A assombração da Rússia

Artigo publicado no Correio Braziliense de 29 outubro 2025

José Horta Manzano

Todo país com pretensões ao status de potência global tem de seguir o receituário tradicional, do qual não é possível escapar.

Em primeiro lugar, é preciso ter uma superfície que lhe garanta massa crítica. Se, ao longo da história, países de território pouco imponente chegaram a se impor em campanhas bélicas, a série de vitórias não sobreviveu à escassez de alimentos e matérias primas decorrente da falta de châo.

Em seguida, o candidato a potência tem de investir na indústria bélica. É o que sempre fizeram países tradicionalmente poderosos, e é o que tentam fazer candidatos prejudicados pela pouca extensão territorial, como a Coreia do Norte e o Irã.

Em terceiro lugar, toda potência mundial que se preze tem de contar com população importante. Veja-se o caso da China, cuja população, após décadas de “política do filho único”, decidiu adotar política natalista. Países que miram ao status de potência global não podem se permitir conviver com decréscimo populacional.

A Rússia de Vladimir Putin, herdeira da grande, forte e temida União Soviética, vem empenhando todas as forças na recuperação do prestígio de antanho. De fato, o desmonte da URSS, no início da década de 1990, deu lugar a anos conturbados, durante os quais saltaram à vista as enormes dificuldades que a competição forçada com o Ocidente havia provocado no país.

Em seu reinado, que já dura um quarto de século, Putin se propôs dois objetivos primordiais: 1) permanecer no poder e 2) restabelecer a grandeza do antigo império russo. O boné MAGA de Trump, uma vez transliterado, cairia bem como mote putiniano para a Rússia de hoje, algo como Make Russia Great Again.

Se tivesse vislumbrado o desastre que a campanha da Ucrânia estava por ocasionar, Putin talvez tivesse deixado a ideia de molho para momento mais propício. Na luta para recobrar o status de potência global, perdido há 35 anos, o ditador russo conta com dois aliados fiéis: a imensa superfície e o potencial bélico de seu país. Da área, não se discute, visto que se trata do maior país do mundo. Da indústria bélica, tampouco, visto o poder de dissuasão de seu arsenal nuclear.

Mas essa conta não fecha. Para complementá-la, um forte contingente populacional está faltando. Se a Rússia já assistia a um declínio de seu número de habitantes estas últimas décadas, a agressão contra a Ucrânia e a guerra que daí decorreu vêm agravando a crise. Um levantamento vazado do ministério russo da Defesa no começo do mês informa que, entre os combatentes, 280 mil perdas teriam sido registradas só nos primeiros nove meses deste ano. Note-se que os mortos são em geral homens jovens, na faixa dos 25 a 39 anos, idade em que se entra de pé firme na vida ativa de trabalho.

Sangria adicional está ocorrendo em outra camada da população, na classe média superior. Os homens em idade de ser recrutados fogem do país e emigram para países da vizinhança ou até para o sul da Ásia ou para a Europa. Algumas projeções estimam essa emigração a um milhão de cidadãos só nos primeiros dois anos da guerra.

Um cruel círculo vicioso está formado. Quanto mais tempo dura a guerra, maior será o fluxo emigratório e mais dramáticas serão as perdas humanas. Uma guerra de trincheiras, como essa, precisa de carne de canhão, o que tende a causar maior morticínio entre os conscritos e a encorajar a emigração. A seguirem as coisas como estão, não é tão já que Putin porá fim ao espectro do despovoamento de seu país.

A voluntariosa entrada de tanques de guerra russos em direção a Kiev nos primeiros dias da invasão botou medo em muita gente. Muitos imaginaram rever o grande exército vermelho, aquele que tinha fincado a bandeira da URSS no topo do Reichstag, em Berlim, em 1945. No entanto, contrariando todos os prognósticos, os corajosos ucranianos conseguiram a proeza de repelir os tanques e salvar a capital de seu país.

A força bélica da Rússia reside em seu arsenal de mísseis e de ogivas. A imagem que se tem das tropas de solo saiu meio arranhada depois da campanha (e da retirada) de Kiev.

O melhor impulso que Putin poderia dar a seus sonhos de grandeza seria decretar já o fim das hostilidades, equipar e treinar melhor seus soldados e adotar uma política de abertura do país à imigração. Sem essas medidas, sua quimera de reaver a grande Rússia estará cada dia mais distante da realidade.

Os zigue-zagues de Trump

José Horta Manzano

Donald Trump tem personalidade forte e imponente. É do tipo que costuma ganhar no grito: quando ele troveja, espera que todos abram imediatamente o guarda-chuva. Não suporta que um indivíduo o enfrente, nem que fosse apenas continuando de pé, ao relento, guarda-chuva fechado.

Mais de uma vez já ouvi a anedota que contam sobre suas partidas de golfe. Como se sabe, ele é apaixonado por esse esporte e, volta e meia, convida gente graúda para jogar com ele, políticos, dignitários, personalidades estrangeiras. Logo antes do início da partida, um de seus guarda-costas sussurra discretamente ao pé do ouvido do visitante: “Deixe que ele ganhe”. É que Donald não suporta perder. Para ele, qualquer jogo é bom desde que ele ganhe. A derrota pode deixá-lo num estado de fúria incontrolável – um perigo!

Sua relação com Putin tem variado ao longo do tempo. O ditador da Rússia, homem forte e poderoso, exerce um certo fascínio sobre Trump, que o admira e respeita. Só que, como veremos logo abaixo, essa admiração e esse respeito só vão até o ponto em que Trump também se sente admirado e respeitado. Seu sentimento não é, portanto, incondicional. Assim, pode desvanecer rapidamente.

Já antes de seu primeiro mandato, Trump elogiava Putin. No começo de 2022, quando as tropas russas ainda estavam se preparando para invadir a Ucrânia, Trump lançou um baita elogio a Putin chamando-o de “gênio”. A Donald, a ideia de invadir um país vizinho para conquistar território pareceu fantástica. Talvez a ideia de conquistar o Canadá no porrete já estivesse germinando em sua mente.

Conforme a guerra se desenvolvia, a apreciação de Trump por Putin oscilou entre sorrisos e dentes arreganhados. Trump chegou a criticar certas ações de Moscou, como o sequestro de crianças ucranianas, mas a careta sempre durou pouco.

Uma das promessas mais midiáticas de Trump durante sua campanha eleitoral do ano passado foi a de “acabar com a guerra da Ucrânia em 24 horas!”. Ninguém, no fundo, botava muita fé, mas, como se costuma dizer, promessa é dívida. Ficamos todos curiosos à espera do que estava pra acontecer; queríamos saber como é que Trump ia se virar para parar essa guerra.

Desde que assumiu o posto de presidente, Donald bem que vem tentando domar Moscou e Kiev. Foi bem acolhido por Moscou, mas encontrou um Putin tão flexível quanto uma porta de aço. Fechada. Um Putin que só pararia de bombardear o vizinho se os 20% de território ucraniano que havia invadido lhe fossem atribuídos. Quanto a Zelenski, apesar da tunda pública que lhe deram no Salão Oval, bateu pé firme: “Não posso ceder 20% do território pátrio assim, de mão beijada, ao invasor; vamos lutar até o último homem”.

Diante disso, Trump começou a se enervar. Não é homem de entrar numa briga e sair de mãos no bolso, sem vencer e sem conseguir nada de nada. Deve ter considerado que, politicamente, enfrentar Putin não era boa ideia. Além de inflexível, o ditador russo está sentado em cima de imenso arsenal nuclear.

Seja por que razão for, Trump decidiu dar mais uma guinada em seu zigue-zague. Anunciou esta semana sua intenção de liberar, em favor da Ucrânia, certa quantidade de baterias de defesa antiaérea, arma de defesa que tanta falta está fazendo diante dos ataques quotidianos de mísseis e drones qua a Ucrânia vem sofrendo.

Se não mudar de ideia amanhã, como volta e meia faz, Trump estará dando continuidade à ajuda americana que, há 3 anos, vem permitindo à Ucrânia conter o avanço russo.

Com isso, sai de cena a aberração de uma aliança entre russos e americanos, coisa que não se via desde 1945 e que não faz sentido no contexto atual. As coisas voltam a seu lugar.

É sempre “nós x eles”, mas… “nós pra cá e eles pra lá”.

Assimetria que já não surpreende

José Horta Manzano

Em meio à avalanche diária de informações, certos fatos passam despercebidos não por serem irrelevantes, mas por nos parecerem normais. A naturalização da anormalidade é um fenômeno perigoso, especialmente quando ela envolve a guerra. Um exemplo disso pode ser encontrado no recorte de jornal estampado logo aqui acima:


“Putin faz maior ataque aéreo e acelera nova ofensiva; Kiev alveja base.”


À primeira vista, parece apenas mais uma atualização sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia. Mas, num olhar mais atento, salta aos olhos uma assimetria sutil — e reveladora.

A frase começa com a menção direta ao nome de um líder: “Putin faz maior ataque aéreo”. Não se trata da Rússia, do Exército Russo ou de uma decisão coletiva. É Putin, em pessoa. A manchete atribui a ele, com todas as letras, a responsabilidade direta por uma ação militar de grande escala. Já no segundo trecho, “Kiev alveja base”, a linguagem muda. A capital ucraniana é mencionada de forma impessoal, quase geográfica. O nome de Zelenski, presidente da Ucrânia, sequer aparece.

Por que isso acontece? A resposta talvez seja mais simples — e mais incômoda — do que parece. O mundo já naturalizou a figura de Vladimir Putin como uma espécie de senhor absoluto da guerra, alguém que age conforme a própria vontade, sem freios internos ou externos. A guerra na Ucrânia, nesse imaginário coletivo, não é entre dois Estados, tampouco entre dois projetos políticos. É uma guerra iniciada e sustentada pela vontade de um único homem. E essa percepção está embutida até mesmo nas estruturas linguísticas mais banais, como a escolha de palavras em uma manchete de jornal.

