José Horta Manzano
A história da Europa está salpicada de guerras. Da Idade Média até o fim do século 19, foram centenas de conflitos, uns mais longos, outros menos. Houve a interminável Guerra de Cem Anos, que durou de 1337 a 1453 e envolveu França, Inglaterra e mais uma dozena de principados e ducados. Outras guerras foram mais curtas, como a da Crimeia, travada nos anos 1850 entre a Rússia e uma coalizão de Estados europeus, que durou três anos.
Todos esses conflitos deixaram marcas. Modificaram fronteiras entre Estados. Derrubaram impérios e provocaram o surgimento de outros. Deixaram rastro de milhares e milhares de mortos. Foram determinantes na lenta fermentação que desembocou na Europa como a conhecemos. No entanto, apesar da importância histórica, a memória de todos esses conflitos sobrevive apenas em museus e em livros de história. Não se fazem cerimônias comemorativas.
Com os conflitos do século 20 – principalmente com as duas guerras mundiais – o panorama é outro. São constantemente lembrados pela grande mídia. Dirigentes mundiais se reúnem para comemorar esta ou aquela data. Estes dias, por exemplo, celebra-se o 75° aniversário do maciço desembarque de tropas aliadas nas praias da Normandia (França), operação organizada pra dar cabo da dominação do continente pela Alemanha nazista.

Comemoração do 75° aniversário dos Desembarques da Normandia
Entre outros, distinguem-se: Emmanuel Macron, Theresa May, o príncipe Charles, a Rainha Elizabeth, Donald Trump, Angela Merkel, o primeiro-ministro da Holanda, o primeiro-ministro do Canadá.
Hoje e amanhã, na Inglaterra e na França, estarão reunidos os chefes de Estado dos países que combatiam juntos em 1944. Até Frau Merkel, cujo país estava do outro lado da linha de combate, foi convidada – e compareceu. Só faltou Vladimir Putin, presidente da Rússia, país que era importante aliado à época. Segundo a imprensa britânica, ele não foi convidado. Se for verdade, não me parece justo. Afinal, a solenidade não foi convocada pra homenagear dirigentes atuais, mas pra lembrar o esforço que cada país despendeu faz três quartos de século. Não vale permitir que querelas atuais ofusquem heroísmos passados.
Por que será que as duas guerras mundiais, as do século 20, são lembradas e comemoradas todos os anos, enquanto conflitos mais antigos não saem do museu ou das bibliotecas? Sem dúvida, elas foram infinitamente mais destruidoras que as anteriores, mas não é só esse o motivo. Outros conflitos regionais do século 20, por exemplo, são também evocados com frequência: Guerra Civil Espanhola (1936-1939), Guerras da Iugoslávia (anos 1990), Revolução Húngara (1956).
A razão maior é a existência de imagens. Até meados do século 20, vivíamos num mundo de letras e de sons. O advento da televisão e da internet nos trouxe a imagem, componente hoje indispensável a toda informação. Quando se evocam os reis medievais, só temos alguma gravura colorida que nos mostra vagamente o rosto deles. Para os hábitos atuais, não basta. Só acontecimentos com imagem interessam. E temos fotos e filmes, às vezes abundantes, de todos os conflitos do século 20.
Nossos longínquos descendentes do século 25 terão de nós uma ideia melhor do que a que temos dos personagens medievais. Não estaremos aqui pra conferir, mas é um consolo ter a ilusão de que não seremos esquecidos.