Transporte urbano

José Horta Manzano

Você sabia?

Dizem que a China é país muito corrupto ― pode ser. Dizem que o sistema de governo é extremamente autoritário ― parece que é. Dizem que grandes desigualdades sociais subsistem ― é certeza.

O que não se diz tão frequentemente é que o salto dado pelo país em vinte anos não ocorreu por obra e graça do Divino. Foi fruto de planejamento, de aplicação, de trabalho.

Um governo errático como o nosso, com critérios efêmeros e mudanças diárias, jamais chegará ao ponto a que chegaram os chineses. O modus operandi do governo brasileiro é paradigma de ineficiência.

Muitos problemas subsistem na China, mas é indisfarçável que o governo central daquele país tem investido na preparação do futuro. Trabalham duro no sentido de garantir aprovisionamento em matérias primas e desenvolvimento tecnológico.

Pequim tem-se mostrado menos preocupada com futebol e mais com o desenvolvimento da capacidade técnica e intelectual do povo. Quem planta, colhe.

Entre outros pontos, o governo cuidou de dotar suas metrópoles de atributos que facilitam a vida moderna. Como o transporte, por exemplo. Em janeiro passado, foram inauguradas as mais recentes linhas de metrô de Xangai. Com as linhas 12 e 16, a rede de transporte metropolitano da maior metrópole chinesa atinge a extensão de 567 quilômetros ― recorde mundial.

O programa de construção do metrô de Xangai prevê acrescentar, nos próximos anos, outros 230 quilômetros ― mais que a extensão total do metropolitano parisiense.

Metrô do Rio e de Xangai: evolução nos últimos 20 anos

Metrô do Rio e de Xangai: evolução nos últimos 20 anos

Para efeito de comparação, aqui vai a extensão atual de alguns metrôs:

Interligne vertical 11Xangai:           567km
Londres:          402km
Nova York:        373km
Moscou:           325km
Madrid:           293km
Cidade do México: 227km
Santiago:         103km
Istambul:          82km
São Paulo:         74km
Rio de Janeiro:    41km

Na China, não se organizam passeatas pedindo melhora na mobilidade urbana. Primeiro, porque é proibido. Segundo, porque não precisa.

Interligne 18bObs: Com informações do ReporterGazeta.com.br

Non è mai troppo tardi

José Horta Manzano

Quando conheci a Itália, faz quase meio século, a elevada proporção de analfabetos ainda destoava de vizinhos culturalmente comparáveis, como a França ou a Alemanha. A escolaridade já então era gratuita e obrigatória, naturalmente. No entanto, as duas guerras mundiais e as privações causadas por elas tinham contribuído para a persistência de bolsões de pobreza e de analfabetismo.

Se, dez anos depois do fim da Segunda Guerra, as crianças já estavam todas sendo alfabetizadas, ainda sobravam muitos adultos que não tinham tido a sorte de frequentar carteiras escolares. Pelo final dos anos sessenta, o governo da península decidiu resolver o problema. Implantou um programa de alfabetização de adultos chamado Non è mai troppo tardi, nunca é tarde demais.

Dado que a imensa maioria dos lares já possuía um televisor, o programa foi concebido sob forma de ensino à distância, com uma emissão televisiva diária, de segunda a sexta. Fez muito sucesso. Em 1968, considerou-se que o objetivo tinha sido atingido e o sistema foi descontinuado.

Estes dias, li a notícia de que a prefeitura de São Paulo decidiu conceder incentivos — isenção de alguns impostos e alívio de outros encargos fiscais — às firmas geradoras de empregos que vierem a se estabelecer numa determinada região da cidade. Lembrei-me daquelas velhinhas enrugadinhas que eu via na Itália tantos anos atrás, todas vestidas de preto, segurando um lápis entre os dedos calejados e hesitantes, num esforço para aprender a ler. Non è mai troppo tardi.

Velhinhos aprendendo by Salvatore Malorgio

Velhinhos aprendendo
by Salvatore Malorgio

Ao abrir mão de certas entradas fiscais, o que a prefeitura de São Paulo está fazendo é o que executivos municipais, estaduais e, sobretudo, federais tradicionalmente negligenciam: planejamento.

Não conheço o programa em seus detalhes, mas não é difícil entender que a perda momentânea de receita será compensada por alguma vantagem futura. No caso em pauta, o ganho pode-se ligar à mobilidade urbana, dado que grande contingente populacional já reside na região visada pela prefeitura.

Governante que se preza é aquele que cuida do planejamento em vez de dedicar seu tempo a preparar a própria reeleição e a tentar perenizar-se no poder. Os tempos em que, ignorante, o grosso da população servia de massa de manobra e se contentava com migalhas está acabando. Os anos que passam vão-se encarregando de desembaçar a vista do brasileiro. Lentamente, ele vai aprendendo a distinguir quem é e quem não é digno de ocupar algum cargo executivo.

