Em dinheiro vivo

José Horta Manzano

Levantamento feito pelo UOL dá conta das atividades do clã Bolsonaro no mercado imobiliário. A família é mais ativa do que muito escritório imobiliário por aí. Nos últimos trinta anos, Jair (deputado, depois presidente), irmãos e filhos transacionaram um total de 107 imóveis. Pra quem não é do ramo, é um currículo apreciável.

Só que tem um particular: entre os imóveis comprados, 51 foram pagos parcial ou inteiramente em dinheiro vivo. Fazendo as contas e atualizando os montantes pela inflação, dá o estonteante total de R$ 26,5 milhões. Em notas, talvez transportadas numa sacola e empilhadas no balcão. Sabe que espaço é necessário pra armazenar R$ 26,5 milhões? Um quarto cheio.

Nestes tempos de judicialização extrema, a imprensa trata o assunto com luvas de pelica. Os textos saem com expressões cautelosas, aspas e verbos no condicional: “suposta lavagem de dinheiro”, “teria sido gasto”, “poderia tratar-se de rachadinha”, e por aí vai.

Dado que Seu Lobo não chega aqui, tiro as aspas, dispenso o condicional e digo o que penso: está evidente que o dinheiro provinha de negócios subterrâneos, que não podem ser expostos à luz do meio-dia. Rachadinha? Pode ser, se bem que os montantes me parecem elevados demais. Cobrança de proteção garantida por milicianos? Vai saber. Extorsão, chantagem ou outros crimes graves? É permitido cogitar.

Bom, não vamos aqui entrar no mérito da questão. De toda maneira, qualquer denúncia será abatida em voo pelo aparato de segurança que (ainda) protege o capitão. Eu queria é comentar a naturalidade com que esse negócio de pagamento em dinheiro ocorre no Brasil, enquanto, em terras mais avançadas, não existe.

Nos países da Europa ocidental, é simplesmente proibido comprar imóvel com dinheiro vivo. O pagamento tem de transitar necessariamente por um banco. Essa regra, em si, já é um grande passo em direção à transparência. Um cheque ou uma transferência bancária deixam rastro indelével. A todo momento, pode-se saber quem pagou e de que conta saiu.

Ainda que o comprador tivesse – pode acontecer – o dinheiro do pagamento armazenado em malas ou em cuecas, não adianta: terá de depositar o montante numa conta bancária e só então mandar fazer a transferência. Só que, nesse caso, surge novo problema. Hoje em dia, é complicado depositar grandes quantias no banco. Tem de justificar, com prova documental, a origem do dinheiro. Se o depositante não conseguir provar a origem, o banco não aceitará o depósito.

Há mais porteiras para cercear o florescimento de uma economia subterrânea, como o caso dos Bolsonaros parece denunciar. No entanto, pra começar a drenar esse pântano em que se movimentam criminosos de toda espécie, as duas primeiras medidas já seriam bem-vindas:

1. Que se proíbam transações imobiliárias em dinheiro vivo.

2. Que se determine aos bancos investigar a origem de depósitos em dinheiro a partir de um determinado montante.

É verdade que estamos caminhando para um mundo desmonetizado, em que notas de dinheiro estão entrando em via de extinção. Daqui a duas décadas, rolos como esse dos Bolsonaros (e de tanta gente mais) não serão possíveis. Mas não custa dar um empurrãozinho no destino e começar desde já a apertar a porca.

Malas e cuecas vão assim voltar a ser destinadas à finalidade para a qual foram concebidas.

Chapéu na mão

José Horta Manzano

Em 2019, assim que assumiu a Presidência, Bolsonaro se indispôs com meio mundo. Nas relações exteriores, brigou com vizinhos e com todos os países amigos – com exceção dos EUA de Trump.

Aconselhado pelos luminares que o cercam, o capitão cuspiu em cima das doações milionárias da Alemanha e da Noruega, destinadas à preservação da Amazônia brasileira. Ofendido, deu a entender que o Brasil tinha como ponto de honra a manutenção da própria soberania. O recado passado ao mundo foi o de que não precisávamos nem desejávamos dinheiro de ninguém. Éramos crescidinhos e suficientemente fortes para cuidar de nosso território nós mesmos, sem interferência nem participação externa.

