Simpatia

José Horta Manzano

Este blogueiro cresceu num tempo em que quase não havia vacinas. Doenças infantis infecciosas, toda criança acabava pegando. Tive as quatro mais corriqueiras: catapora, coqueluche, caxumba e sarampo. Quando uma das crianças caía doente com sarampo e ficava de molho na cama, minha mãe pendurava no quarto uma cortina vermelha. Dizia que era simpatia, que ajudava a resolver o problema e ficar bom logo.

Outro dia, no supermercado, vi uma banca de cuecas em oferta, daquelas promoções em que o freguês tem de levar um pacotinho de meia dúzia. No pacote, as cores já vêm misturadas e não há meio de escolher: ou leva tudo ou desiste da compra.

Levei um pacote. No meio das cuecas, havia uma vermelha, de um vermelhão Chapeuzinho Vermelho. Mesmo sendo peça que se usa debaixo da roupa e que ninguém vê, deixei no fundo da gaveta. A cor me pareceu espantada demais.

Anteontem, domingo de eleição, foi dia importante. Era a derradeira oportunidade de se livrar do capitão, desalojá-lo do palácio e devolvê-lo ao submundo de onde veio. As pesquisas anunciavam um escrutínio apertadíssimo.

Para varrer Bolsonaro, só havia um meio: votar no Lula. Não era uma perspectiva empolgante. Mas raciocinei como muita gente. Pensei: “Coragem! Dos males, o menor. É só apertar um trezezinho aí, que o dedinho não vai cair”.

Antes de pegar a estrada para Genebra, na hora de me vestir, lembrei da cueca vermelha. Lembrei também da simpatia da minha mãe. Pensei: “Por que não tentar repetir a simpatia? Se funciona pra curar doença, quem sabe não funciona também pra curar um país doente?”. Vesti a peça vermelha.

No local de votação, vi grupos espalhafatosos com gente de amarelo e alguns até enrolados em bandeira. Vi também grupos mais discretos, em que todos (ou quase) tinham pelo menos um detalhe vermelho na indumentária. Não sei se ostentavam o detalhe por paixão lulista; no meu caso, não havia nem um grãozinho de paixão. Era por “simpatia” – pode também chamar de magia branca.

Pelo fuso horário daqui, já era comecinho da madrugada quando saiu a notícia oficial: o capitão estava derrotado. Na hora de estourar o champanhe(*), lembrei da cueca e me dei conta de que a simpatia tinha funcionado.

Tive então a certeza de que, não fosse ela, ainda teríamos de aguentar palavrões e ameaças por quatro anos. Talvez, num futuro próximo, o capitão ainda tivesse a macabra ideia de proibir as vacinas infantis, condenando os pequerruchos ao sarampo e à catapora.

Se foi mal com ele, melhor será sem ele.

(*) É força de expressão.

Vacina para crianças

José Horta Manzano

Para futuros turistas que se preparam pra visitar determinados países ou regiões, recomenda-se tomar (ou exige-se que tomem) vacina contra doenças como tifo, febre amarela, raiva, hepatite A, poliomielite.

Para crianças, independentemente de qualquer viagem turística, a vacinação é obrigatória ou recomendada para proteger contra bom número de doenças: difteria, tétano, coqueluche, varíola, polio, hepatite B, pneumococos, sarampo, caxumba, rubéola.

Como se sabe, a vacinação dos pequerruchos é coisa corriqueira, sabida e aceita por todos. Não há mãe que deixe de levar seu filho ao médico ou ao posto de saúde pra ser imunizado.

Os mais antigos se lembram de um tempo em que essa proteção simplesmente não existia. Dá impressão de que vivemos hoje num mundo abençoado. Há quem diga que não passa de impressão. Mas essa é uma outra discussão.

Fico abismado – e meus leitores habituais sabem disso – com essa gente que recusa a vacina anticovid. Na Europa, espantosamente, são muitos. É verdade que, no Brasil, são poucos. Felizmente.