Essa assimetria não é apenas jornalística — ela é política, simbólica e moral. Ao personalizar os ataques russos em Putin, a narrativa constrói uma figura de vilão clássico, quase caricatural. E ao impessoalizar os ataques ucranianos, retira de Zelenski a responsabilidade ativa no conflito, ainda que defensiva. Assim, Putin aparece como o agente solitário da destruição, enquanto Kiev (ou a Ucrânia) surge como vítima reativa, um ente quase sem rosto, que tenta apenas sobreviver.

Não se trata aqui de questionar quem é o agressor e quem é a vítima — para observadores de boa fé, a distinção é clara e óbvia. Trata-se, sim, de observar como, mesmo em detalhes aparentemente neutros, a linguagem revela o quanto já aceitamos certas premissas. A guerra, afinal, não deveria depender da vontade de um homem só.

Sob o risco de ressuscitar os tempos sombrios de Hitler e Stalin, o fato de essa banalização soar hoje natural deveria, no mínimo, nos preocupar.

Putin quer mesmo o fim da guerra?

José Horta Manzano

Dizer que Vladimir Putin deseja o fim da guerra é uma falácia, uma ideia que não resiste à menor análise. Desde o início da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, o objetivo do Kremlin foi muito além de uma mera operação militar. Para Putin, a guerra não é um acidente de percurso, mas um instrumento essencial de sua estratégia de enfraquecer a Europa e impor-se num novo equilíbrio de forças no continente, quiçá no mundo.

Interessa ao líder russo que o conflito se prolongue indefinidamente – ou pelo menos até que os Estados Unidos se cansem de financiar e apoiar Kiev. Em sua lógica, trata-se de um jogo de paciência: enquanto a Rússia, acostumada a resistir a longos períodos de privações e adversidades, segura o terreno, ele aposta que o Ocidente, sujeito a pressões internas e a ciclos políticos curtos, acabará desistindo.

O cálculo é cínico, mas não desprovido de realismo: sem o respaldo militar, financeiro e diplomático dos EUA e da União Europeia, a Ucrânia se verá sozinha diante do colosso russo. A partir daí, Putin acredita que a resistência ucraniana acabará por desmoronar e que Kiev, isolada e exaurida, terá de se render – ou aceitar a paz nos termos impostos por Moscou.

by Patrick Chappatte (1966-), desenhista suíço

Cada trégua aparente, cada discurso em favor da paz vindo do Kremlin deve ser entendido como parte de uma estratégia maior: ganhar tempo, dividir o Ocidente, sem nunca perder de vista o objetivo final. Para Putin, a guerra não é algo a ser encerrado; é uma ferramenta a ser utilizada até a exaustão do adversário.

Enquanto houver esperança de ver o apoio ocidental à Ucrânia enfraquecer, a paz naquela região continuará sendo apenas o que é: uma linda palavra, útil para discursos diplomáticos e “tréguas” de ocasião, mas distante da realidade.

Paz de mentirinha

José Horta Manzano

Sabe aquele sorriso meio forçado que a gente dá em direção ao fotógrafo, sorriso que não reflete a verdade do momento e que só serve pra aparecer bem na foto? É a imagem que me vem à mente quando vejo a autolouvação de Trump e Putin na sequência da conversa telefônica entre os dois. Desligado o aparelho, o mundo continua igual e a tão desejada paz continua longe e difícil de alcançar. Mas o sorriso meio forçado sai bem na foto e satisfaz ao ego.

Donald Trump não tem a menor ideia do que seja a geopolítica. Talvez nem chegue a se dar conta de que as relações entre os diferentes países são regidas por fios sutis e sensíveis, e que um leve esbarrão na teia repercute em todo o trançado. Sua especialidade são os negócios.

Dizem que é excelente homem de negócios, agressivo, resistente, incisivo. Não há razão para duvidar de suas habilidades. O problema é que relações internacionais não devem ser tratadas como quem compra uma peça de tecido ou meio lote de terreno. É grave que um presidente seja a tal ponto desconectado da dualidade entre diplomacia e negócios. Os dois mais recentes presidentes de nossa maltratada república tinham ambos algo de Trump.

Quanto aos negócios, não sei, mas o fato é que nenhum dos dois manjava lhufas de diplomacia. Daí o tempo perdido por Bolsonaro que passou seu mandato vituperando contra a China, insultando a primeira-dama da França e arrumando encrenca gratuita com uma dúzia de outros países. Lula seguiu pelo mesmo caminho. Arrogante e soberbo, destratou o presidente da Ucrânia e deu ao mundo seu peculiar diagnóstico pessoal segundo o qual a Crimeia, parte integrante do território ucraniano, tinha de ser entregue ao invasor. Sua dose cavalar de orgulho levou-o ainda a arrumar encrenca com Israel, país onde acabou sendo declarado “persona non grata” – vejam que cúmulo!

Mas essas trapalhadas não perturbaram o equilíbrio do planeta. E isso por uma razão simples: o Brasil não são os EUA. Dirigentes de um país periférico, carente, militarmente pouco significativo, nossos figurões são tigres sem dentes, que não assustam. Já o presidente dos EUA, quando faz das suas, assusta. E muito.

Quando Trump pega o telefone e chama Pútin para darem cabo, juntos, à guerra provocada pela invasão russa à Ucrânia, toda a teia dos relacionamentos globais estremece. É que o presidente americano, certamente sem se dar conta, acaba de entrar de sola num terreno espinhoso, cujos problemas não podem ser resolvidos no grito, nem no par ou ímpar, nem no dadinho.

Está fazendo três anos que a grande Rússia invadiu a pequena Ucrânia. Os invadidos vêm lutando com muita bravura, tanto que até agora seguraram o exército de Pútin. Milhões de ucranianos fugiram do país e se asilaram na Europa que, generosa, os acolheu a todos. Faz três anos que todos os países europeus vêm ajudando a Ucrânia, cada um conforme suas possibilidades. Faz três anos também que os EUA vêm ajudando com fornecimento de material bélico, sem o qual a Ucrânia não teria resistido.

De repente, chega um sujeito de pé grande, vira o jogo e, sem avisar aos aliados, decide entrar em comunicação com o ditador do país agressor, passando por cima do país agredido e de todos os aliados que contribuíram para segurar até agora o tirano. Imagine a que ponto a geopolítica está assustada. Não é todos os dias que se assiste a uma traição tão flagrante e tão desenvolta.

A não ser que, nas trevas da equipe de Trump, um raio de luz consiga penetrar e ensinar que não é assim que se joga esse jogo. Do jeito que está, o presidente americano está reabilitando o ditador russo e condenando a pobre Ucrânia a uma existência de medo, sob a ameaça permanente do apetite expansionista do vizinho e grande irmão moscovita.

Talvez nem a Otan resista a essa inacreditável quebra de aliança.

Mr. Fico

Folha, 11 dez° 2024

José Horta Manzano

Resistente, o primeiro-ministro eslovaco certamente é. O homem escapou com vida de um atentado a tiros, ocorrido durante um comício, ocasião em que foi atingido por nada menos que 5 projéteis. Tem corpo fechado, como se costuma dizer.

Chama-se Fico (Robert Fico), sobrenome predestinado, daqueles que chegam é não arredam mais pé. Note-se que a gracinha não faz sentido além de nossas fronteiras. A pronúncia original não é Fico, mas Fitso.

Ovelha negra entre seus pares europeus, Senhor Fico é russófilo e, por coerência, americanófobo (ou antiamericano, que dá no mesmo). Atravessou o Atlântico com sua comitiva para prestar homenagem ao presidente do Brasil, que também se posiciona no mesmo quadrante do tabuleiro, entre os que simpatizam com Moscou e detestam Washington.

Fico, que se encontra em Brasília neste momento, nasceu e cresceu num país comunista, à sombra de Moscou. Muitos descreveriam mais tarde esse período como pesado e opressivo – não deve ser o caso de Robert Fico. Suas convicções traduzem até uma mal disfarçada nostalgia. Talvez as aulas obrigatórias de língua e cultura russas que recebeu na infância lhe tenham aberto horizontes fascinantes e desconhecidos por nós outros.

O primeiro-ministro eslovaco joga no mesmo time de Viktor Orbán, seu colega húngaro. Vivem agarrados na União Europeia como chupins, estendendo a mão para a substancial ajuda econômica que recebem, mas recusando-se a participar do esforço comum decidido pela maioria.

Em entrevista à Folha, Robert Fico fez comentários indignos de um chefe de governo, com palavras que ele não ousaria pronunciar na Europa. Disse que o Ocidente arrastou a Ucrânia para a guerra – afirmação encharcada de desonestidade intelectual.

O 24 de fevereiro de 2022 é uma data ainda fresca na memória. Acho que, naquele dia, até as redes sociais noticiaram a invasão da Ucrânia por zilhões de tanques de guerra russos, aviões bombardeiros, drones e centenas de milhares de soldados. Todos os que acompanharam aquelas primeiras semanas se lembram de como os soldados ucranianos, sozinhos e bem antes da chegada das primeiras armas ocidentais, botaram os russos pra correr e salvaram a capital de seu país.

Algumas semanas depois, a Europa e os EUA começaram a entregar armas mais modernas que permitissem aos invadidos frear o avanço dos invasores. O resto é uma história que continua sendo escrita. Afirmar que o Ocidente arrastou a Ucrânia para a guerra é distorcer a realidade para adaptá-la a seus próprios interesses. Truque indigno de um primeiro-ministro.

