Bicicleta

Danas, jornal sérvio

José Horta Manzano

Os torcedores sérvios amanheceram zonzos, com cara de quem teve pesadelos à noite. A imprensa local não perdoou. O artigo ilustrado com a foto de Pixie (o técnico da seleção sérvia) mostra o estado de espírito que reinou no pós-jogo:

“Uma imagem, mil palavras: a reação de Pixie após a bicicleta de Richarlison diz mais do que tudo”.

A briga de vizinhos e o relógio

José Horta Manzano

Você sabia?

Eu me lembro que, quando era criança, havia um relógio em casa. Um só. Soberano, reinava pendurado na parede do corredor. Empoleirado lá em cima, dominava o ambiente. Dono e senhor do tempo, ditava o ritmo da família.

Hoje não é mais assim. A gente vive rodeado de relógios. Tem o do celular, o do computador, o do micro-ondas, o de pulso, o de cabeceira, o do rádio, o do banheiro, o do carro, o de cima da geladeira, aquele que anda esquecido no fundo da gaveta em pré-aposentadoria. Ah, e tem ainda o do corredor, bastante deprimido com tanta concorrência.

Em princípio ‒ digo bem: em princípio ‒, todos deveriam marcar a mesma hora, questão de coerência. Na prática, todavia, a teoria se perde. Ao marcar um minuto a mais ou a menos que o vizinho, parece que cada um dos reloginhos faz questão de afirmar a própria singularidade. Um resto de rebeldia adolescente, sem dúvida.

Lá pelo meio de janeiro, notei que o relógio do forno elétrico andava meio preguiçoso. Fugindo ao costume de empatar com o do rádio, deu de atrasar. Começou com um minuto. Uma semana depois já atrasava dois minutos que, dias mais tarde, já eram três. Imaginei que o mecanismo estivesse sofrendo de reumatismo em razão da velhice. Achei até curioso que relógio também sofresse esses achaques.

Mas a coisa foi piorando. Na segunda semana de fevereiro, quando a defasagem já atingia seis minutos, resolvi dar uma colher de chá ao ancião: acertei o relógio. Não deu uma semana, e o rebelde já corria, penosamente, dois minutos atrás da hora certa. Cheguei a pensar em trocar de forno, mas uma reflexão mais profunda me acalmou. Não vale a pena usar canhão pra caçar pardal.

Eis senão quando fiquei sabendo da razão desse desarranjo. Nulo em física, não tenho condições de explicar tim-tim por tim-tim. Vou-lhes vender o peixe pelo preço que paguei. O problema vem de uma briga de vizinhos que ocorre a dois mil quilômetros daqui, lá pelas bandas da Península Balcânica.

Para entender, precisa saber duas coisas. A primeira é que a rede elétrica europeia é toda interligada, providência bastante prática. Quando um país não tem como responder a um aumento da demanda interna, compra energia dos vizinhos. Esse toma lá dá cá se faz de maneira semiautomática. A segunda informação é que o Kosovo, pequena província que se separou unilateralmente da antiga Iugoslávia, não é reconhecido pela Sérvia como país independente. Os dois vivem mostrando a língua e tentando passar rasteira mutuamente.

Em meados de janeiro deste ano, o Kosovo decidiu privar a Sérvia do excedente de energia. Só para atazanar o vizinho, as autoridades kosovares preferiram desperdiçar eletricidade em vez de ceder ao vizinho, como manda o figurino. Esse pequeno incidente gerou reflexo no sistema de distribuição da Europa inteira. A frequência da rede, normalmente de 50 herz, baixou a 49,996 herz. Essa minúscula variação não altera em nada a potência da eletricidade. Lâmpadas continuam acendendo e motores funcionam sem problema.

Acontece que relógios elétricos ‒ isso eu não sabia ‒ são regulados pela frequência. Se ela foi maior que 50 herz, os bichinhos adiantam. Se for menor, atrasam. Daí o descompasso de reloginhos de forno e de despertadores ligados na tomada. Os governos europeus estão atualmente empenhados em reconciliar os vizinhos bicudos. Não há perigo de estourar uma guerra, mas permanece o risco de muito cidadão continuar chegando atrasado ao trabalho.

Gato por lebre

José Horta Manzano

Quando a esmola é muita, todo santo devia desconfiar. Alguns, talvez mais ingênuos, acreditam ter encontrado a mina de ouro. Tsk, tsk. Não há almoço grátis, como sabe o distinto leitor.

