José Horta Manzano
Sigismeno tem acompanhado com grande atenção a tragicomédia que envolve a Petrobras e sua refinaria de Pasadena. É verdade que certos detalhes lhe escapam à compreensão ― por exemplo, já me dei conta de que ele não entendeu exatamente o significado da expressão inglesa “put option”.
Ontem de tarde, em pleno domingo de Páscoa, lá veio ele com mais uma de suas filosofias. Mal chegou, foi logo argumentando:
― Não entendo por que é que essa gente, em vez de se perder em considerandos, não vai direto aos finalmentes.
― Como é que é, Sigismeno? Essa gente quem?
― Estou falando da Petrobras. Essa história de dona Dilma ter assinado sem ler.
― Ah, entendi. Você fala da compra daquela refinaria americana. Bom, antes de mais nada, convenhamos, o fato de uma companhia brasileira ter comprado empresa americana é motivo de orgulho, né não? Coisa impensável trinta ou quarenta anos atrás.
― Olhe, em matéria de orgulho, preferia ficar sabendo que o Brasil subiu na classificação Pisa.
― Ok, ok, Sigismeno. Melhor virar a página, que não vale a pena discutir por tão pouco. De que considerandos você estava falando?

Petrobras 2006: os mandachuvas Lula, Dilma, Gabrielli e o diretor atualmente encarcerado.
Foto Ed.Ferreira/Estadão
― Pois veja só. Mais de um bilhão de dólares ― do nosso dinheiro! ― foram atirados pela janela, não foram?
― É o que dizem. Justamente, uma Comissão Parlamentar de Inquérito está sendo montada para averiguar. Cabe a ela estabelecer a verdade.
― Pois é com isso que não concordo ― atalhou Sigismeno.
― Não quer que a verdade seja apurada, Sigismeno?
― Não é isso. Não acredito que CPI resolva. Função de parlamentar não é investigar, é legislar. Além do que, o Congresso é constituído de facções, confrarias, grupos de interesse. Cada um puxa a brasa pra sua sardinha. Uns fazem força pra acelerar, enquanto outros tentam bloquear. Não é o lugar adequado, não é tribunal.
― E qual seria a solução? Não vá me dizer que tem de chamar a polícia.
― A polícia? Não, não é o caso. Quem tem de agir é a Justiça.
― A Justiça? Mas por quê?
― Porque há forte suspeita de crime, ora. Enquanto o País inteiro está entretido a cogitar se o relatório que dona Dilma diz ter recebido era ou não omisso, estamos passando ao largo do que é realmente importante.
― E, segundo você, o que é importante, Sigismeno?
― Ora, meu caro, vejo que até você está-se deixando engabelar. Você está seguindo o rebanho sem parar pra pensar.
― Agradeço pelas gentis palavras, Sigismeno. Continuo sem saber o que é importante.
― Explico. Imaginemos que você esteja procurando comprar um carro usado. Digamos que o valor de mercado da marca e do modelo que você quer seja por volta de 25 mil reais.
― Você anda lendo meus pensamentos. Estou justamente atrás de uma boa ocasião.
― Não é disso que estamos falando agora. Se você continuar me interrompendo, não vamos chegar ao final.
― Tá bom, não fique chateado. Continue com a história do carro usado.
― Pois é, digamos que você encontra um veículo dentro dos parâmetros que você tinha fixado: marca, modelo, ano de fabricação, quilometragem, cor da carroceria, número de portas. Só que, em vez de 25 mil, estão pedindo 250 mil reais. Você faz o cheque?
― Peraí, posso ser bonzinho, mas não sou completamente tapado. É claro que não vou pagar preço de carro de luxo por um calhambeque!

Estes não pagaram um bilhão.
Investiram do próprio bolso.
― Pois é aí que eu queria chegar. Qualquer espírito medianamente informado entende que, quando os dirigentes da Petrobras aprovaram a compra de uma refinaria por valor dez vezes superior ao de mercado, alguma coisa muitíssimo estranha estava acontecendo. A tal cláusula que obrigava a petroleira brasileira a dobrar o investimento é secundária.
― Secundária? Não estou de acordo, Sigismeno. É justamente aí que está o nó. É exatamente nesse ponto que entra em cena a então presidente do conselho de administração da empresa ― nossa atual presidente da República.
― Cáspite! Você está tão contaminado pela propaganda oficial que não consegue mais enxergar com seus olhos! Pense um pouco. O caso do relatório «falho», se é que relatório existiu, passa por cima do principal. Com ou sem relatório, o preço da transação era conhecido por todos. Dona Dilma pode não ter ideia do valor de uma refinaria, mas a empresa cujo conselho de administração ela presidia certamente ainda contava com gente capaz de avaliar. Por que é que não o fizeram?
― Sei lá eu, Sigismeno.
― Pois eu sei. Foi tudo de caso pensado. Não é possível acreditar que jogaram fora nosso dinheiro por terem sucumbido ao encanto dos olhos do antigo proprietário da refinaria. É muito dinheiro. Nalgum lugar foi parar.
― É difícil acreditar.
― Era. Era difícil. O inimaginável tem virado rotina no Brasil de hoje.
― Não deixa de ter razão, Sigismeno. Mas por que não deixar que a CPI faça seu trabalho?
― Porque não vai dar em nada, já lhe disse. Alguma entidade de peso ― OAB, partido político, grupo de congressistas ― teria de apresentar denúncia diretamente à Justiça. Em terras mais civilizadas, isso já teria sido feito. Quem desvia um bilhão de dólares de um povo carente de cuidados básicos não pode safar-se com um «desculpe, foi sem querer».
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