Robert Fico veio ao Brasil, em viagem oficial, para se encontrar com Lula. Sabe-se lá o que o visitante tinha pela cabeça, mas era até capaz de estar animado em criar uma “rede de amigos de Moscou”. Deve ter imaginado receber boa acolhida de Luiz Inácio.

Só que o destino às vezes prega boas peças. No meio da viagem, enquanto cochilava no avião, Lula foi operado às pressas. Não caiu sob as balas de um matador, mas o resultado é o mesmo: está nocaute por um bom tempo.

Fico não fica, retorna a seu país, ainda que desenxabido. Pode ser que volte um dia.

Fundador de Israel propôs no Brasil devolver territórios a palestinos

Henrique Goldman (*)


Autor rememora a atmosfera de ufanismo na comunidade judaica de São Paulo depois da vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a visita à cidade, dois anos depois, do fundador de Israel, David Ben-Gurion, que defendeu a devolução aos palestinos de territórios ocupados e compreendia que a construção da paz com os vizinhos árabes era muito mais importante que a expansão do país.


O bolo com a forma do distintivo do Santos, as minicoxinhas, quibinhos e bisnaguinhas com patê de sardinha já estavam encomendados, e o seu Aníbinha, um amigo da família que, na juventude, tinha trabalhado no circo do palhaço Arrelia, vinha fazer um show com seu boneco de ventríloquo.

Estava tudo pronto para a festinha do meu sexto aniversário e, uma semana antes, eu já estava contando ansiosamente os minutos para a chegada dos convidados. Mas, na noite antes da festa, no dia 5 de junho de 1967, meu pai chegou em casa com um ar muito assustado. Ele tinha acabado de ouvir no rádio que as Forças de Defesa de Israel haviam atacado o Egito, a Síria e a Jordânia.

Foi a deflagração do conflito que depois ficou conhecido como a Guerra dos Seis Dias, após a qual Israel passou a ocupar a Faixa de Gaza, a parte oriental de Jerusalém e a Cisjordânia. Por causa da guerra, cerca de 300 mil palestinos foram expulsos de suas terras e se refugiaram em Gaza. Outros 700 mil passaram a viver sob ocupação militar, e minha festinha de aniversário foi cancelada.

Refletindo hoje sobre aquele período, percebo que, para nós, judeus da diáspora, era como se o povo palestino ainda não existisse. Eles eram simplesmente árabes genéricos, indistintos dos egípcios, sírios, libaneses e jordanianos, e a nossa vitória sobre todos eles tinha sido realmente monumental.

Em um mágico golpe de mestre, Israel derrotou, em menos de uma semana, três países árabes. Os MiGs soviéticos da aviação egípcia tinham sido destruídos pela homérica Força Aérea israelense antes mesmo de decolar e, acima de tudo, Jerusalém estava unificada e era toda nossa.

Assistindo na escola a um documentário que mostrava os primeiros soldados israelenses chegando para rezar no Muro das Lamentações pela primeira vez, eu entendi que os judeus mortos, nus e raquíticos empilhados em valas comuns que eu via nos livros sobre o Holocausto – os pais e todos os irmãos da minha avó Augusta – tinham reencarnado em Israel como super-heróis.

Aquele ufanismo judaico hoje ressoa e se confunde na minha memória com o triunfalismo nacionalista que tomou conta do Brasil na mesma época, quando éramos o país do milagre econômico e da gloriosa conquista do tricampeonato no México, em 1970. Quem poderia ganhar de um time que tinha Pelé e Moshe Dayan jogando no ataque?

Em 1969, David Ben-Gurion, o pai fundador de Israel que tinha proclamado o estabelecimento do país em 1948 e sido primeiro-ministro por dois períodos (1948-1954, 1955-1963), visitou o Brasil. Depois de encontrar em Brasília o nosso presidente, o ditador Costa e Silva, Ben-Gurion chegou a São Paulo e foi ovacionado pela comunidade judaica em um ginásio do Ibirapuera completamente lotado.

Ouvindo o acalorado discurso do velho líder histórico, fui percebendo que sua “pièce de résistance” era aquela careca imensa e lustrosa que separava dois tufos laterais de cabelo branco sempre rigorosamente despenteados. Ben-Gurion podia muito bem ter sido um personagem daquele que era meu seriado de humor favorito, “Os Três Patetas”.

Depois de ter cantado o hino nacional de Israel com o coral da minha escola, entrei em uma fila para cumprimentá-lo. Só muitos anos depois tomei consciência de que a mão rechonchuda daquele adorável quarto pateta também estava suja de sangue. Árabes ou judeus, ninguém é líder político no Oriente Médio sem ser também um criminoso de guerra.

No dia seguinte, o seu Mendel, um nosso vizinho que era tesoureiro do Clube Israelita Macabi, participou de uma reunião a portas fechadas com Ben-Gurion e líderes da comunidade judaica. Para surpresa geral, na reunião o velho pai da nação defendeu efusivamente a devolução imediata dos territórios ocupados por Israel – com a exceção de Jerusalém Oriental e das colinas do Golã, que julgava essenciais para a defesa do país.

O nosso audacioso herói, que, no passado, tinha liderado Israel em duas guerras (1948 e 1956), já compreendia que a paz com os vizinhos árabes seria uma conquista muito mais importante que a expansão territorial.

Ele temia que ocupação militar de Gaza e da Cisjordânia iria corromper a própria essência do sionismo e ameaçar a existência do jovem país. Consternado, após a reunião o seu Mendel encontrou com meu pai na garagem do prédio e disse em ídiche: “Ben-Gurion é um grande idiota”.

Em Tel Aviv, em Washington e no Bom Retiro, poucos conseguiram enxergar a verdade.

Diz a lenda que, admirando a paisagem brasileira pela janela do avião que o levava de volta para Tel Aviv, Ben-Gurion teria se virado para a sua esposa e dito: “Não dá para entender como um país com tanta água pode ter tantos problemas!”.

Ontem em Londres: assisto ao noticiário da BBC com a minha sogra de 92 anos, que é judia, muito doce e generosa. Ela nasceu em Bagdá, na comunidade judaica que era a mais antiga do mundo.

Revolto-me vendo as imagens trágicas de um pai palestino que enterra seus dois filhos pequenos depois de mais um bombardeio israelense. Minha sogra diz que não devemos acreditar em nada daquilo. É tudo encenação e, dentro daqueles lençóis brancos, não há corpos de crianças, mas bonecos.

Eu tento explicar para ela que civis palestinos são inocentes como eram inocentes as vítimas do Hamas em Israel. Ninguém merece essa desgraceira. Quando argumento que a maioria dos habitantes de Gaza são descendentes de refugiados e que os israelenses tomaram as terras de suas famílias, ela me interrompe consternada e diz: “Eu tinha oito anos quando fui expulsa do Iraque com a minha família! Os árabes ficaram com a nossa casa! Ninguém teve pena de nós e eu não vou ter pena deles”.

Cerca de 900 mil judeus foram expulsos de países árabes a partir de 1948. Eu não sei como responder. Só dá vontade de chorar.

(*) Henrique Goldman (1961-) é cineasta, produtor e conferencista.

Por que há guerras?

José Horta Manzano

Artigo publicado no Correio Braziliense de 28 outubro 2023

Apesar de soar meio infantil, a pergunta “Por que há guerras?” também pode ser feita pelos adultos que somos. Por que é que o Homo sapiens continua a escolher o tacape para resolver suas pendengas? Em princípio, a parafernália de que hoje dispomos para nos comunicar deveria ser suficiente para os humanos se entenderem e resolverem conflitos pelo diálogo. É desconcertante constatar que, na hora agá, ainda se opta pela força bruta.

Para nós que, do outro lado do oceano, vivemos distantes do palco dos acontecimentos, essa guerra entre Israel e o Hamas não faz sentido. Por que razão o braço armado do partido Hamas lançou um ataque terrorista e sangrento contra civis israelenses? Imaginavam varrer o país do mapa com foguetes imprecisos, tomada de reféns e golpes de facão?

Tampouco faz sentido os israelenses sufocarem e invadirem a Faixa de Gaza com forças de terra, mar e ar. Pretendem varrer todos os gazeus do mapa a rajadas de metralhadora? No burburinho das vielas, como vão reconhecer os terroristas? Vão abordar cada homem e exigir que prove não ser membro do Hamas?

Como se vê, visto daqui, esse morticínio não faz sentido, por nos parecer dar voltas em torno da questão sem resolvê-la. Fica a impressão de que, por mais que haja matança e destruição, os combates hão de se esgotar um dia e a situação regredirá ao “statu quo ante bellum”, ou seja, ao ponto exato em que estava antes da guerra. Terá sido um enfrentamento inútil.

Os observadores situados longe de Israel e da Palestina não estão necessariamente familiarizados com os fluxos e refluxos da política da região, que funciona na base do ódio mútuo, difuso, antigo e encruado. Isso faz que os espectadores esporádicos que somos não captemos a realidade do terreno, o que nos leva a dar nosso apoio a este ou àquele lado seguindo considerações subjetivas e alheias ao contexto.

Uma vista d’olhos nas análises publicadas estes últimos dias em importantes veículos da imprensa internacional confirma a coexistência de apreciações disparates, que variam muito, sempre baseadas em critérios distantes da realidade local.

O Financial Times considera que “a corrida do Ocidente para dar respaldo a Israel corrói o apoio que os países em desenvolvimento dão à Ucrânia”. Em suma, os esforços feitos durante quase dois anos para convencer países mais pobres a apoiar a Ucrânia estariam sendo jogados no lixo em poucas semanas. O Brasil é apontado como um dos que levantaram objeções ao apoio a Israel.

