Verdades abafadas

José Horta Manzano

O tempos ‒ que já parecem tão distantes ‒ em que o lulopetismo parecia parafusado no poder e destinado a mandar e desmandar, a fazer e desfazer nossa história causaram grandes males ao país. Pequenos males, então, foram gerados de baciada.

Em agosto de 2014, quando ninguém imaginava que a Lava a Jato viesse a assumir as proporções atuais, dois vereadores de Porto Alegre apresentaram projeto de mudança de nome de uma importante avenida da cidade, eixo que liga o centro ao aeroporto e à via expressa. Propunham que a tradicional Avenida Castelo Branco passasse a ser chamada Avenida da Legalidade e da Democracia. O exotismo do nome é digno de uma Pyongyang tropical.

porto-alegre-2Surpreendentemente, o projeto foi aprovado e levado à sanção do prefeito que, por sua vez, tergiversou e se negou a dar o jamegão. Que não seja por isso: a Câmara Municipal promulgou a lei. Faz dois anos e meio que Porto Alegre abriga a Avenida da Legalidade e da Democracia ‒ que a fala popular encurtou para Avenida da Legalidade. O nome novo, bonito no papel, era pouco prático no dia a dia. Nome e apelido chegaram juntos.

Nestes últimos anos, muito líder caiu do pedestal, o que prova que os alicerces eram pouco sólidos. Agora é hora de repor o país nos trilhos. Tem tanto pra fazer! Queiramos ou não, o país atravessou, desde sempre, numerosos períodos autoritários e até ditatoriais. Eles existiram, é inútil negar. Ditadores foram todos os reis de Portugal, donos destas terras durante mais de trezentos anos. Ditador foi Dom Pedro I nos anos que se seguiram à independência. Ditador foi Getúlio Vargas. Ditadores foram os presidentes de 1964 a 1985.

No entanto, não ocorre a ninguém banir Tomé de Souza nem Mem de Sá, ambos interventores a mando do rei de direito divino. O país está repleto de ruas, praças e avenidas que carregam o nome de Dom Pedro I, mandachuva absolutista do país recém-criado. O mesmíssimo acontece com Getúlio Vargas: até municípios foram nomeados em sua homenagem. No entanto, os paladinos da «verdade» histórica fazem abstração de tudo o que for anterior a 1964. Concentram tiroteio na segunda metade do século XX.

porto-alegre-1A roda gira e os moinhos de vento porto-alegrenses também. O jornalista gaúcho Políbio Braga informa que uma vereadora apresentou projeto visando a devolver o antigo nome à Avenida da Legalidade. O relator já completou o parecer e a proposta segue os trâmites burocráticos de praxe. É bem possível que, dentro em breve, o eixo viário abandone a extravagante denominação digna de Havana.

É paradoxo desaforado. Indivíduos, grupos e comitês que se atribuem o monopólio da verdade não têm intenção de restabelecer a veracidade factual. Tentam, isso sim, reescrever a história como lhes convém.

Fazenda e justiça

Sebastião Nery (*)

Arca 1O primeiro ministro da Fazenda do Brasil era corrupto. O primeiro ministro da Justiça do Brasil era corrupto.

O governador-geral Tomé de Souza, nomeado pelo rei de Portugal, desembarcou em Salvador em 1549, instalando a primeira capital do Brasil.

Os dois principais colaboradores do nascente poder colonial eram fidalgos portugueses com prestígio na corte de Lisboa. O primeiro, Antonio Cardoso de Barros, provedor-mor, era responsável pela arrecadação de impostos. O segundo, Pero Borges, ouvidor-mor, administrava a justiça. Roubaram muito, ficaram riquíssimos.

Pero Borges não veio por vontade própria. Havia sido condenado pela justiça portuguesa por ato de corrupção. Motivo: administrador da obra, desviara parte do dinheiro destinado à construção do aqueduto de Mafra, cidade próxima a Lisboa. Para livrá-lo da prisão, as relações familiares, com prestígio na Casa Real, negociaram sua vinda ao Brasil.

