Pulo no escuro

José Horta Manzano

Em maio de 1940, quando as tropas da Alemanha nazista desencadearam a ofensiva a Oeste, atacaram ao mesmo tempo a Bélgica, o Luxemburgo, a Holanda e a França. Em três tempos, botaram pra correr o exército francês, considerado até então um dos mais bem treinados e mais bem equipados do planeta. Em menos de um mês, com os adversários de joelhos, os alemães ocuparam os territórios vencidos e marcharam sobre Paris.

No sufoco, os franceses lembraram de Philippe Pétain, general que já havia salvado o país vinte e poucos anos antes, na guerra de 1914-1918. O velho foi chamado de volta à ativa, depositário da confiança da nação. Ele havia de dar jeito na situação. Entregaram-lhe as rédeas do poder e carta branca pra decidir.

Dia 17 de junho, o rádio transmitiu o discurso do general. A decepção foi amarga. É que as palavras do velho militar não foram exatamente as que o país esperava. Com a voz trêmula justificada por seus 84 anos, ele ordenou que o combate cessasse, que se recolhessem as armas, que cada um voltasse pra casa e que todos aceitassem a ocupação do território pelo exército inimigo. Com um sorriso, se possível.

Não se sabe como teria sido se o poder tivesse sido entregue a outro titular. Não é possível saber como teria sido o que não foi. Assim mesmo, fica a dúvida. Se o combate tivesse prosseguido, será que a França teria amargado quatro anos de ocupação militar?

Estive pensando no caso da Venezuela atual. O país vai mal, muito mal. De repente, surge esse señor Guaidó, jovem e bem-apessoado, com silhueta que lembra vagamente Barack Obama. Tirando o entourage de señor Maduro, não soube de nenhuma restrição que se faça ao desafiante. E olhe que já foi reconhecido como presidente legítimo por 50 governos, incluindo Brasil, EUA, França, Alemanha, Reino Unido, Itália. No entanto, pouco ou nada se sabe de señor Guaidó. Não se sabe quais são suas ideias. Não se conhece sua capacidade de articulação. Não se sabe se tem firmeza de mando. Guaidó ao volante é um pulo no escuro.

Suponhamos que, amanhã ou depois, señor Maduro se sinta abandonado pelos generais, embarque num avião para Uagadugu e desapareça. Como é que fica? É aí que o novo dirigente será testado. Mas não se governa sozinho uma nação do tamanho da Venezuela. Terá de formar governo, pensar na reconstrução do país, mandar escrever nova Constituição ‒ uma série de tarefas espinhosas. Estará capacitado? Terá a envergadura necessária? Para o bem do povo hermano, espero que sim. Tomara que a escolha que fizeram os venezuelanos não os decepcione como a escolha de Pétain desapontou os franceses de 1940.

O onze de novembro

José Horta Manzano

Você sabia?

Hoje, 11 de novembro, comemora-se o armistício que pôs fim à carnificina que os franceses conhecem como «la Grande Guerre». Falo da Primeira Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918 e deixou 9 milhões de mortos e 8 milhões de inválidos. Dá uma média de seis mil mortos por dia ou 250 por hora.

Esses números não levam em conta 8 milhões de cavalos ‒ utilizados então como animais de guerra ‒ dos quais 1 milhão morreu, numa média de setecentos a cada dia.

Passados noventa e oito anos, não sobra mais nenhum dos antigos combatentes. Os últimos sobreviventes já se foram alguns anos atrás, todos com idade em torno dos 110. Acabou-se a guerra, foram-se os combatentes, não sobra quase nenhuma testemunha daquele tempo. Mas o perigo continua.

Obus da guerra 1914-1918 não-explodido

Obus da guerra 1914-1918 não-explodido

Calcula-se que 15 milhões de toneladas de projéteis (bombas, obus, granadas, foguetes, balas) tenham sido lançados durante os quatro anos de conflito. Boa parte dessa munição não explodiu. Fala-se em 15% de material não-deflagrado, parafernália que continua lá, enterrada a alguns metros ou a poucos centímetros da superfície.

No norte da França, na região onde se travaram batalhas importantes, agricultores e operários da construção ainda encontram, a cada ano, mil toneladas de explosivos que deram chabu. O perigo que essa munição representa é considerável. Explosão espontânea por ocasião de incêndio florestal ou de grande calor pode ocorrer. Risco de vazamento tóxico devido à corrosão do material é importante. O lençol freático periga ser contaminado.

Como pode o distinto leitor constatar, perigos permanecem latentes, como recordação sinistra de uma guerra absurda que terminou cem anos atrás. Aliás, toda guerra é absurda.

Quando os netos de nossos netos forem velhinhos, a humanidade ainda estará sob risco de ser vítima da munição que está sendo atirada hoje nalgum dos numerosos campos de batalha do planeta.

Bala perdida mata na hora. Bomba enterrada pode explodir o neto de quem a mandou lançar.