China ou Portugal?

José Horta Manzano

Você sabia?

Quatro ou cinco milênios atrás, os chineses já plantavam laranja. Supõe-se que as variedades doces e comestíveis não tenham surgido espontaneamente. São resultado de sucessivos enxertos e cruzamentos entre diferentes cítricos. Espécies híbridas continuam sendo desenvolvidas.

Com o passar dos milênios, o território de cultivo da fruta foi se expandindo. Da China, passou pelo sul da Ásia e chegou à Europa. Na Roma antiga, a laranja já era conhecida e consumida. Sem ser propriamente árvore delicada, a laranjeira detesta frio. Climas tropicais e semitropicais são os mais favoráveis. Nas regiões temperadas, o cultivo é complicado e pouco produtivo.

Conhecida e difundida na Europa do sul e na orla mediterrânea, a fruta era, na Idade Média, praticamente desconhecida no norte do continente. De fato, na Alemanha, no norte da França, na Inglaterra, nos países eslavos do norte, o clima não permite o cultivo.

Aliás, não precisa voltar muito no tempo para chegar à época em que laranja era artigo raro, precioso e distribuído com parcimônia. Lá pelos anos 50, quando produtos importados eram raros e caros, as escolas primárias suíças distribuíam a cada aluninho, como presente de fim de ano… uma laranja. Era uma festa. Para muitos deles, era a única ocasião do ano em que saboreavam a fruta.

O maior produtor mundial é, de longe, o Brasil, cuja safra é maior que a dos três países seguintes somados (EUA, China e Índia). Clima favorável e grandes áreas de terra disponíveis são responsáveis pelo fenômeno. Nos Estados Unidos e na China, o cultivo se restringe à faixa meridional do território, úmida, chuvosa e livre dos gelos do inverno. Na Índia, apesar do clima propício e do território vasto, a impressionante massa de habitantes não pode viver só de suco de fruta. A terra tem de ser utilizada para outras culturas, o que reduz o espaço dos laranjais.

O nome da fruta vem de longe ‒ tanto no tempo quanto no espaço. Grande parte dos estudiosos apontam que o nome da fruta, em nossa língua, tem longínqua origem tâmil, língua falada no sul da Índia e na ilha de Ceilão, onde soa algo como «naram». O termo passou pelo sânscrito e pelo persa. Na atualidade, o nome da fruta se prende a três ramos principais.

Os fiéis
Numerosas línguas se mantiveram fiéis às origens. Pequenas variações ou adaptações à fonética são naturais, embora o cerne permaneça. Entre elas, estão:

● Português: Laranja
● Húngaro: Narancs (=narantch)
● Espanhol: Naranja
● Croata: Naranča (=narantcha)
● Italiano: Arancia
● Francês: Orange
● Inglês: Orange
● Persa: پرتقال (=narang)
● Japonês: オレンジ (=orendji)
● Tcheco: Pomeranč (=pomerantch)
● Esloveno: Pomaranča (=pomarantcha)

Os «chineses»
Sabe-se lá por que, alguns povos decidiram dar à fruta o nome de «maçã da China». Entre eles, estão:

● Dinamarquês: Appelsin
● Estoniano: Apelsin
● Alemão: Apfelsine, (também Orange)
● Norueguês: Appelsin
● Russo: апельсин (Apelsin)
● Sueco: Apelsin
● Holandês: Sinaasappel

Os «portugueses»
Talvez por influência de comerciantes portugueses, (é uma hipótese), certos povos dão à laranja o nome da velha Lusitânia:

● Búlgaro: портокал (=portokal)
● Grego: πορτοκαλής (=portocalís)
● Árabe: بُرْتُقال (=burtukála)
● Romeno: Portocală
● Turco: Portakal

Maçã da China, de Portugal ou do Ceilão, a laranja faz bem à saúde. Quem não quiser apanhar escorbuto, que chupe laranja.

Curiosidade
Para o europeu, a cor da casca da laranja tem de ser… cor de laranja. No Brasil, estamos acostumados a consumir certas variedades de casca verde. Na Europa, já se fizeram tentativas infrutíferas. Se a casca do produto não for cor de laranja, ninguém compra: todos pensam que está verde.

Em consequência, boa parte das laranjas passa por (mais) um processo químico que lhes confere artificialmente a cor típica. Mas não se assuste, parece que assim mesmo continua protegendo contra escorbuto.

Mortos compram armas

José Horta Manzano

Repórteres do Estadão tiveram a pachorra de esmiuçar um relatório do Tribunal de Contas da União focado na venda de armas e munições a particulares durante os quatro anos bolsonáricos (2019 – 2022). O que se descobriu ali é de assustar até bicho-preguiça.