Dinheiro voadorQuanto a Antônio Cardoso de Barros, foi designado administrador das finanças públicas e gestor da economia. Sua missão: arranjar recursos para a construção da cidade de Salvador e áreas do Recôncavo baiano. Era de fato o ministro da Fazenda, tributando com rigor os poucos engenhos de açúcar já existentes. Parte dos recursos era incorporada a seu patrimônio pessoal. Ficou milionário e tornou-se proprietário de engenhos, acumulando poder e fortuna.

Era o tiro de largada na roubalheira do patrimônio público no Brasil.

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(*) Excertos de artigo do jornalista Sebastião Nery.

Alvíssaras!

José Horta Manzano

Séculos de presença árabe na Península Ibérica deixaram marcas. Visitas tão demoradas não se esquecem assim tão facilmente. O tempo se encarregou de apagar muita coisa, mas a língua tratou de guardar o que lhe pareceu apropriado. Entre milhares de termos, expressões, palavras, uma cai especialmente bem hoje. Alvíssaras!Visages

Os dicionaristas não são uníssonos quanto à origem da expressão. Para o Houaiss, o Aulete e o Priberam, virá do árabe al-bixra ou al-buxra. Para o Aurélio, o termo é descendente de al-basara. Pouco importa. Todos concordam que se trata de uma boa nova. Uma excelente nova!

A notícia, publicada pelo Estadão de 28 de janeiro e repercutida por Exame e pela Veja, é um começo de uma suspeita de uma esperança de um início de um primórdio do advento de uma solução para o gravíssimo problema da concentração urbana que marca o Brasil atual.

A falta de visão ― sempre ela! ― que caracteriza nossos governantes desde Tomé de Souza gerou um filhote bastardo: a falta de planejamento. Bastardo ou legítimo, o fruto não costuma cair muito longe da árvore. Temos aí mais uma prova. Governantes que exercem sua função com a ideia única de enricar e de preservar seu poder não se preocupam em preparar um futuro melhor para seus governados.

O vácuo total de planificação do crescimento populacional de nosso País engendrou uma desorganização na implantação da infraestrutura. Enquanto algumas poucas regiões concentram uma oferta regular de serviços básicos, outras carecem do estrito necessário. O Brasil, potência econômica de que mutos se orgulham, tem ainda municípios sem esgoto, sem água tratada e até sem estrada de acesso. Um desequilíbrio incompreensível. Visível e perigoso.Multidão

A atração que os centros dotados de alguma oferta de serviços tem exercido, ao longo das décadas, é irresistível. O resultado é o inchaço desmedido de algumas concentrações humanas e o despovoamento de territórios inteiros, largados ao deus-dará.

Não é fenômeno exclusivamente brasileiro, longe disso. É característica dos países do Terceiro Mundo, hoje pudicamente chamado de «países em desenvolvimento» ou até, com certo exagero, de «nações emergentes».

A concentração de multidões em espaço exíguo acaba por provocar efeito perverso. Ao invés de se elevar, o nível dos serviços decai. Ao final, o que se vê é um amontoado humano em que uns poucos bem-nascidos ou bem-sucedidos se locomovem em helicóptero, enquanto aos demais resta apinhar-se em sacolejantes e improváveis transportes coletivos. Lentos, ruidosos, desconfortáveis e sobretudo perigosos.

A melhor notícia do dia ― e das últimas semanas ― é a intenção do governo paulista de implantar 400km de linhas férreas radiais regionais, a partir da capital do Estado. Entendamo-nos bem: estamos, por enquanto, na fase das boas intenções. Nada nos garante que o desafogo da região central venha a ser realidade tão já.Multidão 2

Assim mesmo, intenção por intenção, essa é das boas. Caso ― digo bem: caso ― se concretize, servirá de exemplo para outras concentrações populacionais por esses brasis afora.

Resta-nos esperar que não esteja longe o dia em que nossas «metrópoles», de que tantos parecem se orgulhar, perderão suas características africanas e se aproximarão de padrões aceitáveis.

Alvíssaras, pois! Pior que está não fica. O resto se vê depois.