Outros veículos, como Le Monde, vão pela mesma trilha. O diário francês sublinha a sinuca em que se meteram os países do dito “Sul Global”, que não sabem mais a qual dos lados dar seu apoio. O hong-konguês South China Morning Post ressalta que o presidente Ramaphosa, da África do Sul, apareceu outro dia numa manifestação pública portando nos ombros uma faixa com as cores da Palestina. Outros órgãos da mídia evidenciam detalhes, contudo sem roçar o cerne da questão.

Uma análise do historiador israelense Yuval Harari, publicada no Washington Post e repicada em diversos veículos internacionais, me parece particularmente sagaz. Harari está convencido de que o Hamas, ao desencadear essa guerra, sabia muito bem o que estava fazendo e aonde pretendia chegar. A organização terrorista não tem interesse na paz, visto que só tem chance de sobreviver se a região se mantiver em estado permanente de beligerância.

O objetivo maior do Hamas é destruir Israel e estabelecer na região um califado regido pela xaria, o direito islâmico. Com o ataque de 6 de outubro, venceu batalhas importantes. Ofuscou a guerra na Ucrânia e desviou as atenções do planeta para a região palestina. Abriu nova clivagem entre as nações, que ora se dividem entre as que apoiam Israel e as que defendem a causa palestina.

Nesta altura dos acontecimentos, já temos algumas certezas. A normalização das relações entre Israel e a vizinhança árabe, encetada havia meses, entra em hibernação. A sensação de relativa segurança que reinou estes últimos anos em Israel se dissipou. A paz na região está mais distante do que nunca.

Por que há guerras? A resposta é complicada, mas uma coisa é certa: o pogrom lançado pelo Hamas marcou os espíritos e vai ecoar por décadas.

Israel atacado

Porta de Brandenburgo, Berlim (Alemanha)
iluminada em apoio ao povo israelense

José Horta Manzano

O ataque desfechado pelos dirigentes do movimento islâmico Hamas ao território israelense deixou o mundo de queixo caído. Os israelenses responsáveis pela proteção do território nacional estão até agora se perguntando como foi possível acontecer uma catástrofe dessas proporções.

Ninguém imaginava que um bando, que costuma ser etiquetado “terrorista”, fosse capaz de ir além de ataques suicidas com bombas amarradas na cintura de mulheres e adolescentes.

O ataque organizado se fez por terra, por mar e por ar, coisa de louco. Por terra, na falta de tanques, vieram homens a pé; por ar, na falta de aviação, vieram parapentes. Uma versão de guerra de segunda categoria, mas que estropia e mata do mesmo jeito.

Os que estavam em solo israelense, gozando um dia feriado com temperatura amena, hão de ter levado o maior susto da vida. Deve ser apavorante você estar à toa na modorra e, de repente, ver chover do céu foguetes explosivos e incendiários.

Em outras terras, seria o caso de demissão coletiva do primeiro-ministro e todos os seus ministros. Mas, com Mr. Netanyahu (também conhecido como Bibi), as coisas não funcionam assim.

O homem parece ter sido atarrachado em sua poltrona. De lá, ninguém o tira, nem choro nem decoro, nem grito nem atrito. Ele afronta a Justiça, faz modificar a lei em seu favor e tornou-se o primeiro-ministro mais longevo da história de seu país.

A imprensa internacional informou, em primeira página, que “o Brasil convocou uma reunião de urgência do Conselho de Segurança da ONU”. Algum distraído pode até achar que Luiz Inácio está de novo se metendo onde não foi chamado. Mas não é isso. O fato é que, no sistema rotativo do C.S., nosso país ocupa atualmente a presidência pro tempore. Daí a iniciativa.

A nota oficial brasileira lamentou ainda o ataque do Hamas. Lula confessou estar “chocado”. O texto se ateve a generalidades e, diplomaticamente, evitou apoiar ou condenar um dos lados. Já está de melhor tamanho do que as declarações estabanadas que o mesmo Luiz Inácio havia dado com relação à guerra na Ucrânia, falas tão tendenciosas que o mandaram pra escanteio quanto a eventuais negociações de paz.

O conflito que estourou ontem é uma guerra assimétrica. De um lado, temos um Israel provido de exército, marinha e aeronáutica de desempenho respeitado. Foram apanhados de surpresa, mas já devem estar se recompondo. De outro, temos um Hamas integrado por homens motivados, sim, mas desprovidos da parafernália que caracteriza as forças armadas modernas.

Além disso – e aqui está o nó da questão – em qualquer guerra, o inimigo deve ser claramente designado. Uma guerra entre Israel e Palestina poderia ser uma etiqueta. Só que há um problema grave: a Palestina não é um Estado independente nem reconhecido no concerto das nações. Oficialmente, a Palestina simplesmente não existe. Como é que se pode guerrear contra um Estado que não tem existência real e só sobrevive na imaginação?

Hamas não constitui um Estado. Como todo grupo sem existência oficial, está geograficamente disseminado por boa parte da região. Alguns dirigentes vivem em território libanês, outros no Egito, outros ramos no Irã.

Pra poder varrê-los do mapa, seria preciso primeiro saber quem são e onde estão. O Hamas não dispõe de um Kremlin, onde se alojam os cabeças do regime. Estão espalhados. Israel vai encontrar tremendas dificuldades para “exterminar” esse grupo.

Na prática, não está claro por que razão o Hamas decidiu fazer esse ataque agora e dessa maneira. Que vantagem Maria leva? O tempo talvez traga a resposta.

Hitler & Mussolini

José Horta Manzano

Giorgia Meloni é a primeira-ministra da Itália. Afiliada a um partido de extrema-direita, já chegou a ser acusada de enaltecer o fascismo – denúncia que ela hoje rejeita. Chegou à chefia do governo italiano pelo fato de sua coligação ter obtido maioria nas últimas eleições parlamentares.

Em princípio, o que se espera de um governante alinhado com a direita extrema é um distanciamento com relação à guerra na Ucrânia, no estilo que Lula vem adotando. Espera-se uma posição dúbia, hesitante, hipócrita, “em cima do muro” – como o posicionamento de Luiz Inácio, que vem embaçando a lucidez que se espera do governante de um grande país como o nosso.

Pois pasmem! Signora Meloni mostrou que, apesar de seu metro e sessenta, tem coragem pra dar e vender. Na cúpula UE-Celac desta semana,  ao dirigir-se ao plenário, falou da guerra de Putin. Disse que, durante as reuniões da cúpula, ouviu muito falar de “paz”, mas que é importante dar a cada palavra seu verdadeiro significado. Mandou:


“A palavra paz não pode ser confundida com a palavra invasão.”


E continuou, com clareza:


“Considero que a guerra na Ucrânia, além de ser nova guerra colonial, é também uma guerra declarada contra os mais frágeis. E constatamos isso com a não-renovação do acordo de exportação de cereais ucranianos.”


Isso é que é uma fala clara, contundente. A primeira-ministra, apesar de depender do gás russo, posicionou-se nitidamente em favor da pobre Ucrânia. Preferiu o lado civilizado da História.

Está passando da hora de Luiz Inácio meditar sobre a catástrofe humana que ele está apoiando. Seu erro é tão brutal quanto teria sido Getúlio Vargas errar de lado e declarar apoio a Hitler e Mussolini.

Vargas escapou por pouco, mas Lula não fugirá ao veredicto da posteridade.

A ambulância

crédito: Infodefensa.com

José Horta Manzano

O governo ucraniano não publica estatísticas oficiais dando conta das perdas humanas em decorrência da invasão russa. Na contagem oficiosa, as vítimas se aproximam de 250 mil. E continuam aumentando ao ritmo diário de 500-1000 vidas.

No finzinho de abril, a Ucrânia solicitou que o Brasil lhe vendesse 450 unidades do veículo blindado Guarani em versão ambulância.

Numa guerra de trincheira disputada em terreno minado, como está ocorrendo no conflito ucraniano, uma ambulância comum não dá conta do recado. O governo de Kiev escolheu o Guarani por ser um veículo fortemente blindado, capaz de transportar duas macas com feridos e mais três pacientes sentados. Além disso, cabem também um médico, um enfermeiro, o comandante do veículo e o motorista. O Guarani resiste a tiros, rajadas de metralhadora, estilhaços de grosso calibre e até explosão de minas.

É importante salientar que o blindado em versão ambulância não é dotado de canhão nem do armamento que normalmente integra a versão de combate. A Ucrânia queria que os veículos viessem já pintados com as cores do país e a cruz vermelha que simboliza transporte de feridos de guerra. Era um negócio de 3,5 bilhões de reais.

No governo, o primeiro a tomar conhecimento do pedido de compra foi o ministro brasileiro da Defesa. Rapidamente foram informados também o ministro das Relações Exteriores, o assessor Amorim e o próprio Lula.

A partir daí, entrou em ação a visão distorcida de geopolítica que caracteriza o lulopetismo. Figurões do PT se puseram a dar palpite. Consideraram que as Forças Armadas brasileiras estavam muito saidinhas, tratando de fazer “política externa independente”. Com o PT, pode não. E veio o bloqueio: o governo Lula vetou o que teria sido o maior negócio de exportação da indústria bélica nacional.

O mal disfarçado apoio que o lulopetismo dá à Rússia de Putin fez mais um estrago. Em nome de uma suposta “neutralidade” no conflito, o Brasil, que podia ajudar a salvar milhares de vidas, acovardou-se. Os ucranianos não nos pediam dinheiro, nem armas, nem presença militar, nem apoio a sanções econômicas – queriam apenas ambulâncias. E estavam dispostos a pagar.

Para que conste: a Suíça, país tradicionalmente neutro desde 1815, declarou que neutralidade não rima com indiferença. Desde o início da guerra, tem ajudado a Ucrânia com remédios, equipamento médico, material de primeira necessidade para a população civil, doações de todo tipo. Esse tipo de ajuda não atenta contra a neutralidade.

