhista pernambucano

by Miguel Abreu Falcão (1963-), desenhista pernambucano

Respeito esse traço de personalidade, mas não comungo com ele. Não me parece aconselhável entregar as rédeas do destino, sem mais nem menos, a mãos alheias. Convém segurá-las com firmeza enquanto for possível.

Para este 13 de março, estão marcadas manifestações de protesto em todo o país. As reivindicações, embora cubram amplo espectro, concordam em um ponto: basta de corrupção e de incompetência. A expectativa de ver multidões pelas ruas vem sendo acirrada por redes sociais e pela mídia. Como prova, o principal editorial do Estadão de hoje leva o título Chegou a hora de dizer: basta! ‒ exatamente assim, com ponto de exclamação. Lembra chamamento revolucionário.

Acho uma temeridade pôr tanta ênfase num acontecimento sujeito a tantos tropeços e a tantos imprevistos. Pode chover. Pode fazer friozinho. Pode não vir tanta gente quanto se espera. O medo de confronto com baderneiros pode fazer que muitos hesitem. Podem certos «institutos» desonestos contabilizar o número de participantes com erro a menor. Em resumo: o resultado das passeatas está à mercê de fatos aleatórios.

Bandeira olho 2Fazer demonstração em praça pública ‒ pacifica e civilizadamente ‒ para exprimir anseios é atitude positiva. Exibe a maturidade do povo e dá prova das liberdades que a democracia lhe concede. Já o fato de atribuir tamanha importância a uma determinada passeata é arriscado. Pode falhar, e aí, como é que fica?

De qualquer modo, alea jacta est ‒ a sorte está lançada. Vou parando por aqui, que é pra não carregar na consciência o peso de ter atrasado algum distinto leitor já paramentado de verde-amarelo. Tomara que não chova.

Interligne 18h

Coincidência
Manif 2Observe-se que o Comício da Central do Brasil, protagonizado pelo presidente Jango Goulart, soou o dobre fúnebre do regime. O presidente cairia 18 dias mais tarde. O comício teve lugar num 13 de março, faz hoje exatamente 52 anos.

Latim de botequim

José Horta Manzano

Caesar 1Este blogueiro é do tempo em que ainda se aprendia latim na escola. Aprendia é modo de dizer.  A língua era ensinada, mas aprender, que é bom, eram outros quinhentos. A matéria era um espantalho para muitos de nós. Um belo dia, seu ensino passou a ser considerado supérfluo, e a língua foi abolida do currículo. É pena. Fácil, não era. Mas tinha lá sua utilidade.

Faz uns dias, o vice-presidente de nossa República enviou carta à mandatária-mor. Embora digam que o figurão tem estatura de estadista, o tom da missiva está longe de demonstrá-lo. A ladainha de reclamações pessoais é constrangedora. Apesar do tom de funcionário chorão, o texto começa justamente com uma frase na língua de Cícero. Não se sabe se dona Dilma entendeu ou se teve de se socorrer junto a assessores. Pouco importa.

A frase latina que senhor Temer deitou no papel é:

Interligne vertical 14Verba volant, scripta manent.
Palavras voam, escritos ficam.

Um pouco alterada, a frase é conhecida de todos os que um dia já arriscaram uma fezinha na Paratodos, o Jogo do Bicho. O mote da contravenção mais difundida, conhecida e tolerada é justamente: “vale o escrito”.

Data venia, tenho de botar reparo na citação do vice-presidente. É verdade que alguns conceitos foram poupados pela passagem dos dois milênios que nos separam do auge do Império Romano. Outros, no entanto, envelheceram. A máxima citada é daquelas que precisam ser adaptadas aos novos tempos. A versão 2.0 deverá ser algo como:

Interligne vertical 14Scripta manent, sed igne delebuntur. Verba volant, sed nube captabuntur.
Os escritos ficam, mas serão destruídos pelo fogo. As palavras voam, mas serão aprisionadas por uma nuvem (=cloud).

Interligne 18f

PS: Nas aulas do velho professor Biral, que dava o melhor de si para nos iniciar nos mistérios da língua latina, nem sempre fui o aluno mais atento. Para o caso de o mestre, na nuvem de onde hoje nos espia, torcer o nariz para minha tradução, peço-lhe desculpas antecipadamente.

Corrupção com classe

Sebastião Nery (*)

Era cabo do Palácio Bandeirantes, sede do governo paulista, quando Adhemar era governador. Todo dia 30 do mês, de manhã cedo, recebia um envelope fino, fechado ― muito bem fechado ― para entregar a um senhor gordo e estranho nos subúrbios da capital. E trazia de volta, mandado pelo senhor estranho e gordo, um pacote grosso, fechado, bem fechado.

A ida...

A ida…

Um mês, dois meses, seis meses, todo dia 30, de manhã cedo, bem cedo, o cabo levando o envelope fino e trazendo o pacote grosso. Morria de curiosidade, mas não tocava o dedo. Estava ali cumprindo seu dever.

E o segredo era o preço primeiro do dever. Um dia, o cabo não se conteve. Abriu pela ponta, discretamente, o pacote grosso. Era dinheiro, muito dinheiro. Tudo nota de mil. Resistiu à tentação, entregou o pacote inteiro, intocado. No mês seguinte, dia 30, deram-lhe de novo o envelope fino. Abriu. Era um cartão, escrito à mão: “― 50 contos no bicho que der.” O cabo não resistiu. Pegou uma caneta num botequim e emendou: “― 50 contos no bicho que der. Aliás, 55”.

Nunca mais lhe deram o envelope fino e muito menos o pacote grosso. Foi demitido. Bons tempos aqueles em que a corrupção ia de envelope fino e voltava de pacote grosso. O caixa das maracutaias era desovado no jogo do bicho.

... e a volta

… e a volta

Depois que o PT inventou o “Presidencialismo de Corrupção”, criado por Lula e ampliado por Dilma, a rota das negociatas passa pelos cofres insaciáveis das empreiteiras, é garantido pelos gorduchos favores do BNDES e sangra as gavetas amanteigadas do Tesouro Nacional.

Lula chegou como o guerreiro dos sindicatos, Dilma como a mãe do PAC. Em dez anos os dois tiraram a máscara. O guerreiro virou lobista de negócios dos ditadores africanos e de Cuba. E o PAC da Dilma empacou. O “Presidencialismo de Corrupção” é a maior fonte de negociatas do país. Nunca houve coisa igual, nem no Império ou na República Velha. Corrupção sempre houve. O Poder é uma instituição voraz. Mas nos níveis em que o PT a instalou, aberta, escancarada, escrachada, jamais houve igual.

A desculpa é que a “base aliada” é insaciável, que quase 30 partidecos são incontroláveis, que, com mais de 30 ministérios, ninguém administra nada. Ora, quem alimenta, engorda, sova essa maquina infernal? Era Lula, hoje é Dilma. Os dois são a alma do PT. Vivem dele. Sangue do sangue.

Chegou a campanha eleitoral, o PT saltou no pântano. Vale tudo. São os “blogs de assalto”, os “colunistas de aluguel”. É a guerra suja. E o Palácio do Planalto comprando tudo com dinheiro público.

Já não bastam os asquerosos convescotes vespertinos em que a presidente da República distribui dinheiro e cargos aos partidos como banana a macacos. E Lula diz a Dilma, debochando, que senadores e deputados “não se dão ao respeito”.

Interligne 18g

(*) Excertos de artigo do jornalista Sebastião Nery.
http://www.sebastiaonery.com.br/