O polemista francês

Eric Zemmour

José Horta Manzano

Monsieur Eric Zemmour é um francês pra lá de especial. Apesar da aparência física pouco graciosa, faz anos que surge aqui e ali, nalgum programa televisivo, sempre com a mesma obsessão. Para ele, os imigrantes são a causa de todos os males da França.

Mas, atenção! Quando fala em imigrantes, leia-se: os árabes originários da Argélia, da Tunísia e do Marrocos, antigas colônias e/ou protetorados franceses). Estrangeiros provindos da Alemanha, da Espanha, da Lituânia ou da Quirguízia não entram na mira do polemista.

Polemista – é essa a palavra. Se são figuras um tanto raras no Brasil, os polemistas existem aos montes na França. Não sei se a origem desse fenômeno é a própria lingua, que se presta a debates metafísicos. Talvez seja simplesmente a tradição, a educação que cada um recebe. Os jovens já entram na adolescência ensaiando os primeiros passos no mundo da polêmica.

Discute-se por um sim ou por um não. Cada um faz questão de dar sua opinião. Atenção: as discussões são animadas, mas a agressividade costuma limitar-se às palavras, sem consequências físicas.

Monsieur Zemmour, jornalista e escritor, fez da troca de ideias sua marca de fábrica. Seja qual for o tema da conversa, não tem jeito: ele sempre acaba acusando seus “imigrantes” de todos os males. É o que alguns chamam de monomania, um defeito que incomoda.

Ele tem dado sinais de que será candidato à Presidência do país, nas eleições de abril do ano que vem. Por enquanto, não confirma, deixa que as especulações borbulhem. Mas é bem provável que, qualquer hora, se declare candidato oficial.

Entrevistado pela Folha de São Paulo(*), mandou respostas por escrito. Naturalmente, foi instado a dizer o que pensa de Bolsonaro, Trump, Marine Le Pen, Macron – uma armadilha atrás da outra. Não deixou nenhuma pergunta sem resposta. No entanto, escorreguento feito peixe ensaboado, limitou-se ao politicamente correto, sem jamais se comprometer.

Segundo Zemmour, o Brasil é exemplo de multiculturalismo que deu certo. Ele parece achar que o simples fato de todos falarem a mesma língua é fator suficiente para atestar que a noção de bem comum está arraigada na alma do brasileiro.

Se vê que o Monsieur não conhece bem nosso país. Os brasileiros têm uma baciada de qualidades, mas a noção de bem comum não está entre elas. E faz uma falta danada. A noção de bem comum anda de mãos dadas com o sentimento de pertencimento, o grande ausente da alma nacional.

Pertencimento não se resume a enrolar-se na bandeira e cantar o Hino. Vai bem mais longe que isso. Começa no respeito ao vilarejo (ou à cidade, ou à metrópole) onde se vive. Continua no comportamento civilizado, em que cada cidadão respeita o próximo e paga seu “dízimo” – sob forma de imposto –, como contribuição para o funcionamento da sociedade.

Estamos a anos-luz da noção de bem comum mencionada pelo polemista francês. No fundo, o país dele, apesar dos mal-amados “imigrantes”, está bem mais próximo da meta do que nós.

(*) Se alguém estiver interessado em ler a longa entrevista concedida por Monsieur Zemmour à Folha, faça-me saber por email.

Extremismo à brasileira

Myrthes Suplicy Vieira (*)

Cabeçalho 13

Olá,

Somos um grupo amador brasileiro especializado em atentados a bancos, empresas e veículos de segurança, tráfico de armas e de drogas. Apesar de já termos galgado posição de destaque junto à criminalidade dentro e fora do território do Rio de Janeiro, sentimos que ainda não alcançamos a projeção a que aspiramos e à qual acreditamos ter direito na mídia brasileira e internacional. Atribuímos esse estado de coisas à acirrada concorrência que temos enfrentado nos últimos anos na esfera política nacional. São tantos e tão variados os escândalos de corrupção na administração municipal, estadual e federal que praticamente não sobra tempo à imprensa livre para cobrir eventos ‒ por mais impactantes que sejam ‒ fora do âmbito político-empresarial.

Assalto 10Em função dessas contingências, estamos pensando em nos profissionalizar e atuar fora de nossa área de especialização, evoluindo para a área do terrorismo internacional. Contamos com muitas habilidades que, temos certeza, serão de grande valia para sua organização durante a realização dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Conhecemos cada minúsculo beco da cidade-sede, temos gente nossa infiltrada em milícias das várias comunidades cariocas, na polícia estadual e até mesmo em quadros da administração local. Além de podermos facilmente nos misturar à multidão, não enfrentamos obstáculos maiores para lidar com o controle de fronteiras, em especial no sul do país, já que contamos com soldados habituados a tratar com militares na tríplice fronteira Brasil – Argentina – Paraguai.

JO 2016Para melhor servi-los, já nos inscrevemos em cursos diversos, inclusive artes marciais, tiro e língua árabe. Adquirimos recentemente algumas metralhadoras AK-47 numa transação virtual com lojas do Paraguai para não levantar suspeitas desnecessárias, coisa que certamente teria ocorrido caso nos tivéssemos deslocado até lá.

Outro de nossos diferenciais é que fazemos parte de uma população universalmente reconhecida como inventiva, adepta da improvisação e aberta às mais diversas orientações sociais, religiosas e ideológicas. Multiculturalismo, acolhimento de estrangeiros e sincretismo religioso são pontos fortes de nossa cultura e de nosso grupo. Ainda que nos agrade pensar que somos abençoados pelo Cristo Redentor, não vemos incongruência em aderir aos preceitos muçulmanos, principalmente se as virgens prometidas aos mártires da fé puderem ser desfrutadas com antecedência, já neste plano, e se nossa cervejinha santa de todos os dias puder ser consumida excepcionalmente por nossos combatentes, ao menos nos dias de ação.

Cerveja 1Podemos adicionalmente oferecer consultoria quanto às características físicas, vestimentárias e comportamentais a ser observadas por lobos solitários que venham a ser recrutados. Como deve ser de seu conhecimento, o calor da cidade do Rio de Janeiro, inclusive no inverno, torna contraindicado trajar vestes pesadas ou portar cinturões de explosivos que só serviriam para retardar o deslocamento e a fuga. Dispomos de farto estoque de bananas de dinamite que poderiam ser rapidamente alocadas em diversos locais de concentração de público. Ninguém se assustaria também com a visão de armas de grosso calibre, nem com eventuais tiroteios, uma vez que isso já faz parte da paisagem natural carioca. Nosso trânsito caótico pode permitir ainda a utilização de todo tipo de veículos leves e pesados, mesmo em áreas interditadas. Atropelamentos não são exatamente uma novidade para nós. Podemos considerar inclusive a utilização de embarcações de todos os tipos para rápido deslocamento por mar durante as provas aquáticas. Finalmente, estamos preparados para nos valer de infinitas formas de disfarce, como é tradição em nosso Carnaval.

Odalisca 1Expostas todas essas características, só nos resta torcer para que vocês, companheiros de luta, se sensibilizem e aceitem nosso pedido de filiação. Aguardamos ansiosamente sua resposta e nos colocamos à disposição para toda informação adicional concernente à nossa expertise. Aproveitamos o ensejo para solicitar que a comunicação entre nós fique restrita à troca de faxes, considerando o alto risco de rastreamento de nossos celulares.

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.