Tudo é fake

José Horta Manzano

Dê uma olhada na foto acima. Até que não está tão mal, não é? Mas alguma coisa atrapalha. Parece esquisita, um pouco fora de esquadro. Mostra um cenário bonitinho, de Natal idealizado. Dá pra entender a intenção de quem teve a ideia, só que o conjunto ficou pra lá de bizarro.

De fato, a porta de vidro e a armação metálica que aparecem por detrás do cenário estragam o efeito de casinha mágica. A neve que cai tem dois defeitos: 1. Não costuma nevar com céu azul; 2. O gramado (capim?) não recebeu nenhum floco e continua verdinho. O efeito fake incomoda.

Tem mais. Os quatro personagens vestidos de preto não combinam de jeito nenhum com casinha de cartão postal. A presença inquietante dessas quatro silhuetas abafa o som do Jingle Bell.

Agora vou contar uma coisa: essa imagem mostra só uma parte da foto original. Se você ainda não adivinhou, clique aqui pra ver a fotografia original por inteiro.

Chué

José Horta Manzano

Quero crer que a foto foi batida no interior de um dos palácios oficiais que a República destina ao presidente: Alvorada, Planalto ou Granja do Torto. Dá pra imaginar o momento que antecedeu a imagem congelada.

De repente, o capitão se levanta e ordena a um serviçal que, de pé, assistia ao jogo, pronto pra atender a um chamado.

“Ô amizade! Pega teu telefone aí e tira uma foto de mim aí! Péra, não, você fica ali, péra um pouco, é pra mim sair na frente da tela. Deixa eu espichar o dedo. Pronto, agora, pode tirar!”

O resultado é o que se vê acima. É raro ver tanto mau gosto reunido numa só imagem. É verdade que bom gosto não é exatamente o que se espera do personagem. Assim mesmo, a gente tem sempre um fiozinho de esperança – que se esfiapa a cada vez.

A tela
Sua Excelência, aproveitando-se da exposição que o cargo lhe dá, aponta para o logo de uma emissora de televisão amiga. Ao fazê-lo, faz propaganda da empresa. Pega muito, mas muito mal. Presidente da República, justamente pela visibilidade de que dispõe, não pode exercer o papel de garoto-propaganda de empresa nenhuma. É indigno do cargo, e injusto para com as emissoras concorrentes.

Se eu fosse responsável por uma dessas emissoras que não tiveram direito a receber a bênção presidencial, entrava com pedido de ressarcimento pelo fato de minha empresa não ter sido contemplada com tratamento igual. É questão de isonomia. Ou Sua Excelência faz propaganda de meu canal também, ou exijo compensação financeira. A Justiça não ia ter como negar. E serviria de lição ao presidente descarado.

Eu poderia fazer propaganda de quem bem entendesse, que o alcance de minhas palavras não iria muito longe. Quando são figuras públicas que se pronunciam, como o presidente da República, é diferente. Uma palavra dessa gente causa forte impacto. Vale como exemplo o gesto do jogador Ronaldo, que outro dia, numa entrevista coletiva, empurrou para o lado uma garrafa de Coca-Cola: 30 minutos depois, a marca havia perdido 4 bilhões de dólares de valor de mercado.

Qualquer dia destes, o capitão devia fazer-se fotografar em frente à tela na hora da novela. Queria ver qual é o logo que aparece no canto.

A camiseta
Pelo que entendi, a camiseta (ou camisola, como preferem nossos amigos lusos) que o presidente veste é o uniforme de um time de futebol de Santa Catarina. Uma cadeia de lojas patrocina o time, o que explica as letras de 20cm de altura. Neste caso, fica complicado falar em propaganda indevida, como no caso da emissora de tevê.

Mas não fica complicado falar do requinte de mau gosto do capitão. De fato, quem ostenta um barrigão daqueles deve abster-se de vestir camiseta justinha. Pior ainda se for de cor amarela. O homem engordou muitíssimo de um ano e meio pra cá. A boia do palácio deve ser superior ao que serviam na cantina da Câmara.

Os fios
Esta não tem muito a ver com o capitão, mas ele não deixa de ser cúmplice. Você reparou naqueles fios que saem do decodificador de tevê? Minha casa não é o Palácio da Alvorada, mas aqui os fios são mais comportadinhos. Aquela fiação pendurada que aparece na foto presidencial está mais pra gato montado pra sugar o sinal do vizinho otário que paga a assinatura.

Os objetos
Repare na coleção de objetos disparates captados pela câmera. Temos:

  • o decodificador (que ficava melhor se estivesse disfarçado dentro de um compartimento, com os fios camuflados dentro de uma canaleta ou de um conduíte);
  • um calendário (que lembra brinde de fim de ano da farmácia da esquina);
  • um objeto (que parece ser um agrupamento de cristal de rocha desses que a gente traz de lembrança de viagem);
  • um livrinho azul (que não deve ser a Constituição, pois o presidente guarda a dele religiosamente na mesinha de cabeceira, para consulta diária, como todos sabem);
  • um vaso azul.