Além disso, nada impede que o Brasil, caso houvesse interesse por parte dos russos, vendesse ambulâncias medicalizadas também para eles. É o tipo de negócio que não quebra a neutralidade. Não quebra na cabeça de gente normal, é claro. Quando temos, no comando das Relações Exteriores, barbudinhos empacados em mágoas e ressentimentos, a coisa muda.

Com isso, se descobre que a empatia com o sofrimento alheio, base de toda doutrina socialista, era só pra inglês ver.

E os feridos e mutilados de guerra ucranianos, nessa mixórdia, como é que ficam? Que se virem, ora.

O capital de simpatia de Luiz Inácio

Visite a Rússia
Antes que Putin visite você

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 29 abril 2023

Não há que reclamar. Em certos aspectos, o passar do tempo tem sido benéfico a Luiz Inácio da Silva. Aquela barba escura e aquele cabelo farto dos jovens anos branquearam e rarearam, conferindo-lhe aspecto de um Papai Noel bonachão ao qual só falta o roupão vermelho. A natural fragilidade de um homem de quase 80 anos enternece os olhares, induz ao respeito e refreia a agressividade de todo interlocutor. O fato de ter-se casado em idade madura com uma senhora jovem e sorridente passa a impressão de estar de bem com a vida, o que é muito positivo.

No entanto, esses fatos são cosméticos: modificam a aparência sem bulir na essência. No fundo, Lula não mudou nem um tico. Continua empacado em algum ponto do século passado, num tempo em que era de bom tom execrar os Estados Unidos e tudo que orbitasse em torno do “grande irmão”.

De lá pra cá, o mundo mudou muito. A União Soviética desapareceu. O urso siberiano já não encarna o “perigo comunista”. Putin, o líder que se senta hoje no trono que um dia foi de Stalin, alarma o planeta, sim, mas não pelo comunismo. Decidido a restaurar o império tsarista, invadiu a Ucrânia numa guerra de conquista territorial. Com palavras agressivas, em que a ameaça de guerra nuclear é insinuada com insistência, o susto agora é outro: as falas de Putin anunciam o Armagedom.

Refestelado nas poltronas macias do Planalto ou do avião presidencial, a milhares de milhas do palco das atrocidades que Putin está provocando, nosso presidente não está em condições de sensibilizar-se com a tragédia que abala a Europa e angustia o mundo. Dificilmente um brasileiro comum será capaz de apontar a Ucrânia num mapa-múndi. Um Lula atarantado com o acúmulo de problemas internos não há de ter tempo para se informar sobre um drama que não o afeta. Esse fato, aliado a falhas de sua assessoria, está criando a dificuldade que Luiz Inácio tem de se inteirar dos comos e porquês desse conflito alucinante que já matou meio milhão, aleijou outro tanto e deslocou 10 milhões de ucranianos.

Para meio bilhão de europeus, a importância do que está acontecendo na Ucrânia é de outra magnitude. Berlim, a capital da Alemanha, está a apenas 800 km de Lviv (Ucrânia). Zurique (Suíça) está mais perto de Kiev (Ucrânia) do que São Paulo está de Brasília. Mesmo Portugal, que é o país europeu mais distante da Ucrânia, não está tão longe assim: a distância entre Lisboa e Lviv é menor que a distância entre Belém e Florianópolis. É essa proximidade trágica que alimenta o temor dos europeus. Foi ela que deu um solavanco nos princípios de defesa do continente. Países antes despreocupados acordaram para o novo perigo vindo do Leste. Suécia e Finlândia aderiram à Otan. Alemanha dobrou seu orçamento militar. Todos os demais países aumentaram suas despesas com defesa. Todos cederam parte de seu arsenal à Ucrânia para ajudar a conter a agressão russa. Os europeus sabem que, se o urso siberiano não for detido agora, eles podem bem ser as próximas vítimas.

É, até certo ponto, compreensível que nosso presidente não consiga se compenetrar da premência de ajudar a infeliz Ucrânia a enxotar os russos de seu território. Assim mesmo, é bizarro que sua veia socialista e universalista não lhe tenha despertado compaixão para com a sorte das vítimas do surreal ataque conduzido pelo autocrata de Moscou.

Prefiro acreditar que Luiz Inácio esteja mal informado do que se passa nessa Europa que acreditava ter atingido a paz permanente. Prefiro supor que, ao dizer que “quando um não quer, dois não brigam”, Lula estivesse apenas distraído da gravidade de suas palavras. Reduziu a agressão russa a uma briga de moleques de rua.

Lula guarda o trauma das vaias que recebeu no Maracanã, na abertura dos Jogos Panamericanos de 2007. Desde então, tem evitado situações em que possa ser alvo de manifestação de desapreço. Os protestos que enfrentou na Assembleia Portuguesa esta semana devem tê-lo feito refletir.

É bom que ele se emende e nunca mais volte a tratar o meio milhão de mortos da guerra na Ucrânia como variável de ajuste. O que está dito, está dito. Com algumas frases infelizes, Lula minou o imenso capital de simpatia de que gozava na Europa. Antes de recobrá-lo, ainda há de ouvir muito protesto. Daqui por diante, é bom refletir antes de falar. O próximo escorregão pode ser fatal para o resto de apreço que a Europa ainda lhe dedica.

As falas do Lula viajante

Journal de Montréal
“A propaganda nauseante e escandalosa do Brasil”

José Horta Manzano

É sabido que chefes de Estado ou de governo, quando viajam para fora do país, correm risco de fazer pronunciamentos embaraçantes. Já aconteceu com o papa, o presidente da França, o presidente dos EUA, o primeiro-ministro da Itália. Ninguém consegue explicar as razões desse fenômeno curioso. Talvez seja porque os líderes se sentem mais à vontade, sem a pressão da mídia do país natal.

Em sua recente viagem à China com passagem pelo Oriente Médio, Lula mostrou que a regra continua válida – ele também deu declarações controversas. No Brasil, país em que Lula foi eleito sobretudo para afastar Bolsonaro, suas falas estranhas não ecoaram dramaticamente. Pelo menos, Lula não destratou soberanos nem fez comício em dia de enterro.

Ele tratou de Rússia, Ucrânia, China, G20 e G7, temas que não frequentam o dia a dia do brasileiro. Ucrânia e os países visitados por Lula nos parecem distantes, exóticos, do outro lado do mundo, fora da realidade brasileira. G7 e G20, então, são noções abstratas, que não reverberam em nossa mente.

No entanto, em lugares do mundo em que a invasão da Ucrânia pelos russos é vista como ameaça global, as falas de Luiz Inácio repercutiram. Lula é personagem conhecido e admirado por muita gente. Suas declarações, que no Brasil passaram quase batidas, representam um golpe em seu prestígio internacional.

Os comentários que tenho lido e ouvido vão neste sentido: “Puxa, eu tinha grande simpatia por Lula, mas fiquei chocado com o que ele disse sobre a guerra. Ele caiu muito na minha estima!”.

O editorial do jornal suíço Le Temps desta segunda-feira relembra que a eleição de Lula foi um alívio para os que torciam pela democracia no Brasil. Conta ainda que, em Pequim, nosso presidente defendeu a ideia de um “clube da paz”, conceito que parece razoável. Menos razoável, no entanto, é apontar o dedo para a Europa e os EUA, acusando-os de “alimentar a guerra”. Essa tirada assustou. A tijolada final chegou quando Lula garantiu que “compartilha a visão de mundo de Xi Jinping”.

Li também um artigo no canadense Journal de Montréal, desta mesma segunda-feira. Esse é mais categórico.

“O presidente brasileiro acaba de fazer declarações ultrajantes sobre a guerra na Ucrânia. Para ele, a responsabilidade pela guerra recai sobre a Ucrânia e a Rússia. Ele também acusa a Europa e os Estados Unidos de não fazerem nada para impedir a guerra. Cereja em cima do bolo, ele propõe a mediação do Brasil, junto com a China e os Emirados Árabes Unidos. Há um limite para tomar as pessoas por imbecis.”

E continua:

“Dizer que a Europa e os Estados Unidos não estão fazendo nada para parar a guerra é ecoar a propaganda russa, que gostaria que a Ucrânia deixasse de receber armas para ser conquistada mais rapidamente.”

E termina, veemente:

“Sugerir que ditaduras como as da China e dos Emirados Árabes sirvam de árbitro para um povo que busca liberdade e democracia é cínico e repugnante.”

Como se pode ver, as falas de Luiz Inácio viajando podem parecer blá-blá-blá no Brasil, mas no exterior o efeito é devastador. É pena que ele não consiga fechar a boca. Calado, poderia até tomar as mesmas iniciativas sem levantar esse auê internacional.

Clube da Paz

José Horta Manzano

Faz séculos que a Rússia é uma potência imperial. Ao longo do tempo, agiu como a coroa portuguesa em terras brasileiras: foi, aos poucos, se apossando de regiões extensas e pouco povoadas. O Brasil se expandiu para o Oeste, especialmente na Amazônia; a Rússia se espichou para o Leste, pela Sibéria, até chegar às vizinhanças do Japão e da Coreia.

O desmanche da União Soviética, no início dos anos 1990, permitiu que uma dezena de países vassalos encontrassem o caminho da independência. Esse movimento pôs fim à guerra fria e o mundo imaginou que o risco de conflito mundial tinha desaparecido para sempre.

No entanto, a Rússia – país que nunca conheceu regime democrático – assistiu à ascensão de novo ditador, um antigo pequeno funcionário, de métodos mafiosos mas imensamente ambicioso. Vladímir Putin, é dele que estamos falando. Nos primeiros anos em que comandou o país, o mundo não se deu conta de que ele tinha o objetivo de recuperar territórios perdidos e restabelecer o esplendor da Rússia imperial.