* 94 pessoas já falecidas compraram cerca de 17 mil munições para arma de fogo

* Quase 12 mil indivíduos falecidos entre 2019 e 2022 possuíam mais de 21 mil armas registradas em seus nomes

* 2.690 foragidos da polícia possuem armais legais

* 5.235 cidadãos em cumprimento de pena conseguiram obter, renovar ou manter seus certificados de registro de arma de fogo (CRs)

* Indivíduos condenados por crimes graves, com mandado de prisão em aberto, conseguiram obter carteirinha de CACs e são suspeitos de estarem sendo usados pelo crime organizado como “laranjas”.

É de assustar ou não é?

Numa primeira análise, se poderiam pôr essas aberrações na conta de erros cometidos por zelosos funcionários ao cumprir as determinações de Jair Bolsonaro com relação ao afrouxamento de regras de compra e venda de armamento. Um lamentável efeito colateral do programa de rearmamento, digamos.

Uma reflexão mais profunda, porém, faz virem à tona eflúvios pestilentos do passado do capitão, homem que emergiu de um caldo de violentos milicianos e de desonestos militares de baixa patente.

De alguém habituado a tratar com indivíduos que fazem da violência seu modus operandi de todos os dias, é lícito imaginar que pretendesse contar com o precioso apoio armado dessa malta quando chegasse o momento do almejado golpe de Estado.

Nessa linha de pensamento, as aberrações reveladas pelo relatório do TCU deixam de ser “efeito colateral” para tornar-se “efeito desejado” do programa de disseminação de armas.

Quanto mais braços para erguer o salvador da pátria, melhor seria. Além dos habituais sectários verde-amarelos, seriam também bem-vindos: milicianos, foragidos da polícia, cidadãos em cumprimento de pena, indivíduos com mandado de prisão em aberto. Todos armados, bem entendido. Até mortos podiam comparecer, desde que entrassem para a seita.

Foi por um triz. Para nosso alívio, a canoa furou.

China ou Portugal?

José Horta Manzano

Você sabia?

Quatro ou cinco milênios atrás, os chineses já plantavam laranja. Supõe-se que as variedades doces e comestíveis não tenham surgido espontaneamente. São resultado de sucessivos enxertos e cruzamentos entre diferentes cítricos. Espécies híbridas continuam sendo desenvolvidas.

Com o passar dos milênios, o território de cultivo da fruta foi se expandindo. Da China, passou pelo sul da Ásia e chegou à Europa. Na Roma antiga, a laranja já era conhecida e consumida. Sem ser propriamente árvore delicada, a laranjeira detesta frio. Climas tropicais e semitropicais são os mais favoráveis. Nas regiões temperadas, o cultivo é complicado e pouco produtivo.

Conhecida e difundida na Europa do sul e na orla mediterrânea, a fruta era, na Idade Média, praticamente desconhecida no norte do continente. De fato, na Alemanha, no norte da França, na Inglaterra, nos países eslavos do norte, o clima não permite o cultivo.

laranja-1Aliás, não precisa voltar muito no tempo para chegar à época em que laranja era artigo raro, precioso e distribuído com parcimônia. Lá pelos anos 50, quando produtos importados eram raros e caros, as escolas primárias suíças distribuíam a cada aluninho, como presente de fim de ano… uma laranja. Era uma festa. Para muitos deles, era a única ocasião do ano em que saboreavam a fruta.

O maior produtor mundial é, de longe, o Brasil, cuja safra é maior que a dos três países seguintes somados (EUA, China e Índia). Clima favorável e grandes áreas de terra disponíveis são responsáveis pelo fenômeno. Nos Estados Unidos e na China, o cultivo se restringe à faixa meridional do território, úmida, chuvosa e livre dos gelos do inverno. Na Índia, apesar do clima propício e do território vasto, a impressionante massa de habitantes não pode viver só de suco de fruta. A terra tem de ser utilizada para outras culturas, o que reduz o espaço dos laranjais.

O nome da fruta vem de longe ‒ tanto no tempo quanto no espaço. Grande parte dos estudiosos apontam que o nome da fruta, em nossa língua, tem longínqua origem tâmil, língua falada no sul da Índia e na ilha de Ceilão, onde soa algo como «naram». O termo passou pelo sânscrito e pelo persa. Na atualidade, o nome da fruta se prende a três ramos principais.

