Para um 22 de abril

Descobrimento do Brasil
by Oscar Pereira da Silva (1867-1939)

José Horta Manzano

Você sabia?

 


Insegurança é componente importante do espírito brasileiro.

Vivemos num persistente estado de insegurança de raiz.


 

A desonestidade e a criminalidade onipresentes geram insegurança e transformam o honesto cidadão em refém da violência de criminosos.

Na política, fica a impressão de que os do andar de cima, embora podres, conseguem sempre escapar dos raios da justiça.

Para os do andar de baixo, a insegurança jurídica é proverbial. Vai-se dormir à noite sem ter certeza de que, no dia seguinte, leis e regulamentos ainda serão os mesmos.

Essas incertezas não vêm de hoje. Marcam a história do país desde o dia em que foi lavrada sua “certidão de nascimento”. Falo da carta de Pero Vaz de Caminha, bordada com arte e carinho pelo escriba da esquadra de Cabral.

A missiva é cristalina ao datar a descoberta – ou o achamento, como prefiram – da terra tropical. Diz ela: “nos 21 dias de abril (…) topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho”. No dia seguinte, foi avistado um «monte mui alto e redondo», além de serras e de terra chã com grandes arvoredos. Pronto, o Brasil estava achado. E era 22 de abril.

Acontece que essa carta, devidamente guardada nalgum escaninho da burocracia lusa, sumiu durante 300 anos e acabou esquecida. Só viria a ressurgir no século XIX. Enquanto isso, o Brasil já se havia declarado independente da metrópole. Logo após a independência, na complexa organização do novo país, foi buscada uma data de descobrimento. Na falta de informação segura, foi designado o dia 3 de maio. E por quê?

A insegurança gerada pela ausência de provas documentais fez supor que o primeiro nome dado à terra – Vera Cruz – viesse do dia que a Igreja consagra à celebração da verdadeira cruz, justamente o 3 de maio.

Em 1889, ao fixar os feriados oficiais da nova república, o governo provisório manteve a comemoração da chegada dos primeiros europeus em 3 de maio. Por essa altura, a carta de Pero Vaz já havia reaparecido – portanto, já se sabia que a verdadeira data não era aquela. Assim mesmo, por comodidade, deu-se preferência a manter a celebração no dia de Vera Cruz. Como o dia de Tiradentes, 21 de abril, já era dia de festa, não convinha fixar dois feriados seguidos.

Não foi senão durante a ditadura de Getúlio Vargas que a História se rendeu oficialmente à evidência: estava-se comemorando no dia errado. Resolveram corrigir. De uma tacada, vieram duas modificações: o descobrimento passou a ser celebrado dia 22 de abril e, ao mesmo tempo, deixou de ser dia feriado.

Quando eu era criança, meus pais me diziam que o Brasil tinha sido descoberto em 3 de maio e eu não entendia por que, na escola, me ensinavam data diferente. A insegurança sobre as datas só se desfez muitos anos depois, quando eu descobri que meus pais estavam apenas me transmitindo o que haviam aprendido nos tempos de grupo escolar.

O distinto leitor há de convir que, numa terra que já começou com provas documentais desaparecendo de circulação, não espanta que a insegurança continue sobressaindo. Fazer sumir provas tornou-se esporte nacional. Antes, eram documentos que desapareciam; hoje em dia, são as fitas das câmeras do Palácio do Planalto.

Francamente, continuamos a viver na terra do “eu não sabia de nada”.

A ficha ainda não caiu

José Horta Manzano

Faz alguns dias, à aproximação do 7 de setembro, assessores do Planalto saíram em busca da faixa presidencial. Afinal, o Dia da Independência é o feriado maior, comemorado com desfile, faixa e fita. O adereço tinha de estar pronto, limpo, passado a ferro e tinindo para paramentar o presidente.

Faixa presidencialA faixa foi encontrada, mas o broche que completa o conjunto ‒ feito de ouro e diamantes ‒ tinha desaparecido. Parece que não é a primeira vez que objeto precioso desaparece nas dependências do Planalto. Ah, essas faxineiras…

A mídia divulgou o sumiço. Diante do compreensível escândalo que o “extravio” provocou, o broche, reapareceu rápida e miraculosamente. O objeto simplesmente repousava em berço plácido, bem debaixo de um armário que ‒ veja que coincidência! ‒ não via vassoura havia anos. Tinha caído e ninguém se tinha dado conta. Ah, esses distraídos…

Chegou o grande dia, faixa pronta, revigorada, aprumada, engomada e com o devido broche. E o que é que se vê? Um presidente que se apresenta na tribuna de honra como um civil qualquer, sem o símbolo tradicional.

desfile-7-setembro-5Concedo que o adereço não passa de um pedaço de seda, mas, diabos, é símbolo da nação. Nas grandes cerimônias, todo cacique usa o devido cocar. Até a rainha da Inglaterra, nas grandes horas, vem de manto e coroa. Senhor Temer houve por bem deixar a faixa em casa. Talvez tivesse receio de que o broche lhe fosse surrupiado. No Brasil, nunca se sabe.

Assim mesmo, teria valido a pena correr o risco. Ficou a desagradável impressão de que nem o próprio presidente respeita a autoridade de que está investido. A ficha ainda não caiu, o que é mau sinal.