Loucos para dar uma escapadinha de alguns dias ao exterior, mas com pouco dinheiro no bolso, quatro cidadãos de Bratislava (Eslováquia) procuraram uma opção que lhes coubesse no bolso. Depois de consultar numerosas opções de voo de baixo custo, deram de cara com uma incrível oferta para «Nis». O preço do bilhete era realmente imbatível.

Promenade des Anglais Nice, Côte d'Azur, França

Promenade des Anglais
Nice, Côte d’Azur, França

Imaginaram que nunca apareceria outra ocasião tão favorável de conhecer Nice, a ultrafamosa joia da Côte d’Azur. O grupo já se pôs a sonhar com um despretensioso passeio pela Promenade des Anglais, à beira do Mediterrâneo, aproveitando o sol que, mesmo no inverno, costuma brilhar por aqueles lados.

Decisão tomada, compraram a passagem. No dia aprazado, dirigiram-se ao aeroporto de Bratislava. Embarcaram. Ao pousar, uma hora mais tarde, surpreenderam-se com o aspecto modesto do aeroporto. Imaginavam que Nice, cidade importante, contasse com instalações mais majestosas. O susto maior ainda estava por vir.

Aeroporto de Niš, Sérvia Crédito: Google Street View

Aeroporto de Niš, Sérvia
Crédito: Google Street View

Deram uma olhada em roda e notaram que tudo estava escrito em caracteres cirílicos. Estranharam. Foi quando um deles, queixo caído, cutucou os companheiros apontando para o letreiro com o nome do aeroporto. Com certa dificuldade, soletraram: «Аэродром Ниш» ‒ Aeroporto de Nis. Passado o primeiro momento de estupor, um deles se lembrou de que, de fato, havia na Sérvia uma cidade industrial chamada Nis.

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O vento frio que lhes bateu no rosto confirmou: haviam desembarcado na Sérvia, a um pulinho de onde tinham saído, mas a mil quilômetros da Côte d’Azur. A história não conta se, ao voltar pra casa, deram queixa ao Procon local. De qualquer maneira, não teria adiantado, pois erraram sozinhos, sem ajuda de ninguém.

Brasil longe do terror

José Horta Manzano

No fim de semana passado, quando participava de reunião multinacional na Turquia, dona Dilma foi questionada sobre o risco de ataque terrorista ao Brasil durante os Jogos Olímpicos de 2016. A pergunta fazia sentido, dado que Paris acabava de sofrer mortífero atentado.

Dilma 1Dilma respondeu um tanto evasivamente, sem muita convicção, como se a pergunta a tivesse irritado: «não estamos muito preocupados com a possibilidade de atos terroristas no Brasil, uma vez que estamos muito longe». Soou distante e não convenceu.

Dias mais tarde, ao dar-se conta de que a afirmação da presidente não havia tranquilizado ninguém, o Planalto incumbiu o ministro da Justiça de serenar a plateia. Com cara de sério, ele cumpriu o contrato. Não sei se todos acreditaram. Em todo caso, o mui oficial portal Cuba Debate – aquele que publica as Reflexiones de Fidel – repercutiu a fala do ministro. Segundo o figurão, o Brasil «está totalmente preparado para garantir a segurança nos Jogos Olímpicos».

Menos romântico e mais próximo da realidade, o jornal O Globo trouxe, no sábado 21 de novembro, interessante artigo sobre ataques terroristas recenseados de 1970 até nossos dias. Uma análise mais atenta indica que o Brasil não está assim tão “longe” como imagina dona Dilma.

Ataques terroristas de 2000 a 2014 Crédito: Jornal O Globo

Ataques terroristas de 2000 a 2014
Crédito: Jornal O Globo

Entre 2000 e 2014, nosso país registrou nada menos que 17 ações terroristas, mais de uma por ano. É verdade que estamos longe do impressionante total de quinze mil atentados ocorridos no Iraque ou dos dez mil do Paquistão. Assim mesmo, constatamos que o Brasil foi alvo de mais atentados do que países teoricamente mais expostos como: Marrocos (12), Croácia (11), Sérvia (11), Portugal (2), Romênia (1) e Polônia (1).

Assalto 5Se, a esses atos reconhecidamente terroristas, acrescentarmos nossos costumeiros arrastões, sequestros-relâmpago, assaltos à mão armada & companhia, ultrapassamos Afeganistão e Paquistão com um pé nas costas. Sem contar os «malfeitos» do andar de cima naturalmente.

Brasil… longe do terror?