José Horta Manzano
Ocasionalmente, sintonizo o rádio nalguma estação brasileira. Desde que apareceu a internet, ficou muito mais fácil. Onde antes era necessário um bom receptor de ondas curtas mais uma antena de 10 metros, hoje o computador basta.
Ouço, com frequência, que «pelo horário de Brasília, são tantas horas». Pior ainda, há emissoras de alcance nacional que ousam proclamar que «pelo horário brasileiro de verão, são tantas horas». Um despropósito. Explico.
Todo o mundo sabe que as palavras têm peso. Quem fala no rádio ― ou na tevê, ou numa sala de aula, ou num palanque político ― deveria estar ainda mais alerta para não escorregar.
O Observatório Nacional, fundado há quase duzentos anos, conta com várias divisões, cada uma encarregada de um setor específico. Entre elas, está a mui oficial Divisão do Serviço da Hora. Seu encargo é estabelecer e cuidar da hora legal no País. O controle se faz por sofisticados relógios atômicos, daqueles que levam 10 milhões de anos para atrasar um segundo.
Atualmente, adotam-se quatro diferentes fusos horários para regular o esparramado território nacional. Essa norma gera quatro horas legais regionais. À medida que nos vamos afastando das ilhas oceânicas em direção ao interior das terras, vão-se sucedendo os fusos horários. O quarto e último cobre o extremo oeste do País (Estado do Acre e oeste do Amazonas).
Cada uma dessas regiões tem, portanto, sua hora legal. Por razões de economia de energia, o sistema é alterado durante os meses do verão austral. Ainda assim, uma hora legal continua a ser atribuída a cada porção do território.
Vejam bem. Até aqui, falamos do Serviço da Hora e da hora legal. Assim como a instituição encarregada não se chama «Serviço do Horário», não se deveria dizer «horário legal». Não entendo bem por que cargas d’água a palavra horário vem sendo usada em lugar de hora. Horário, para mim, lembra uma tabelinha onde se inscrevem hora de entrada, de saída, de partida, de chegada. Há horário de ônibus, horário de aulas, horário de programa de tevê.
Relógio solar
«Horário legal de verão» é expressão esquisita. É como se o Legislativo brasileiro impusesse ao Sol um horário para aparecer no horizonte e depois desaparecer do outro lado. Horário de verão combina com abertura e fechamento de barraquinha de praia, dessas que vendem caipirinha e casquinha de siri. É ditado por outras contingências, não pela Divisão da Hora.
Portanto, se algum locutor de rádio ou de tevê me estiver lendo, anote por favor. Deixe pra lá o esquisito «horário de Brasília». Brasília não tem horário, tem hora. E ponha uma pedra em cima do «horário brasileiro de verão» ― uma descortesia para com os ouvintes que se encontram sob outro fuso horário.
Não tenho muita ilusão. Estou consciente de que, satisfeito ou desagradado, terei de me resignar a continuar ouvindo que «pelo horário do Brasil, são tantas horas».
Assim mesmo, fica aqui o meu protesto. Pode até servir, quem sabe?
Só por curiosidade
A Radio Nacional de España, por exemplo, quando dá a hora, diz: «Son las once de la mañana, las diez en Canarias». É uma cortesia para com os ouvintes do arquipélago das Canárias, cuja hora legal está 60 minutos atrasada com relação ao continente. Não custa nada e evita atropelar o ego de algum ouvinte.