José Horta Manzano
A história oficial nos ensina que o Brasil não tem nenhum litígio com vizinhos por questões de fronteira. Aprendemos que, desde que o barão do Rio Branco resolveu a última pendência mais de cem anos atrás, os limites do país estão consolidados e não sofrem contestação.
Na época do barão, era verdade. Assim que a questão do Acre foi definida pelo Tratado de Petrópolis em 1903, os limites do território nacional se tornaram definitivos. E reconhecidos internacionalmente, o que é mais importante. No entanto, como na vida nada é definitivo, uma dúvida seria levantada trinta anos mais tarde. Não tinha que ver com o Acre, mas com o Uruguai, que, até 1828, tinha formado parte do Império do Brasil com o nome de Província Cisplatina.
A fronteira entre Brasil e Uruguai foi sacramentada por um tratado de limites elaborado e firmado em 1851. Em seguida, nos anos 1860, foi levada a efeito a demarcação física da linha de fronteira. E o assunto foi dado por encerrado. Oitenta anos mais tarde, estudos levados a cabo por especialistas uruguaios concluíram que um erro havia sido cometido quando da fixação dos mourões ‒ os marcos fronteiriços.
Apresentaram reclamação formal ao Brasil reivindicando uma área de 237km2. O território contestado é relativamente pequeno. Sua superfície é igual à do município de Gramado (RS). Mas o pleito caiu num momento histórico desfavorável a nossos hermanos. O ano era 1934. Getúlio Vargas ‒ justamente um gaúcho ‒ estava aboletado no Palácio do Catete, e o mundo assistia a um recrudescimento de sentimentos nacionalistas. A reclamação uruguaia foi sumariamente rejeitada.
Inconformados, nossos vizinhos voltaram à carga em diferentes ocasiões. Todas elas vieram quando o Brasil vivia momentos conturbados. Três pedidos de revisão da demarcação chegaram durante os anos Vargas e, mais tarde, outro pedido chegou em plena ditadura dos generais. Falta de sorte. O Catete ‒ e, mais tarde, o Planalto ‒ ignoraram o reclamo.
A última solicitação uruguaia foi feita em 1988, num momento em que os brasileiros, atazanados pela inflação galopante, não tinham disposição para cuidar desse assunto. De novo, a resposta de Brasília foi negativa. Os mourões estão lá e lá vão ficar.
No fundo, a região contestada não é estratégica para nenhum dos dois países. Pouco habitada, longe de tudo e com infraestrutura precária, desperta pouco interesse. Não tem petróleo, nem minérios, nem saída para o mar, nem atração turística. Até pra pegar sinal de celular, naqueles pagos, precisa levantar cedo e se armar de paciência. A briga é questão de orgulho nacional.
O Mercosul deu uma aliviada em alguma tensão que pudesse ter existido no passado, se é que existiu. O afrouxamento das fronteiras entre os membros foi benéfico para acalmar ânimos. Seja como for, o Rincão de Artigas, que pertence ao município de Santana do Livramento, é brasileiro de facto. E tudo indica que assim permanecerá.
Nota
Nossos hermanos perderam o momentum representado pela era lulopetista, o período mais entreguista que nosso país já conheceu. Assim como deu à Bolívia, de mão beijada, uma refinaria da Petrobrás, é quase certo que o Planalto teria dado o rincão aos uruguaios. Embrulhado pra presente e acompanhado de polpuda soma em ressarcimento de injustiça histórica. O destino não quis.