Foi só em 2014, quando invadiu e se apossou da região ucraniana chamada Crimeia, que o planeta de repente se deu conta de que o risco de conflito mundial voltava a ser real. A partir desse momento, a Rússia foi objeto de sanções leves, que não entravaram o funcionamento do país.

Mas o que Putin queria mesmo era a Ucrânia inteira. Declarou que a Ucrânia não existia, que era apenas uma criação do espírito, um país inventado que não passava de um pedaço da própria Rússia e que era governado por um bando de nazistas degenerados. Foi com esse estado de espírito que invadiu o país a fim de anexá-lo.

Agora vamos refletir juntos. Vamos lembrar que o Uruguai já foi uma província do Brasil, no começo do século 19, logo depois do Grito do Ipiranga. Foi só durante três anos, depois nosso vizinho ficou independente. Agora imaginemos que um ditador aboletado em Brasília declarasse que o Uruguai é uma ficção, que não existe, que aquele território é parte do Brasil. E que mandasse soldados, tanques e metralhadoras para tomar o país à força. Dá pra imaginar? Pois foi o que aconteceu com a infeliz Ucrânia.

Da noite para o dia, começou uma chuva de bombas e mísseis aniquilando prédios de habitação, pontes, aeroportos, hospitais, creches, escolas. Sem falar dos campos de lavoura, contaminados de minas e bombas não explodidas que ainda vão matar gente daqui a cem anos. Como reagiria o mundo?

Se o Brasil invadisse o Uruguai, o mundo civilizado certamente se posicionaria em defesa do país soberano invadido. Pesadas sanções econômicas seriam aplicadas com o objetivo de prejudicar o funcionamento de nosso país.

É o que aconteceu na sequência da invasão russa. O chamado “Ocidente” (Europa, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Japão) uniu esforços para amparar o país invadido. Por motivos que dizem respeito a cada um deles, outros países preferiram abster-se, ou seja, ficaram em cima do muro. Esses motivos podem ser de ordem comercial ou política. Ou ambos.

O Brasil está encarapitado no muro porque precisa de fertilizantes russos e também porque seu presidente tem a ilusão de resolver o problema no tapetão e candidatar-se ao Nobel da Paz. Quanto à China, está aproveitando a ocasião para atrair a empobrecida Rússia para sua órbita e transformá-la em país quase-súdito.

Um Lula assoberbado com os conchavos de Brasília delegou a seu assessor Celso Amorim a missão de levar adiante a ideia do Plano de Paz para acabar com a guerra. Amorim voltou estes dias de uma viagem a Moscou, onde foi recebido por Putin em pessoa, com direito a sentar-se àquela folclórica mesa de 5 metros. Em grandes linhas, apresentou sua ideia ao ditador russo, que se mostrou interessado. Ficaram de se reunir de novo.

Mas um conflito tem dois lados. Cumprida a missão do lado russo, Amorim dirigiu-se a Kiev para falar com a outra parte. Parece lógico, não é? Pois não é verdade, não foi o que aconteceu. Apesar de o presidente ucraniano já ter convidado Lula, ao vivo, para visitar seu país, Amorim se fez de desentendido e ignorou a Ucrânia.

Agora, vamos voltar a nosso terrível exemplo. Suponhamos que o Brasil tenha invadido o Uruguai e continue a martirizar seu povo. Imaginemos também um mensageiro estrangeiro que, a pretexto de pregar a paz entre os que estão em guerra, visitasse somente Brasília, deixando Montevidéu de lado. Falar com uma parte e ignorar a outra. Pode?

Pois foi o que o emissário de Lula fez. Conversou com o agressor e não quis se encontrar com o agredido. É humilhante para a própria Ucrânia, que se sente tutelada por potências estrangeiras, que discutem seu destino sem consultá-la. Curiosa concepção de mediação, essa do governo brasileiro, não?

Que Lula goste ou deixe de gostar, não há muito que conversar para acabar com essa guerra. A condição indispensável para permitir qualquer início de negociação é que a Rússia se retire do território da Ucrânia. Os invadidos não vão sossegar enquanto não expulsarem o derradeiro soldado russo. Afinal, estão defendendo a própria pátria. Antes disso, não faz sentido negociar. Negociar o quê? A entrega ao inimigo de parte do território nacional?

Lula não consegue (ou não quer) entender isso. Talvez esteja sendo empurrado por seu antiamericanismo primário. Talvez ignore a história recente dos países da Europa Oriental. Ou talvez esteja realmente sonhando com o Nobel.

Lula, o caminho não é esse! Chegou a hora de uma correção de rota.

O Brasil está de volta

José Horta Manzano

Ao assumir a Presidência, Lula da Silva proclamou ao mundo: “O Brasil está de volta!”. Depois da maré baixa bolsonárica, que tinha rebaixado nosso país ao status de pária, a fala do novo presidente soou como um bem-vindo tsunami.

Países civilizados (e outros nem tanto) aplaudiram juntos, num coro de aprovação. Feliz, o planeta saudou um Brasil ressuscitado. Luiz Inácio foi convidado por inúmeros países para uma visita. Nesse aspecto, o governo Lula 3 começou com pé direito.

Só que tem uma coisa: embora Lula não pareça estar se dando conta, o mundo mudou muito desde seu primeiro mandato. No tabuleiro global, os atores principais já não ocupam a posição que ocupavam em 2002. A China cresceu incrivelmente e “se empoderou”. Os Estados Unidos continuam na dianteira, permanentemente ameaçados pela China.

A desastrosa invasão da Ucrânia pela Rússia – que Lula qualificou de simples “erro” – desestabilizou o coreto. A Alemanha, maior economia da Europa, abandonou 75 anos de pacifismo e está se rearmando a toque de caixa. Suécia e Finlândia, tradicionalmente neutras, pediram admissão na Otan, uma aliança militar. Os EUA, como haviam feito em guerras do passado, acudiram com forte apoio militar em favor do país invadido. A Rússia, sob pesadas sanções econômicas, dá sinais de estar sentindo o baque.

Até países neutros como a Suíça aderiram às sanções econômicas aplicadas pelos EUA, Canadá, União Europeia, Japão e Austrália. Em Berna, se diz que “neutralidade não rima com indiferença”. A situação é clara. A Ucrânia, um país livre e soberano, com fronteiras mundialmente reconhecidas, foi invadida por um outro país soberano, numa guerra de conquista. Isso contraria as bases da convivência entre nações. Fechar o olho para essa agressão é dar gás à Rússia para seguir invadindo seus demais vizinhos. Quem será o próximo?

Lula não dá mostra de estar entendendo a gravidade da situação. Com sua peculiar visão de política internacional, ele tem mostrado certa incapacidade de entender o mecanismo. Lula consegue distinguir conflitos localizados, como a questão da Palestina, o embargo americano a Cuba, a guerra desencadeada pela Rússia contra a Ucrânia. No entanto, nosso presidente não parece entender que nem todos os conflitos são brigas de rua, que se resolvem com uma boa conversa ou com um jogo de futebol.

O mundo parece estar se dando conta dessa lacuna de Lula. Esta semana, tivemos dois exemplos que convergem para esse ponto.

Tomemos o caso do par de navios de guerra iranianos alegremente amarrados no cais do Rio de Janeiro. Sob o pretexto de que “o Brasil conversa com todas as partes”, o governo autorizou a estadia das embarcações em porto brasileiro. Os EUA já tinham solicitado que o Planalto não permitisse que os barcos acostassem. O Brasil deu de ombros. Agora é Israel, país que os aiatolás declaram ter intenção de destruir, que se dirige a Brasília solicitando que a permissão de amarração seja retirada.

Realmente, fica esquisito um país como o Brasil, que se esforça de promover a igualdade entre todos os sexos, acolher navios de guerra do Irã, país onde mulheres não têm nem o direito de sair sozinhas de casa, e perigam ir parar na cadeia se ajeitarem mal o véu obrigatório. Além disso, o Irã é bom fornecedor de uma parte das armas com que os russos castigam os ucranianos.

Outro caso recente é a conferência de vídeo que se realizou entre Lula e Volodímir Zelenski, a pedido deste último. Vendo que Lula não dá sinais de haver percebido a importância de apoiar a Ucrânia nessa guerra calamitosa, Zelenski convidou seu homólogo de Brasília para fazer uma visita a Kiev. As dezenas de dirigentes estrangeiros que já desfilaram por lá não esperaram convite: foram por achar que era importante. Até Joe Biden foi.

Lula agora não tem desculpa. Até convite oficial já recebeu. Que vá à Ucrânia o mais rápido possível. E que escute com atenção o que o presidente ucraniano tem a lhe dizer e mostrar.

Embora meio atolado em ideologias do passado, Lula já declarou ser “uma metamorfose ambulante”. Chegou a hora de provar. Que escolha seu lado numa disputa em não é permitido ficar em cima do muro. Ou se apoia a democracia ou se apoia a barbárie.

Navios de guerra

José Horta Manzano

IRIS Makran, maior navio de guerra iraniano

Neste momento, o governo brasileiro está embaraçado diante de um dilema. Mas vamos começar pelo começo. Na origem do problema, está o Irã, esse “enfant terrible” do tabuleiro mundial, aquela batata quente que passa de mão em mão e que ninguém quer segurar.

Desde que passou pela revolução de 1979, que o transformou numa teocracia xiita, o Irã passou a trafegar do lado sombrio da rua, sancionado pelos EUA, hostilizado pelos vizinhos, olhado com desconfiança pelos países democráticos. Desde então, a antiga Pérsia vai se virando como pode.

Faz décadas que seu objetivo maior é fabricar uma bomba nuclear. Nem pensar em lançá-la sobre a cabeça de algum país inimigo, que ninguém é besta. A finalidade é puramente dissuasiva. No dia em que conseguirem, terão provado ao mundo que são fortes, que sobrevivem apesar das sanções econômicas, que têm nível superior de tecnologia. Será uma vitória psicológica.