Ah, vou contar um segredo, que talvez nem o capitão saiba. Vamos falar baixinho, que é pra ele não ouvir. Sabe o vaso de porcelana que aparece justamente entre a tela e o capitão? Vão me desculpar pela ousadia, mas é a peça de maior valor nessa imagem; vale mais que a tela e o dono da casa adicionados. Pelo alto valor, até destoa dos demais objetos expostos. Só que tem um senão: o vaso é… chinês!

Não deixem que o capitão fique sabendo, senão ele vai ter pesadelos à noite.

Chué
Faz tempo que não ouço o termo chué, que pus no título. Me pergunto se seu prazo de validade já não estaria vencido. É adjetivo e significa ordinário, à toa, reles, pífio, cafona.

É palavra de origem árabe, língua em que significa pouco, pequena quantidade. Entrou na nossa língua no tempo da ocupação da Península Ibérica pelos mouros. É interessante que tenha sobrevivido em português, mas não em espanhol nem em catalão.

Por outro caminho, o termo também chegou ao francês atual. A importação foi feita na época em que a Argélia, região onde se fala um dialeto árabe, era colônia francesa. Em francês, a palavra é usada ora como substantivo, ora como advérbio. Tem a forma chouya (pron: chuiá) e mantém o significado original de quantidade pequena, pouco.

Símbolo descendente

José Horta Manzano

Não sei se o distinto leitor acredita no poder dos símbolos. Não me refiro ao estudo deles, de que a semiologia (ou semiótica) se encarrega. Essa disciplina procura descobrir o significado por detrás de cada sinal, símbolo ou sintoma. Minha pergunta inverte os sinais: até que ponto um símbolo pode influenciar e moldar os que convivem com ele?

brasilia-palacio-alvoradaTomemos o Palácio da Alvorada, por exemplo. Marco maior da modernosa arquitetura brasileira de meio século atrás, é esteticamente marcante. Visto de fora, é único. Não conheço concorrente que, na linha do «despojado chique», lhe faça sombra. No entanto, embora tenha sido construído para servir de residência oficial para o presidente da República, nem sempre foi aceito de bom grado pelos inquilinos. Já houve até presidentes que se recusaram a habitar lá, acusando o edifício de ser gelado no inverno, abafado no verão, pouco funcional, mal isolado e com jeitão de repartição pública. Em uma palavra: inabitável.

João Figueiredo preferiu passar a maior parte do mandato na Granja do Torto. Fernando Collor desprezou o palácio em favor da folclórica Casa da Dinda. E temos agora Michel Temer que, depois de apenas uma semana de experiência, retornou correndo ao Jaburu, que lhe parece mais acolhedor.

tcu-1O Alvorada é um símbolo, sem dúvida. No entanto, até que ponto a obrigação de viver dentro de um edifício inóspito, de temperatura desregulada e pouco funcional influencia o humor do inquilino principal e, em última instância, a governança do país? Será que se tivéssemos uma residência oficial com cara de casa ‒ como a Casa Branca (Washington), o n° 10 de Downing Street (Londres) ou o Palais de l’Elysée (Paris) ‒ nossos governantes não teriam imprimido ao país caminho mais civilizado? Será que um símbolo mais acolhedor não teria contribuído para desencastelar presidentes e aproximá-los dos governados?

Na mesma linha, faz algum tempo que boto reparo na tabuleta plantada à frente do Tribunal de Contas da União. O excelso TCU, como sabem todos, é o controlador de nossas contas. Sua função é ficar de olho para que nossos dinheiros sejam gastos como manda o figurino, de maneira reta e correta. Reta e correta… Repare só na tabuleta fincada bem à frente do Tribunal, no gramado que o circunda. Ela não é reta nem correta!

tcu-2Por imprudência de um artesão ‒ ou, sabe-se lá, por fantasia de um arquiteto ‒, a placa é torta. Pende para um lado. Da primeira vez que prestei atenção, botei na conta de uma ilusão de ótica. Depois de observar dezenas de fotos, tive de admitir a realidadade: a placa que assinala o palácio onde se controla a retidão de nossas despesas está enviesada, oblíqua.

Dizem que o Brasil caiu tanto estes últimos anos que vamos precisar de décadas pra consertar. Que tal começar endireitando a placa do TCU? Custa pouco e pode ser início promissor. Pelo menos, passará a exprimir o que desejamos todos: a direitura.

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Nota interessante
Logo na primeira página do site do TCU, entre generalidades e considerandos, aparece a bandeira do Brasil.