A parte mais sensível do corpo humano, como sabemos todos, é o bolso. Prêmios e castigos monetários, incentivos e agravantes fiscais, enfim, tudo o que mexe com a carteira costuma surtir efeito.

Pouco mais de um ano atrás, o Correio Braziliense publicou um artigo meu sobre a importação de médicos — parece incrível, já faz mais de ano que se fala nisso! Para mitigar o problema da má distribuição dos esculápios no território brasileiro, eu propunha que se passasse pelo bolso, isto é, que se concedessem incentivos fiscais aos recém-formados. O artigo não está online no CB, mas, caso alguém se interesse, vai encontrá-lo no site da Rede Nacional de Advogados e também no site Direito Médico, Odontológico e da Saúde.

Oxalá o exemplo paulistano possa ser entendido e, o que é mais importante, imitado por prefeitos, governadores e — principalmente — pelo governo federal.

Nunca é tarde demais para planejar. O futuro, como diria sabiamente o Conselheiro Acácio, ainda está por chegar.

Alvíssaras!

José Horta Manzano

Séculos de presença árabe na Península Ibérica deixaram marcas. Visitas tão demoradas não se esquecem assim tão facilmente. O tempo se encarregou de apagar muita coisa, mas a língua tratou de guardar o que lhe pareceu apropriado. Entre milhares de termos, expressões, palavras, uma cai especialmente bem hoje. Alvíssaras!Visages

Os dicionaristas não são uníssonos quanto à origem da expressão. Para o Houaiss, o Aulete e o Priberam, virá do árabe al-bixra ou al-buxra. Para o Aurélio, o termo é descendente de al-basara. Pouco importa. Todos concordam que se trata de uma boa nova. Uma excelente nova!

A notícia, publicada pelo Estadão de 28 de janeiro e repercutida por Exame e pela Veja, é um começo de uma suspeita de uma esperança de um início de um primórdio do advento de uma solução para o gravíssimo problema da concentração urbana que marca o Brasil atual.

A falta de visão ― sempre ela! ― que caracteriza nossos governantes desde Tomé de Souza gerou um filhote bastardo: a falta de planejamento. Bastardo ou legítimo, o fruto não costuma cair muito longe da árvore. Temos aí mais uma prova. Governantes que exercem sua função com a ideia única de enricar e de preservar seu poder não se preocupam em preparar um futuro melhor para seus governados.

O vácuo total de planificação do crescimento populacional de nosso País engendrou uma desorganização na implantação da infraestrutura. Enquanto algumas poucas regiões concentram uma oferta regular de serviços básicos, outras carecem do estrito necessário. O Brasil, potência econômica de que mutos se orgulham, tem ainda municípios sem esgoto, sem água tratada e até sem estrada de acesso. Um desequilíbrio incompreensível. Visível e perigoso.Multidão

A atração que os centros dotados de alguma oferta de serviços tem exercido, ao longo das décadas, é irresistível. O resultado é o inchaço desmedido de algumas concentrações humanas e o despovoamento de territórios inteiros, largados ao deus-dará.

Não é fenômeno exclusivamente brasileiro, longe disso. É característica dos países do Terceiro Mundo, hoje pudicamente chamado de «países em desenvolvimento» ou até, com certo exagero, de «nações emergentes».

A concentração de multidões em espaço exíguo acaba por provocar efeito perverso. Ao invés de se elevar, o nível dos serviços decai. Ao final, o que se vê é um amontoado humano em que uns poucos bem-nascidos ou bem-sucedidos se locomovem em helicóptero, enquanto aos demais resta apinhar-se em sacolejantes e improváveis transportes coletivos. Lentos, ruidosos, desconfortáveis e sobretudo perigosos.

A melhor notícia do dia ― e das últimas semanas ― é a intenção do governo paulista de implantar 400km de linhas férreas radiais regionais, a partir da capital do Estado. Entendamo-nos bem: estamos, por enquanto, na fase das boas intenções. Nada nos garante que o desafogo da região central venha a ser realidade tão já.Multidão 2

Assim mesmo, intenção por intenção, essa é das boas. Caso ― digo bem: caso ― se concretize, servirá de exemplo para outras concentrações populacionais por esses brasis afora.

Resta-nos esperar que não esteja longe o dia em que nossas «metrópoles», de que tantos parecem se orgulhar, perderão suas características africanas e se aproximarão de padrões aceitáveis.

Alvíssaras, pois! Pior que está não fica. O resto se vê depois.