Acontece que o resto do mundo, em especial os países que já possuem a tecnologia nuclear, não estão nada interessados em receber novo membro no clube. Imaginam que quanto mais membros houver, maior será o risco de um dia ocorrer algum acidente ou erro de manipulação de consequências imprevisíveis.

Sem verdadeiros amigos entre os grandes, o Irã procura contacto entre os países de segunda linha. Os iranianos querem mostrar que, apesar de não terem (ainda) a bomba, já contam com imponente marinha de guerra. Com esse fim, despacharam dois navios para uma volta ao mundo. Um deles é a maior nave da frota iraniana, um antigo petroleiro adaptado para portar canhões, lançar mísseis e receber helicópteros. A outra nave é uma fragata de dimensões convencionais, também armada de canhões e mísseis.

Gostariam de lançar âncora em todos os países importantes. O problema é que os portos estão fechados para eles. Nem América do Norte, nem Europa, nem Japão, nem Austrália. Rússia e China fazem de conta que não é com eles. Sobraram potências regionais. Os dois navios já passaram pela Indonésia e agora se dirigem ao Brasil.

IRIS Dena, fragata da marinha de guerra iraniana

A autorização de atracar no Rio de Janeiro está incerta. Num primeiro momento, o Brasil deu seu acordo. Em seguida, em razão da viagem de Lula aos EUA, a licença foi suspensa, dado que o momento não era conveniente. Agora, passada a visita de Lula a Biden, os iranianos insistem em vir. Por trás, os EUA pressionam para que não seja dada autorização de atracar em nenhum porto brasileiro.

Nosso governo está entre a cruz e a espada, num dilema cabeludo. Se autorizar os navios de guerra a lançar âncora no Rio, vai desagradar muita gente fina, como EUA, Europa e demais democracias. Se negar permissão, como é que fica a “neutralidade” da política externa brasileira, que Lula apregoa dia sim, outro também?

Na minha visão, se a neutralidade dá liberdade de comerciar com todos os países, não implica aderir à ideologia nem apoiar as guerras de nenhum deles. Já abrir os portos para receber naves de guerra carregadas de mísseis e canhões é outra coisa. Não tem nada a ver com comércio e pode passar impressão de cumplicidade. Melhor evitar.

Dependesse de mim, a autorização seria negada.

Nem tudo está perdido

“Quem é que quer saber do passado, agora que o Brasil está voltado para o futuro?”
by Patrick Chappatte (1966), desenhista suíço

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 27 agosto 2022

Afeganistão
Em 2001, na precipitação que resultou dos atentados perpetrados pelos terroristas da Al-Qaeda, o governo dos EUA tomou a decisão de cortar o mal pela raiz. Mandou tropas à região onde se presumia estivesse localizado o esconderijo dos cabeças da organização e deu início à Guerra do Afeganistão.

Relativamente modesta no começo, a força militar engrossou com o passar dos anos. No auge da intervenção, a coalizão encabeçada pelos EUA chegou a contar com um efetivo de 150 mil militares, oriundos de 48 países diferentes.

O objetivo perseguido era, na expressão do presidente Bush Jr., promover uma “guerra ao terrorismo”. Analistas militares botaram olho crítico na expressão e fizeram observar que, numa guerra, há que escolher o inimigo. Terrorismo não é o inimigo, mas apenas o método utilizado por ele. Ninguém faz guerra contra o esquema de combate do adversário. Assim mesmo, a descrição oficial permaneceu bastante vaga na hora de apontar o verdadeiro inimigo.

Em 2021, após duas décadas de ocupação e combates, as forças deixaram o território afegão. Apesar da permanência de vinte anos, foram incapazes de organizar a sucessão e de prever o que ocorreria. Aconteceu um desastre. No dia seguinte ao da partida do último soldado, os Talibãs voltaram, e o país deu um tremendo passo atrás. Foram tempos de morte, sofrimento, medo e privações que não serviram para nada. Em 20 anos ocupando o país, os invasores não aprenderam.

Ucrânia
Em fevereiro deste ano, um ultraconfiante Putin lançou sua versão 2.0 do Exército Vermelho contra a vizinha Ucrânia – país de superfície 28 vezes menor que a da Rússia. Ressalte-se que, desde os tempos da extinta União Soviética, os serviços de espionagem russos estão no topo da excelência. Na Ucrânia, para preparar a invasão, hão de ter tido grande liberdade de ação. Religião, costumes, clima, alfabeto, línguas são comparáveis, quando não idênticos. Um agente russo pode se perder em meio à massa humana de Kiev, por exemplo, sem que ninguém note a presença de um estrangeiro, visto que parte da população ucraniana tem o russo como língua materna.

Apesar dessa evidente vantagem, as boas informações não chegaram ao ditador em Moscou. Não está claro se por ineficiência dos agentes, traição, sabotagem ou algum outro motivo. É até possível que os russos, imaginando que seriam recebidos de braços abertos, tenham contratado espiões ucranianos, que se revelaram ser agentes duplos. A Rússia não levou em conta o patriotismo dos ucranianos.

Nessa guerra, que já dura seis meses, a Rússia vem sofrendo imensos reveses. Seu exército registra extensas perdas humanas e materiais; sua economia levou um baque que a fará recuar vários degraus; a fuga de cérebros jovens e promissores vai fazer falta no futuro; com a adesão da Finlândia e da Suécia, a Otan se aproximou mais ainda de suas fronteiras. Ao final, vê-se que os vinte anos de permanência de Putin no topo do poder não lhe ensinaram grande coisa. Apostou mal, arriscou demais e perdeu tudo.

Brasil
Quem assiste à constante multiplicação de desvios de conduta do presidente da República e a sua bizarra preferência por caminhos desviantes tem o direito de ficar intrigado. E assustado. São quase quatro anos sem um dia de trégua. Insultou dirigentes estrangeiros, ofendeu mulheres e negros, descambou para a homofobia, liberou armamento para todos, respaldou garimpo e desmate ilegais, exerceu o charlatanismo, louvou a cloroquina, vingou-se de servidores probos, menosprezou índios, desprezou a ciência, vilipendiou a cultura, fechou os olhos às milícias, minou a confiança de meio Brasil no sistema eleitoral.

Ao ver um currículo – que digo! – ao ver um prontuário dessa magnitude, a população brasileira tem razão em viver na angústia de um golpe de Estado ao aproximar das eleições. No entanto, recentes declarações do capitão de que aceitará o resultado do voto seja ele qual for tranquilizam. Vão no bom sentido. É um bálsamo saber que, diferentemente de estrategistas americanos e russos, ele parece estar se dando conta a tempo de que sua aventura não teria final feliz. Speremus, fratres!

Ação e reação

José Horta Manzano

Artigo publicado pelo Correio Braziliense de 30 julho 2022

Vladímir Putin é homem esperto. Até antes do tremendo erro tático que cometeu ao invadir a Ucrânia numa guerra de conquista, sua ascensão tinha sido fulgurante. Obscuro funcionário burocrático dos serviços de espionagem até o fim dos anos 1980, perdeu o emprego assim que o império soviético se desintegrou. De volta à pátria, pôs um pé na política ao se aproximar do então prefeito de São Petersburgo, segunda metrópole do país.

O prefeito era sabidamente “capo” de uma rede mafiosa. O fato não saía nos jornais, mas, à boca pequena, todos sabiam. O jovem Vladímir há de ter se entendido bem com o chefe, visto que este lhe abriu as portas de uma carreira política à moda russa: sinuosa, mas certeira. Poucos anos depois, Putin já se encontrava em Moscou, agora sob as asas de outro figurão: Borís Eltsin, presidente do país.

Eltsin simpatizou com aquele funcionário taciturno que estava comandando os serviços de segurança interna. Imaginou que ele pudesse ser-lhe útil. Bonachão mas desregrado, Eltsin não vinha governando bem. O país, após oito anos vividos sob sua presidência, encontrava-se em má situação. Uma nova classe de ávidos oligarcas tinha se apoderado do espólio da antiga União Soviética. A população estava desassossegada. No final de 1999, acossado por escândalos de corrupção, Eltsin renunciou à Presidência e deixou Putin em seu lugar como substituto temporário. Nas eleições seguintes, Putin foi confirmado no cargo. Desde então, não deixou o topo do poder.

Nos primeiros anos, foi visto pelo mundo como dirigente respeitável. Foi até convidado a integrar o grupo das nações mais ricas, que então se chamava G8. Em 2014, porém, a Rússia invadiu e anexou a Crimeia, território ucraniano. A partir desse momento, Putin foi desconvidado pelo G8 e a Rússia foi posta de molho. Alguma sanção econômica foi infligida, mas nada que bloqueasse o país.

Se a anexação da Crimeia pareceu ter sido digerida, a invasão da Ucrânia, em 2022, passou dos limites. Ressuscitou dolorosas lembranças de guerras passadas. Era intolerável ver uma nação europeia invadindo outra nação europeia. A reação do mundo civilizado foi imediata, unânime e radical. Sanções duríssimas foram aplicadas ao país.

Mas o pior, a marca que permanecerá por décadas e décadas, é a degradação da imagem da Rússia e de seu povo. A Europa e o mundo voltaram a temer o urso soviético – e quem teme, repele. Em poucas semanas, Putin destruiu a normalidade que tinha sido construída desde a queda do Muro de Berlim. Gerações de russos, embora não sejam culpados dos delírios de Putin, sofrem hoje e vão continuar amargando a desconfiança e a repulsa dos povos civilizados.