Os fiéis
Numerosas línguas se mantiveram fiéis às origens. Pequenas variações ou adaptações à fonética são naturais, embora o cerne permaneça. Entre elas, estão:
● Português: Laranja
● Húngaro: Narancs (=narantch)
● Espanhol: Naranja
● Croata: Naranča (=narantcha)
● Italiano: Arancia
● Francês: Orange
● Inglês: Orange
● Persa: پرتقال (=narang)
● Japonês: オレンジ (=orendji)
● Tcheco: Pomeranč (=pomerantch)
● Esloveno: Pomaranča (=pomarantcha)

Laranja dita

Laranja dita “sanguigna”, variedade de polpa avermelhada, cultivada no sul da Itália

Os «chineses»
Sabe-se lá por que, alguns povos decidiram dar à fruta o nome de «maçã da China». Entre eles, estão:
● Dinamarquês: Appelsin
● Estoniano: Apelsin
● Alemão: Apfelsine, (também Orange)
● Norueguês: Appelsin
● Russo: апельсин (Apelsin)
● Sueco: Apelsin
● Holandês: Sinaasappel

Os «portugueses»
Talvez por influência de comerciantes portugueses, ninguém sabe ao certo, certos povos dão à laranja o nome da velha Lusitânia:
● Búlgaro: портокал (=portokal)
● Grego: πορτοκαλής (=portocalís)
● Árabe: بُرْتُقال (=burtukála)
● Romeno: Portocală
● Turco: Portakal

Maçã da China, de Portugal ou do Ceilão, a laranja faz bem à saúde. Previne escorbuto.

Interligne 18cCuriosidade
Para o europeu, a cor da casca da laranja tem de ser… cor de laranja. No Brasil, estamos acostumados a consumir certas variedades de casca verde. Na Europa, já se fizeram tentativas infrutíferas. Se a casca do produto não for cor de laranja, ninguém compra: todos pensam que está verde. Em consequência, boa parte das laranjas passa por (mais) um processo químico que lhes confere artificialmente a cor típica. Que remédio?

Lá vêm os holandeses

José Horta Manzano

Aqui na Europa, principalmente nos países mais quentes, a chegada da primavera é anunciada pelo alongamento dos dias, pelo chilrear dos passarinhos, pelas folhas que brotam dos troncos nus das árvores e… pela chegada dos holandeses.

Caramujo 2Todos os europeus dão grande valor à chegada dos dias de sol e calor. É compreensível. Após 7 ou 8 meses de frio, vento, neve, gelo, chuva e céu cinzento, o sol é recebido com reverência.

É costume tirar férias no período que vai de maio a setembro. Quem estiver com a carteira mais recheada toma um avião e embarca para algum destino longínquo, tipo Tailândia ou República Dominicana. Volta com munição para fazer vizinhos babarem de inveja. Quem estiver menos abonado escolhe um pacote para Malhorca ou para a Turquia. O sol e o calor são garantidos e acaba saindo mais em conta.

Por alguma razão que desconheço, os simpáticos holandeses têm especial predileção por deslocar-se com a casa nas costas, feito caramujo. De maio a setembro, as estradas europeias ficam coalhadas de veículos que servem de meio de transporte e de casa ao mesmo tempo. Conforme a língua, têm nome diferente: trailer, motor-home, caravane, camping car, remolque, Wohnwagen, camper. Os portugueses costumam dar-lhe o sugestivo nome de casa móvel.

Caravane 1É incrível como país tão pequeno consegue exportar tantos viajantes, cada um com a família no trailer. Vêm quase todos para o sul: França, Itália, Espanha, Portugal, Grécia, Croácia. São simpáticos, os holandeses. Povo alegre, exuberante, daqueles que falam alto, riem muito, são bons copos em qualquer reunião. Gente alta, corpulenta e extrovertida.

Acampamento holandês

Acampamento holandês

Dizem as más línguas que os comerciantes não os apreciam particularmente. É que parece que, tirando a água e o pão, já trazem todos os mantimentos de casa. Assim, não apresentam grande interesse para quitandeiros, feirantes e hoteleiros. Não posso confirmar, estou-lhe vendendo o peixe pelo preço que paguei.

Fiquei surpreso quando soube que um grupo de bravos batavos(1) havia atravessado o Atlântico para se estabelecer temporariamente em São Paulo a fim de trazer apoio à seleção holandesa de futebol. Ainda mais surpreendido fiquei quando soube que a onda laranja(2) havia montado acampamento à beira da Represa Guarapiranga, nas cercanias da cidade. Acampar em São Paulo!

Enfim, cada um tem direito de armar sua barraca onde bem lhe aprouver. Isso tudo deixa uma certeza: vão faltar alguns holandeses nas estradas europeias este verão.Interligne 18c

(1) Batavo é o outro nome que se dá aos holandeses. Quem quiser variar pode usar também neerlandeses.

(2) Sabe por que o uniforme deles é cor de laranja? Porque os soberanos dos Países Baixos pertencem à dinastia de Orange-Nassau. A origem do nome Orange é bem antiga e tem a ver com a cidadezinha de mesmo nome, situada no sul da França. Mas essa já é uma outra história. Entre orange e laranja, ninguém duvidou: a cor tornou-se símbolo do país. E tingiu o uniforme dos jogadores.