Fico boquiaberto com certos cidadãos de miolo mole, em geral apoiadores do capitão, que combatem a liberação da vacina anticovid para crianças. Como é que pode? Levam o filho para tomar vacina contra difteria, tétano, coqueluche, varíola, polio, hepatite B, pneumococos, sarampo, caxumba, rubéola, mas, na hora da vacina contra a maior pandemia que castigou a Terra nos últimos séculos, se afinam. Expõem os próprios filhos – e o resto da família – só pra obedecer à mente doentia do capitão. Não pode ser gente normal.

E tem mais. Não se está impondo nenhuma obrigação de vacinar crianças. O que se propõe é a autorização de vacinar. Ao fim e ao cabo, só vacinará seu filho quem quiser.

Vamos ver como está a situação além-fronteiras. Dia 25 de novembro, a Agência do Medicamento Europeia (que corresponde a nossa Anvisa) autorizou a vacina para crianças na faixa de 5 a 11 anos. Desde então, a Dinamarca e a Áustria já organizaram a campanha de vacina para os pequeninos. Na Alemanha, que é um país federal, como o Brasil, Berlim e a Baviera (Munique) já entraram para o time.

A Hungria – dirigida por Viktor Orbán, colega extremo-direitista de Bolsonaro – vai lançar sua campanha para a vacinação dos 5-11 anos quarta-feira. Na Grécia, os pais de 20 mil pequerruchos já inscreveram os rebentos para a picada, que também começa a partir de quarta-feira.

A Espanha, que está na categoria dos bons alunos no quesito vacinação, também já abriu sua campanha para vacinar os 5-11 anos. Portugal já planificou a imunização dos pequenos: começa esta semana e vai até 13 de março, os de 11 anos primeiro, e pouco a pouco baixando até chegar aos de 5 anos.

A Itália, a Lituânia, a Letônia, a Estônia, a Polônia (dirigida por colegas de Bolsonaro), a Eslováquia, a Tchéquia e a Suíça vão dar partida na campanha de vacinação infantil contra a covid estes próximos dias.

Enquanto isso, no Brasil… nosso respeitado capitão subiu a serra quando ficou sabendo que a Anvisa tinha conferido à criançada o direito de também ser imunizada contra a pandemia. Prometeu publicar, para execração pública, o nome dos diretores e funcionários que autorizaram “essa barbaridade”. O ministro da Saúde Pública, um sabujo interesseiro, repetiu como papagaio o discurso do presidente.

Destoando da covardia que os propósitos absurdos e cruéis de Bolsonaro costumam suscitar, a Anvisa soltou uma nota dura, indignada, inflexível.

Ai, que saudades do tempo em que nossos governantes se empenhavam em amparar os brasileiros, não em os assassinar.

O vírus e o pão

José Horta Manzano

O surto de coronavírus assusta. Dizem que pegou o mundo de surpresa. Pudera! Alguém estaria suficientemente escolado pra encarar um pesadelo desses sem surpresa? O susto vira pânico quando se descobre que não há remédio contra a infecção.

Estamos acostumados a ter medicamento pra tudo. Tuberculose, sífilis, lepra, poliomielite, sarampo e outros males que flagelaram a humanidade por séculos hoje têm cura e, em certos casos, até vacina imunizante.

De repente, surge um bichinho desconhecido, sorrateiro, oportunista; e todos passam a desconfiar de todos. Se passa alguém de máscara, logo imaginamos que esteja doente. Se alguém tosse ou dá um espirro, logo se afastam todos à sua volta – e ainda olham feio.

Aqui onde vivo, nos supermercados, os pães estão às moscas (força de expressão). Pão sobra mas, em compensação, não se encontra mais fermento. Há duas razões para isso. Por um lado, o confinamento deixa o povo sem ter que fazer; ir para a cozinha amassar pão é excelente remédio contra o tédio. Por outro, muitos preferem agora fazer pão em casa por receio de contaminação; nunca se sabe: alguém pode ter tossido em cima do pão na gôndola.

Não sei se ainda se acha fermento no Brasil neste momento. Se houver, sugiro ao distinto leitor tentar a experiência de amassar e assar o próprio pão. É simples, basta respeitar as regras. Receitas há, aos montes: basta passear pelo youtube. Bom apetite.