Já ouviu falar no Azerbaidjão?

José Horta Manzano

Sem contestar a cultura universal de meus distintos leitores, há que admitir a dificuldade de situar num mapa-múndi o pequenino Azerbaidjão. Vai a dica: fica no Oriente Médio, banhado pelo Mar Cáspio, espremido entre Turquia, Irã, Rússia, Armênia e Geórgia. Para nossos padrões, sua área é reduzida, não chegando à do estado de Santa Catarina. Abriga 10 milhões de habitantes.

Baku (Azerbaidjão), à beira do Mar Cáspio, e suas torres que lembram imensos pinguins

A capital e maior cidade é Baku, com 2 milhões de moradores, à beira do imenso Cáspio, um lago interior que se costuma considerar um mar fechado, sem comunicação com nenhum oceano. Não é um laguinho, não. A superfície é mais extensa que a de Mato Grosso do Sul e a profundidade pode ultrapassar 1.000 metros.

Desde a Antiguidade, o Azerbaidjão sempre fez parte de algum império que não era o seu. Ao longo dos séculos, o território pertenceu à Pérsia, ao Império Otomano, à Rússia. O país só alcançou a independência recentemente, em 1991, com o esfarelamento da União Soviética.

O grande patrimônio do Azerbaidjão é o petróleo, extraído do Cáspio, um pré-sal à moda local. Essa abundância é faca de dois gumes. Dependendo de como for cuidada, a fartura de petróleo tanto pode representar a riqueza de um país quanto pode provocar sua ruína. Exemplo eloquente de patrimônio desperdiçado é a Venezuela, país que já foi promissor e hoje se dissolve.

Os dirigentes azerbaidjanos têm sido mais prudentes. Estão conscientes de que o petróleo, um dia, vai se esgotar. Se nada for feito agora, o país periga mergulhar na miséria e retroceder ao tempo das caravanas de camelo e das lutas tribais. Pra evitar isso, têm procurado diversificar os alicerces, evitando que a economia continue baseada num produto único. Investimentos são feitos em infraestrutura, cultura, pesquisa, turismo – aquele conjunto de fatores que formam o soft power, o poder que dispensa armas.

A situação do coronavírus no Brasil vista pela mídia estatal azerbaidjana, em versão francesa.

Nesse contexto, o conglomerado nacional de mídia pública procura alcançar audiência longe das fronteiras. Emite no idioma local (azeri, da família turca) e outras 7 línguas: inglês, francês, alemão, espanhol, russo, chinês e árabe. Para um pequeno país periférico, é uma façanha. Para efeito de comparação, considere-se que nossa esquálida EBC, o conglomerado brasileiro de mídia pública, é monoglota. Com muito orgulho! E não será com o governo atual, hostil à cultura e ignorante de que há um mundo além-fronteiras, que a situação vai mudar.

Você dificilmente terá informação sobre a extensão do coronavírus no Azerbaidjão. O auditório internacional da mídia azerbaidjana, no entanto, está a par do que acontece no Brasil. Isso mostra que, em matéria de presença internacional, ainda temos muito a aprender. E não só com os grandes.

Presidenta

José Horta Manzano

Desde sempre, a humanidade tem sido constituída por distintos segmentos. O mais das vezes, é possível distinguir, à primeira vista, a que bloco cada cidadão pertence. Na Europa medieval, nobres, monges e plebeus se distinguiam facilmente pela vestimenta. Não havia como se enganar, bastava um olhar rápido.

No Brasil do século XIX, uma distinção visível ‒ sem ser a única ‒ entre escravo e homem livre estava nos pés: escravo não tinha direito de andar calçado. Passasse alguém de sapato, ficava a certeza: escravo não era.

by Alberto Correia de Alpino F°, desenhista capixaba

by Alberto Correia de Alpino F°, desenhista capixaba

Estes últimos cinco anos, repetidas manifestações de rua ajudaram a fazer a distinção entre os simpatizantes do governo central e os demais. É simples: enquanto os primeiros costumam se paramentar de vermelho, os outros vão de verde-amarelo. Mas nem todos os dias tem desfile. Como é que fica o resto do tempo?

