Perigo vermelho

José Horta Manzano

Consultei o Regulamento Disciplinar do Exército, código oficializado em agosto de 2002 na forma de decreto-lei. Com 74 artigos, ele é extenso, mas claro e preciso.

Faz alguns dias, por ocasião de uma manifestação de rua, Eduardo Pazuello subiu ao palanque do presidente. Não precisa ser versado nas artes jurídicas pra entender, após rápida vista d’olhos ao regulamento, que o general transgrediu. A disciplina é valor essencial da carreira. Na visão militar, todo desvio de conduta, fosse ele pequeno, exige punição.

Pois não foi o que ocorreu. Depois de tergiversar por dias e dias, o alto-comando do Exército decidiu não decidir. Resolveram que o general não transgrediu e que tudo fica por isso mesmo. Soou estranho. A inabitual condescendência não encontra justificativa no regulamento. Portanto, a razão tem de ser procurada alhures.

Para entender, convém voltar meio século, ao tempo em que a Guerra Fria determinava o destino do planeta e assombrava muita gente. No Brasil, a justificativa que disparou o golpe de 64 e que perpassou todo o período da ditadura militar foi defender o país contra a ameaça comunista. Ao apagar das luzes do regime militar, quando se extinguia a repressão, surgiu o PT como encarnação do perigo vermelho.

Treze anos de governos petistas mostraram que, de comunistas, eles não têm nada – se é que um dia tiveram. Estão mais é pra oportunistas, trambiqueiros e desonestos. No entanto, tudo indica que, nos círculos militares, a mensagem não chegou. Tem-se a impressão de que as autoridades militares estacionaram nos anos 70 e continuam a enxergar o PT como a encarnação do perigo vermelho que um dia ainda há de implantar o comunismo no Brasil. E o Lula, naturalmente, é seu símbolo maior.

A absolvição de Pazuello se inscreve nessa lógica: contra o comunismo, Bolsonaro surge como o melhor antídoto. Daí apoiarem integralmente o capitão e dobrarem-se cegamente a seus caprichos. Há sinceridade na luta dos militares, mas há sobretudo grande ingenuidade. Eles parecem ter dificuldade em entender que o Muro de Berlim caiu em 1989, que o mundo mudou, que o combate hoje é outro.

Até onde darão apoio a Bolsonaro? Será que toda a cúpula militar enxerga o mundo pela mesma luneta? Será que todos concordariam com a quebra das instituições em favor de um capitão arrivista, a fim de proteger o país contra o Lula?

Não tenho a resposta. As sugestões do distinto leitor são bem-vindas. Cartas para a redação, por favor. E bom fim de semana a todos.

2 pensamentos sobre “Perigo vermelho

  1. O problema, me parece, é a dificuldade dos militares aceitarem admitir sua incompetência no extermínio das ideologias de esquerda depois de passados 21 anos no poder. Certamente a desculpa de combater o perigo vermelho não colaria de novo na consciência da sociedade civil. Como não têm mais nada a oferecer em termos de ordem e progresso, além do bem-estar da população, acredito que só um punhado de integrantes do segundo escalão estaria disposto a jogar sua reputação no lixo para dar sustentação ao capitão golpista. As muitas reações indignadas de outros generais do alto comando do exército (inclusive o Mourão) e o desconforto dos comandantes da marinha e da aeronáutica dão uma indicação clara de que o limite já foi atingido (e ultrapassado). Mas, insisto, não custa nadinha ficar de olho nos comandantes da Polícia Militar…

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    • Pois é, tenho esperança de que a maior parte dos que portam quepe e galão sejam gente de bom senso. Nem precisa terem inteligência superior nem cultura enciclopédica — basta que tenham a cabeça no lugar.

      Qualquer um medianamente esclarecido entende que o caminho mais rápido pra empurrar o país para a ribanceira é contribuir para a permanência do capitão por um dia que seja após o 31 de dezembro do ano que vem.

      Melhor seria se ele pudesse ser exilado para Mar-a-Lago amanhã. Na impossibilidade, que não fique nem um dia além do mandato.

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