Garoto-propaganda da fábrica de mentiras

José Horta Manzano

Num momento em que a imprensa livre é intimidada, insultada e agredida pelo presidente, dia sim, outro também, é um alívio saber que ainda há gente disposta a botar a boca no trombone e expor ao mundo o que ocorre no Brasil.

Em todo o planeta, a voz mais forte na defesa da liberdade de imprensa falada e escrita é Repórteres sem Fronteiras, ONG fundada em 1985 e baseada em Paris. É uma sociedade sem fins lucrativos composta de 120 colaboradores, com filiais em uma dezena de países, entre os quais o Brasil.

Sua ação é menos espetaculosa que a da Greenpeace, porém mais eficaz a longo prazo. Ações teatrais podem garantir o espetáculo na hora, mas nem sempre geram efeito duradouro. Mais vale ir pianinho (como dizem os gaúchos), pois mingau se come pelas bordas (como dizem os mineiros).

No ano passado, quando as más intenções do clã presidencial brasileiro ficaram claras, a Repórteres sem Fronteiras (RSF para os íntimos) cunhou nova expressão: o Sistema Bolsonaro. A denominação engloba o presidente, seus filhos e todos os que integram a máquina de distorcer a verdade e de fabricar mentiras, instalada no Planalto. A expressão é um achado.

No exterior, já faz algum tempo que Bolsonaro está classificado no mesmo balaio que Lukachenko (Belarus) e Maduro (Venezuela), um clube de dirigentes autoritários, mais interessados em favorecer a si e à própria família do que em melhorar a vida dos governados.

Para denunciar os maus-tratos que o presidente tem infligido aos brasileiros, a RSF lançou nova campanha de informação. A intenção é chamar a atenção para as mentiras espalhadas pelo Sistema Bolsonaro. A imagem-símbolo é uma montagem em que o doutor aparece atrás de um cartaz com os dizeres «A verdade nua», além do número de mortos e de casos positivos da covid.

Ignorantes como são, não acredito que os integrantes do Sistema Bolsonaro tomem conhecimento da campanha. Mas o mundo vai ficar sabendo. E, às vezes, por via indireta, o bumerangue acaba voltando.

Para ver o texto da campanha, clique na língua correspondente:

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Da Vice-Presidência

José Horta Manzano

Uma de minhas birras recorrentes liga-se à figura bizarra do vice-presidente da República. O Artigo 79 da Constituição, o único que explica para que serve o vice, diz o seguinte: «Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente». É só, mais nada. Outras atribuições do vice ficaram pra ser especificadas em lei complementar, lei esta que nunca foi votada.

Assim sendo, além de aparecer nas fotos e consumir dinheiro público com salário, mordomias, transporte, segurança e manutenção do Palácio do Jaburu e da respectiva criadagem, o vice só serve pra substituir o titular em caso de impedimento deste. A palavra impedimento, para o pessoal do andar de cima, parece ter significado diferente do que lhe atribuímos nós outros, do andar térreo. É curioso.

Quando o presidente viaja para o exterior, servem-nos o requentado prato da despedida ao pé do avião, aformoseada com a cerimônia da transmissão de poder do titular ao vice. A transferência de poder é perfeitamente dispensável na era da comunicação planetária instantânea. Onde quer que esteja o presidente, as informações de Brasília lhe chegarão na hora, permitindo tomada de decisão imediata. Um vice imbuído de poderes presidenciais só traz confusão: durante esse período, o país conta com dois presidentes, ambos válidos e legítimos.

Quando Sua Excelência é internado para operação severa que o deixará fora do ar por semanas, aí sim, seria hora de o vice assumir as rédeas. No entanto, que vemos? Um presidente acamado, entubado, febril, doente, mas oficialmente em função. E um vice-presidente serelepe, pimpante, falante, sorridente, livre, desimpedido, mas… sem função de mando nem autoridade para tanto.

Se esta não é a hora de passar por cima de resistências do clã presidencial e transmitir logo os poderes ao vice, quando será?