A presidente, ora afastada, encarregou-se de acrescentar regra fundamental ao jogo: desde que assumiu o cargo, exigiu ser chamada de «presidenta». Gramaticalmente, não está errado. Mas, convenhamos, vai contra o espírito da língua. Cabeçuda, a interessada bateu pé. Queria porque queria. Foi a conta. Palacianos e áulicos se adaptaram rapidinho aos desejos de madame. O resto do país ignorou o capricho.

A partir daí, ficou fácil distinguir entre adeptos e adversários da ‘gerentona’. Admiradores, aliados e cúmplices sempre se referiam a ela como «presidenta». Os demais preferiram a forma tradicional «presidente». A Empresa Brasil de Comunicação, também conhecida como tevê do Lula ‒ aquela que as más línguas chamam de tevê traço ‒ aderiu à novidade desde o primeiro dia. Seguiu determinação imposta pelo andar de cima. O resto da mídia ignorou a novidade.

Assim, por cinco anos, deixou de ser necessário perguntar se alguém nutria simpatia pelo governo. Bastava prestar atenção: pronunciar «presidenta» valia carimbo na testa.

EBC 1Mas tudo tem fim. Rei morto, rei posto. Já faz alguns dias que a mui oficial “tevê do Lula” aboliu oficialmente a bizarra expressão. Por extensão, a Agência Brasil segue o mesmo passo. Custou, mas, por fim, toda a mídia nacional se pôs de acordo. A palavra “presidente” reintegrou-se na língua falada no Brasil.

No entanto, tudo tem seu lado menos sorridente: o termo deixou de ser sinal distintivo de adeptos da líder caída. Tem nada, não. Jã não eram muitos.

EBC – salários

José Horta Manzano

Palhaço 1Para complementar a informação de ontem sobre os salários pagos pela EBC, informo que o Diário do Poder reproduz a lista dos 2446 funcionários ativos em 31 dez° 2014.

O salário mensal de cada um deles aparece com todos os pontos e as vírgulas. A lista tem 130 páginas.

Uma página, tomada ao acaso, da lista de salários 2014 da EBC Clique para aumentar

Uma página, tomada ao acaso, da lista de salários 2014 da EBC
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Que clique aqui quem tiver curiosidade de saber um pouco mais sobre a política salarial dessa generosa empresa. Afinal, esse povo todo é pago com nosso dinheiro.

Frase do dia — 224

«A estatal EBC, criada no governo Lula, custa caro e entrega pouco. Ou entrega nada: a TV Brasil, “tevê do Lula”, é traço em audiência. No entanto, sem compromisso com custos ou resultados, a EBC avança no bolso do contribuinte para manter 2.446 pessoas com salários como os R$ 54.102,81 de um “chefe da assessoria” ou os R$ 56.072,05 recebidos por um superintendente. São salários superiores ao teto de ministro do Supremo Tribunal. Fosse uma empresa privada, a EBC já teria quebrado há muito tempo.»

Cláudio Humberto, jornalista, em coluna do Diário do Poder.

Ser ou não ser

José Horta Manzano

Faz mais de uma década que o Planalto decidiu proclamar, pela segunda vez, a independência do Brasil. Encasquetaram no bestunto a ideia de que nosso país já tinha atingido o patamar mais elevado, que nos tínhamos tornado grandes entre os grandes, fato que agora nos garante direitos reservados aos primeiros da classe. A obtenção de uma cadeira cativa no Conselho de Segurança da ONU tornou-se a obsessão maior de nossos medalhões.

