Baía de Guanabara

Lado a lado, IRIS Dena e IRIS Makran
navios de guerra iranianos atracados no Rio de Janeiro

José Horta Manzano

Dias atrás, contei a história dos dois navios de guerra iranianos que percorriam os oceanos à cata de algum porto de certa importância onde lançar âncora e pavonear-se do poderio bélico da república islâmica.

Na Europa, América do Norte, Austrália ou Japão, nem pensar – a porta está trancada. A Rússia e a China, embora mantenham algum tipo de diálogo com Teerã, preferiram que os barcos fossem se exibir em outras plagas. Países pequenos e de pouca reverberação não servem à finalidade a que a marinha iraniana se propõe.

Sobraram as potências médias. A Indonésia permitiu a atracação dos dois navios. Depois disso, o Irã solicitou autorização para entrar em algum porto da América Latina. O Chile recusou. Afim de não criar ruídos com os EUA, o governo brasileiro não quis resolver antes da volta de Lula de Washintgon. Os Estados Unidos pediram que o Brasil não acolhesse os navios, que não têm nada que fazer por aqui.

Aqui entra em ação uma incrustada tendência do socialismo latino-americano, há tempos incorporada pelo lulopetismo: convém rejeitar tudo o que vem dos Estados Unidos. A diretiva é clara e não deixa margem a interpretação. Apesar de estarmos em plena reconstrução da relação Brasil-EUA, esgarçada por Bolsonaro, Lula não resistiu. Preferiu deixar uzamericânu falando sozinhos. Deu autorização aos barcos.

O almirante da miniesquadra iraniana deve estar muito feliz. Afinal, embora não seja a mesma coisa que Nova York ou Rotterdam, o Rio de Janeiro é uma cidade grande, importante, belíssima e conhecida no planeta inteiro. Atracar na Baía de Guanabara não é pra qualquer plebeu.

Os navios já lançaram âncora no Rio ontem, domingo, logo de manhã cedinho. A estadia prevista é de sete dias, até sábado 4 de março. Os barcos, que tinham passado as últimas semanas feito zumbis, vagando por águas internacionais enquanto aguardavam resposta do Brasil, finalmente encontraram um porto de prestígio para atracar. Lula da Silva preferiu alfinetar Biden enquanto dava palco e holofotes à teocracia islâmica, aquela terra simpática em que mulher que não usar o véu obrigatório vai para a cadeia.

Não há de haver grandes consequências, mas é legítimo perguntar se não teria sido mais razoável alfinetar Teerã em vez de Washingon.

Caixa preta

José Horta Manzano

Vivemos no século 21. Todo o mundo tem telefone no bolso. Com dois cliques, sem se levantar da cadeira, qualquer um pode ter acesso ao outro lado do planeta. Coisas de ficção científica, como conversas ao vivo com som e imagem, tornaram-se corriqueiras e estão ao alcance de qualquer um.

Liga-se a tevê e pronto: lá está uma emissora internacional mostrando, ao vivo, um incêndio no Bangladesh, uma inundação na Mongólia, um tumulto em Moscou, o enterro de um figurão africano.

Caixa preta

Caixa preta

Li ontem que um jovem americano sobrevive, há ano e meio, sem coração ‒ no sentido próprio. Enquanto não aparece um órgão compatível para transplante, o que lhe foi retirado vem sendo substituído por uma maquineta de 6kg acondicionada numa mochila que o moço carrega às costas. O rapaz se movimenta, anda, sai à rua, fala, pensa, vive vida quase normal.

Mister Obama sabe, em tempo real, o que se trama em gabinetes de governos estrangeiros importantes. Mister Cameron, Frau Merkel, Mister Xi Jinping e Господин Putin(*) também sabem.

O distinto leitor pode até conhecer o site que vou nomear. Se não for o caso, aqui vai a dica. Quando estiver à espera de um conhecido que está viajando de avião, o interessantíssimo site Flight Radar é de grande utilidade. Serve também como passatempo pra momentos de farniente. Com três cliques, aparece o mapa-múndi com todos os aviões que voam naquele momento. Em movimento e em tempo real, com zoom, identificação e roteiro de cada aparelho. Um assombro.

Faz um mês, um avião da companhia EgyptAir desapareceu dos radares quando sobrevoava o Mediterrâneo. Destroços evidenciam que o aparelho se precipitou no mar. A França deslocou navios da Marinha, dotados de sonares altamente sensíveis, para a região onde se supõe que o avião tenha despencado. Faz quatro semanas que buscam as caixas pretas que encerram dados técnicos do voo e gravação dos sons da cabine. Na realidade, a cor das caixas é laranja, o que não altera o problema.

Imagem do site Flight Radar clique para ampliar

Imagem do site Flight Radar
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Nada garante que os objetos sejam um dia encontrados. Ainda que localizados, não é certo que estejam em condições de revelar os segredos que contêm. Supondo que não se as localizem nunca, ficaremos sem saber o que aconteceu. Erro humano, ação deliberada, falha mecânica, atentado terrorista? É possível que nunca se venha a conhecer a verdade.

Tendo na mão um telefone conectado a um satélite, qualquer um pode ser localizado, ouvido e gravado ainda que se encontre em pleno Sahara. Como é possível que conversas e dados de voo não seja registrados em tempo real e dependam de um disco rígido inserido numa frágil caixinha de metal que pode terminar no fundo do mar?

Para não iniciados, como eu, é um espanto.

Interligne 18c

(*) Господин (= Gaspadín) é marca de respeito que os russos antepõem ao nome de alguém. Nos tempos da União Soviética, o uso foi suspenso. Todos passaram a tratar-se por Товарищ (= Tavárich), ou seja, ‘camarada’. Derrubado o Muro de Berlim, tudo voltou ao que era antes no quartel de Abrantes.