Bandeira brasileira tal como aparece no site do TCU

Bandeira brasileira tal como aparece no site do TCU

Num contexto informal, é admissível que o símbolo maior seja estilizado, distorcido, alterado. No TCU, o tribunal que controla a retidão das contas públicas, não é tolerável. Além de mutilada, a bandeira aparece… desbotada! Dá pra imaginar simbologia mais aviltante?

Pedindo socorro ao mundo

by Lezio Jr, desenhista paulista

by Lezio Jr, desenhista paulista

Cláudio Humberto (*)

Após reunião em que concluíram ser irreversível o impeachment, aliados de Dilma Rousseff passaram a defender que ela somente saia do Palácio da Alvorada à força, transformando a residência oficial em “símbolo de resistência”.

A ideia era que ela entregasse o palácio 30 dias após a destituição, como prevê a lei, mas aliados radicais acham que a “ocupação” chamará a atenção do mundo para o “golpe”. Como Dilma ainda resiste a essa presepada, aliados radicalizados pretendem que ela só deixe o Alvorada no fim do prazo de um mês.

Lula caricatura 2aPetistas dizem que é de Lula a ideia de “ocupar” o Alvorada, criando um fato capaz de minimizar os efeitos do impeachment nas eleições.

Em protesto contra Dilma, o Solidariedade mandará, nesta quarta (31), um caminhão de mudança para a porta do Alvorada.

Mundo da fantasia
Petistas acreditam na fantasia de que o Supremo Tribunal Federal seria instância de recurso do impeachment, e querem que fique no palácio.

(*) Cláudio Humberto é jornalista. Publica coluna diária no Diário do Poder.

Dinda já era

José Horta Manzano

Turquia 3Todos os brasileiros com mais de quarenta anos hão de se lembrar da Casa da Dinda, aquela que entrou para a história como objeto de grande jogada de marketing de Collor de Mello.

Todo presidente da República tem direito a duas residências oficiais: o Palácio da Alvorada e a Granja do Torto. Ao ser eleito na onda da promessa de «caçar marajás», senhor Collor tomou decisão desconcertante: renunciou às residências oficiais. Para não desperdiçar dinheiro público, segundo declarou, preferiu instalar-se em mansão familiar às margens do Lago Paranoá.

A lógica ensina que, com presidente ou sem ele, residências oficiais continuam tendo de ser mantidas e conservadas com todo o seu pessoal. Portanto, a ausência da primeira-família resulta em economia próxima de zero. Mas, na hora, a decisão causou frisson.

Turquia 2Meses depois, o Brasil descobriu que os fundos «economizados» tinham sido reinvestidos – com juros e correção! – em melhoramentos na Casa da Dinda. Suspeita-se que dinheiro da corrupção tenha sido usado para plantar centenas de árvores e construir cachoeiras motorizadas. Contam ainda que, para maior conforto dos peixes que povoavam os tanques, a água era filtrada.

Quem dá mais? Em matéria de residência presidencial, o máximo que vimos nestes últimos anos foi um reles triplex no Guarujá. De uma banalidade constrangedora. Mas na Turquia, terra de sultães e de odaliscas… ah, no Oriente exuberante, não se fazem as coisas pela metade!

A mesa como meme na internet turca

A mesa virou meme na internet turca

Senhor Erdoğan, que foi primeiro-ministro por mais de onze anos e hoje oficia como presidente da República, mandou construir um palácio presidencial. O suntuoso imóvel, projetado para abrigar condignamente o mandatário, já está pronto. Fica em Ânkara, capital do país.

Sua área construída de 200 mil m2 – duzentos mil metros quadrados! – espalha-se por 1.150 cômodos e custou a bagatela de 490 milhões de euros. O prédio serve de residência para o presidente. Dado que há salas suficientes, é também usado como sede do governo.

Quase todos os turcos são maometanos. Pelo calendário religioso, um dos meses do ano lunar, o Ramadã, é dedicado à oração, ao recolhimento e ao sacrifício. Os preceitos são rígidos: durante um mês, os fiéis devem jejuar do nascer ao por do sol. É natural que o jejum absoluto, sem comida e sem água, resulte em fome de leão ao final do dia.

Quadra de squash

Quadra de squash

Para reunir os ministros para a quebra de jejum, senhor Erdoğan mandou montar uma mesa gigantesca que está fazendo furor. Tem a superfície de uma quadra de squash e custou um milhão de libras turcas: 1.200.000 reais.

Como pode constatar o distinto leitor, desperdício de dinheiro público não é exclusividade tupiniquim.

Interligne 18hUma curiosidade
Contei 29 pessoas ao redor da mesa. Incluindo o lugar vago, cabem 30. Os lugares não seriam suficientes para o espaçoso ministério de dona Dilma. Dez auxiliares teriam de sentar-se à mesa das crianças.