Fizeram o que podiam e o que não deviam. Distribuíram dinheiro a ditadores sanguinários, acolheram foragidos internacionais, abriram embaixadas em lugares improváveis, fecharam os olhos para as barbaridades cometidas por nossos amáveis vizinhos. Não deu certo. Estamos hoje tão distantes da almejada cadeira quanto estávamos uma dúzia de anos atrás. Talvez até mais afastados. Por quê?

Mapa das Filipinas

Mapa das Filipinas

Porque, como sói acontecer na Terra de Santa Cruz, o enfoque é posto nos direitos, enquanto os deveres são esquivados. Direitos andam de mãos dadas com deveres ― eis aí uma verdade. Dito assim, parece uma evidência. Mas, no Brasil, temos grande dificuldade em assimilar essa correlação entre o esforço despendido e o prêmio conquistado. Não se pode levar o prêmio sem prévio esforço. Se isso acontecesse, as relações humanas se desequilibrariam. Se a gangorra sobe de um lado, tem de descer do outro. A física e o bom-senso concordam.

Sexta-feira passada, um tufão assolou as ilhas Filipinas. A História não tinha guardado notícia de um furacão dessa magnitude. Aldeias e cidades foram devastadas em poucas horas. Em certas regiões, nada ficou de pé ― todas as construções humanas desabaram. Fala-se em dez mil mortos. O número de vítimas não será jamais conhecido com exatidão.

Tufão Yolanda, nov° 2013

Tufão Yolanda, nov° 2013

O mundo se comoveu. Num primeiro momento, os Estados Unidos encaminharam ajuda de emergência por via aérea. Logo atrás, vem vindo o porta-aviões George Washington, carregando remédios, víveres, 5000 marinheiros e 80 aviões. Outros navios militares americanos receberam ordem de acudir ao local da catástrofe.

A Rússia cuidou de enviar um hospital de campanha (airmobile hospital). A França já despachou víveres e um destacamento de bombeiros especializados em localizar pessoas desaparecidas. A Espanha decidiu mandar dois aviões com material de ajuda humanitária. A Austrália remeteu material de emergência mais uma ajuda em dinheiro. O Vaticano deu ajuda financeira. O governo alemão informou que, além de uma primeira ajuda de meio milhão de euros, já havia enviado um avião com 25 toneladas de carga humanitária. Até a China, que mantém antigo diferendo com as Filipinas por questões territoriais, pôs a briga na geladeira por algum tempo e mandou ajuda financeira. Enquanto isso, no Brasil…

Juro que procurei. O Globo nos informa que brasileiros residentes nas Filipinas fazem o que podem para ajudar os sinistrados. Outro site de informação nos conta que o governo brasileiro «lamenta» a morte de tanta gente inocente. Não me pareceu suficiente. Fui diretamente à fonte. Consultei o site da mui oficial EBC ― Empresa Brasil de Comunicação, uma «instituição da democracia brasileira» ― como eles mesmos se apresentam. Procurei por notícias oficiais sobre a reação da «democracia brasileira» a essa infelicidade que se abateu sobre os pobres filipinos.

Manila, capital das Filipinas (Qualquer semelhança com nossa paisagem urbana pode não ser mera coincidência)

Manila, capital das Filipinas
(Qualquer semelhança com nossa paisagem urbana pode não ser mera coincidência)

Quem procura, acaba achando. Além dos renovados pêsames ao governo daquele arquipélago, a Empresa Brasil de Comunicação nos direciona para o site de dez ongs que coordenam doações que particulares queiram fazer. Ajuda oficial do governo brasileiro? Não encontrei.

Ok, admito que o fato de eu não ter encontrado não significa irremediavelmente que nossos mandachuvas não estejam pensando no assunto. Talvez eu não tenha buscado no lugar certo. Se algum leitor me puder mandar alguma luz, agradeço antecipadamente.

De um gigante despertado, de uma potência da magnitude da nossa, de uma nação pujante, soberana, independente, primeiro-mundesca e altaneira, o mundo espera algo mais que um telegrama de pêsames. O poderio não se alardeia com bravatas, mas se demonstra com atos.