Para esta semana, Joe Biden convocou uma cúpula sobre o clima, com a participação de 40 líderes planetários. Bolsonaro está sendo esperado. Em contradição total com a arrogância de dois anos atrás, nosso “mito” fará uma apresentação humilde e indigente. Anunciou que pretende entrar de chapéu na mão, pedindo esmola. Deverá apresentar a chantagem que o Planalto preparou para confrontar o resto do mundo: ou me dão 10 bilhões de dólares por ano, ou a Amazônia brasileira vai continuar minguando até desaparecer. Se assim procederem, nossas autoridades vão transmitir a imagem de um Brasil empobrecido mas sempre vigarista. Como todas as iniciativas do governo atual, esta também é fruto de burrice entranhada. É impressionante como falta inteligência àquele pessoal.

Por certo não estão se dando conta de que a proposta é confissão pública e definitiva de impotência. A chantagem tupiniquim vai escancarar a realidade e dar razão aos que sugerem a internacionalização da floresta tropical. De ora em diante, todos saberão que, sem ajuda externa, o Brasil não tem condições de cuidar do próprio território.

Fica mais uma vez comprovado que os repentes de patriotismo bolsonárico não passam de patriotadas para a galeria. Na hora do vamos ver, é rabo entre as pernas e pires na mão.

Capricho de filho

José Horta Manzano

A foto de um dos bolsonarinhos – aquele que é vereador – em que o moço aparece aboletado no coche presidencial desfilando na avenida ao lado do pai no Sete de Setembro me deixou meditabundo. Com o perdão da rima.

Já é a segunda vez que ele aparece em cerimônia solene, engravatado, no papel de coroinha. Fosse um meninote de 10 ou 12 anos, seria mais fácil entender. Mas o rapaz é crescido, barbado, já a caminho da calvície. Por que diabo anda grudado na barra da calça do pai? E por que é que aparece justamente nesses momentos solenes?

Na verdade, o problema tem de ser atacado por outro ângulo. Mais importante é saber por que é que o pai carrega o filhinho nessas ocasiões. Afinal, o dono da casa é o presidente. Em teoria, é ele quem manda.

Solenidade oficial não é hora nem lugar pra levar parente. Esposa, ainda vá lá. Filho pequeno, já estamos no limite da tolerância. Filho marmanjo? Sem a primeira-dama? Muito esquisito.

As aparições do filho vereador têm de ser analisadas em paralelo à iminente designação de outro filho – aquele que é deputado – para o cargo de embaixador em Washington. A explicação que corre por aí é que não passa de caso comum de pai satisfazendo ao capricho de filhos que não perceberam que a adolescência acabou. Há outra explicação possivel.

Especular não é pecado nem ofende. Fico aqui cogitando se a tensão que reina na família do presidente não seria mais séria do que se imagina. Que os rebentos queiram satisfazer seus caprichos, dá pra entender. Quem tem pai presidente pode mais que cidadão comum. O que não dá pra entender é que o pai presidente ceda a caprichos estrambóticos dos filhotes.

Por que isso acontece? Será que esses rapazes não estariam de posse de algum segredo familiar altamente incômodo para o pai, o que lhes permitiria chantageá-lo? Algo do tipo «se você não me deixar andar na boleia da carruagem, eu conto» ou ainda «se você não me der a embaixada nos EUA, eu conto». Será isso? É permitido cismar. Quando a presidência patrocina cenas a tal ponto fora de esquadro, toda especulação é autorizada.

Bicho-papão

José Horta Manzano

Como de costume, a verdade costuma brotar das entrelinhas. Com frequência, o que não foi dito vale mais do que as palavras pronunciadas.

Chamada do Estadão, 11 jan° 2017

Chamada do Estadão, 11 jan° 2017

Nosso guia, que sabe muito bem que encarna, na cabeça da maioria dos brasileiros, o mal do qual o Brasil está tentando se livrar, usa a fantasia de eventual candidatura à presidência como ameaça. Age como a mãe que chantageia o filho com o espantalho do bicho-papão.

Quem será o destinatário das ameaças do Lula? Cada um é livre de tirar suas conclusões.