Diferentemente de Putin, Bolsonaro não é esperto. Desde o início de seu mandato, parece não conhecer outro modo de operar se não o da marretada. Se a porta não abre, prefere demoli-la, sem que lhe ocorra entrar pela janela. Se encasqueta que tem de armar a população, pouco se lhe dá que pesquisas informem que a maioria abomina essa ideia: armará seus sequazes. Falta-lhe o senso da nuance. Sua personalidade é feita de arestas aceradas. Em seu lugar, um indivíduo de mente arejada já teria se dado conta de que ventos contrários ameaçam sua almejada reeleição. Ele não parece perceber que é hora de dar o pulo do gato, ainda que fosse preciso guardar na geladeira algumas convicções. Não – continua na marretada.

O mundo civilizado não é anestesiado como Bolsonaro parece imaginar. Se não foi vaiado ao fim do “brienfing” a que convocou os embaixadores, é porque diplomata é discreto por dever de ofício. Mas paciência tem limites e ninguém atura ser feito de bobo. Se o mundo continua calado, é por estarem todos no aguardo das eleições de outubro. Caso o capitão seja reeleito, a passividade terminará em janeiro. Caso dê autogolpe, a reação será imediata. Os EUA já deram o tom ao redigir a nota de repúdio à fala presidencial.

Se as forças vivas da nação não reagirem com vigor, os países civilizados o farão. O mundo precisa menos do Brasil do que o Brasil precisa do mundo. Segurem-se, que a reação vai ser forte! Ricos e pobres, todos vão sentir.

Ucrânia: o pós-guerra

José Horta Manzano

Um assíduo leitor que se assina Ricardo fez um comentário interessante no artigo Perigo por 100 anos, publicado faz alguns dias. Achei que podia interessar a todos. Publico aqui o comentário e minha resposta.

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Minha resposta
Hitler e Napoleão estão longe de ter causado à humanidade o estrago que essa estúpida guerra de Putin está provocando.

Nenhum dos ditadores belicosos do passado conseguiu a façanha de unir contra si todos os países da Europa como é o caso atualmente. Com a exceção notável da pouco significativa Bielo-Rússia (que alguns dizem ser “a última ditadura da Europa”), Putin conseguiu ressuscitar na Europa inteira o medo do urso russo, que assustou durante séculos, mas que andava hibernando havia 30 anos, desde a queda do Muro de Berlim.

Nenhum dos ditadores do passado conseguiu, como Putin, a façanha de esfomear o povo de dezenas de países espalhados pelo globo. As primeiras vítimas são os duzentos milhões de habitantes do norte da África (Egito, Argélia, Tunísia, Marrocos), que se encaminham para convulsão social em virtude da fome. Como outros países, eles são inteiramente dependentes do trigo da Ucrânia e da Rússia para fazer o pão, principal alimento da região. E esse trigo não chega mais. Quando os estoques acabarem, problemas graves vão surgir.

Quanto à Otan, ela não podia entrar na guerra como cobeligerante, nem muito menos fazer ataque preventivo à Rússia. A Otan é uma organização defensiva, não ofensiva. Foi criada logo depois da Segunda Guerra como contraponto ao Pacto de Varsóvia, que reunia os países que orbitavam em torno da União Soviética. Sempre funcionou como redoma de proteção para os países europeus que estavam fora da órbita comunista. Seu objetivo não é dar o primeiro tiro, mas responder imediatamente a um ataque inimigo. O Artigo 5° do Tratado reza que, se qualquer dos países-membros for atacado, o ataque será considerado como se fosse contra todos os signatários. A resposta, portanto, será dada por todos, em esforço coordenado.

Putin sabe muito bem disso, tanto é que não atacou os países baltas, por exemplo, que são pequenos e aparentemente indefesos. É que os três são membros da Otan. Quem está apreensivo atualmente é o povo da Moldávia, pequena e pobre vizinha da Ucrânia, que tem o PIB per capita mais baixo da Europa, que não é país-membro da Otan nem da União Europeia. No entanto, visto o fiasco protagonizado na Ucrânia pelo antes temido exército russo, dificilmente os generais de Moscou se arriscarão a atacar um segundo país, ainda que Putin esperneasse.

A decepção
A decepção dos peritos militares do mundo todo com o desempenho do exército russo é enorme. Nem mesmo os serviços de inteligência americanos, que costumam ser muito bem informados, previam um fracasso dessa magnitude. (Se previam, não deixaram vazar nada. Ficaram quietinhos.)

Imaginando que a guerra seria curta, a Rússia lançou milhares de mísseis sobre a Ucrânia. Passados dois meses e meio, não conseguiu capturar nenhuma cidade importante, perdeu sua nave-almirante (Moskvá, o encouraçado capitânia), perdeu mais algumas naves importantes e centenas (talvez milhares) de tanques. Quanto às perdas humanas, as estimações variam entre 15 mil e 30 mil homens e uma dezena de generais. Ainda por cima, o exército teve de abandonar a ideia de invadir e ocupar a capital, Kiev. Um vexame.

Nestas alturas, o estoque de mísseis russos de boa qualidade está praticamente exaurido. Eis por que eles tiveram de reduzir o front e encolher a linha de combate. Abandonaram as amplas ambições iniciais e agora limitam-se ao sudeste da Ucrânia. É exatamente a faixa litorânea que ambicionam tomar, o que incomoda a Turquia, dona do litoral do outro lado do Mar Negro.

Para fazer mísseis de boa qualidade, a Rússia precisa importar componentes eletrônicos dos Estados Unidos. Mas, ai! O comércio está embargado! Nada se vende, nada se compra. Mercadoria americana não entra mais na Rússia. Portanto, nada de míssil de boa qualidade. Os soldados de Putin às vezes lançam algum foguete de segunda categoria, tipo “buscapé”, que acaba atingindo edifício de habitação ou cemitério.

Daqui pra frente, a Rússia entra obrigatoriamente em declínio. Ainda que se aproxime da China, será a “sleeping partner” da sociedade, a parceira secundária do gigante asiático. Viverá na dependência dos caprichos de Pequim.

O futuro
O grosso das exportações russas é constituído de matérias primas: gás, petróleo e trigo. Todas as exportações estão sob crescente embargo dos países ocidentais. Dentro em pouco, as trocas comerciais entre a Rússia e o Ocidente cessarão e hão de permanecer em estado de hibernação por dezenas de anos. A China, por mais boa vontade que tenha, não será capaz de absorver sozinha a produção russa.

A Ucrânia receberá (já está recebendo) bilhões de euros e dólares para a reconstrução. Levará décadas, como foi o caso da Europa após a Segunda Guerra. Pontes, viadutos, aeroportos, estradas de rodagem, redes de saneamento e de eletricidade, edifícios públicos e privados terão de ser refeitos.

A desminagem do país – principalmente dos campos cultivados, onde o trator, a colhedeira e o arado podem roçar uma bomba e matar quem estiver por perto – será um problema a enfrentar com atenção. Vai levar muitos anos para desminar as terras aráveis.

A Rússia terá de se virar sozinha. Materialmente, não foi bombardeada nem destruída, o problema é mais profundo. Os russos terão de cuidar sozinhos de seus demônios. Um flagrante fracasso, como essa guerra de Putin, costuma levar a uma troca de regime. Mas, quando se fala em Rússia, toda previsão é arriscada. Vamos ver no que vai dar.

Por muitos e muitos anos, o país conservará seu armamento nuclear, mas continuará com extrema dificuldade para comprar ou desenvolver armas de alta tecnologia.

A consequência maior é que o medo do urso vermelho voltou à ordem do dia na Europa e na América do Norte. Desde já, no quesito imagem, a Rússia perdeu feio.

Perigo por 100 anos

Bomba da Segunda Guerra não explodida encontrada em canteiro de obras

José Horta Manzano

Na quarta-feira 11 de maio, Herr Olaf Scholz, o chanceler alemão (sucessor de Angela Merkel) fez uma declaração um tanto desanimadora.

Começou lembrando que “Todos os que vivem na Alemanha sabem que as bombas que caíram durante a Segunda Guerra Mundial continuam a ser encontradas até hoje e que os alertas continuam”.

Na sequência, foi ao ponto principal e fez uma advertência: “Portanto, é bom a Ucrânia ir se preparando desde já para enfrentar durante 100 anos as consequências desta guerra”.

E completou: “Sabe-se que guerras dessa magnitude deixam consequências de longo prazo. Todas as bombas que estão sendo lançadas agora ficarão muito tempo no solo”.

Um bocado deprimente, a observação do chanceler é desalentadora mas pertinente. Em todos os países europeus que sofreram bombardeios na última guerra mundial, volta e meia se encontra uma bomba enterrada – às vezes profundamente. São artefatos que caíram de um avião, não explodiram, ficaram enterrados, mas, ao menor descuido, podem explodir.

França, Inglaterra, Bélgica, Itália, Holanda – além da própria Alemanha – são países que sofrem até hoje consequências de bombardeios intensos. A guerra terminou faz 77 anos, mas o risco continua elevado.

O grande perigo surge quando se faz uma escavação urbana – para erguer edifício, construir metrô, enterrar cabos elétricos, instalar tubulações. Se uma grande bomba é descoberta, equipes de desminagem são chamadas. As autoridades mandam evacuar os quarteirões adjacentes e os profissionais cuidam de desarmar o artefato.

Calcula-se que o subsolo de Berlim contenha cerca de 3000 artefatos não explodidos. Os berlinenses caminham sobre um barril de pólvora. Infelizmente, acidentes ocorrem. São relativamente raros, mas o risco está sempre presente.

Numa Alemanha cujo território ainda está recheado de bombas que não explodiram e permanecem enterradas, aconteceu um drama recentemente. Foi em dezembro passado, num canteiro de obras perto da estação ferroviária de Munique. As escavadeiras roçaram numa bomba de 250kg, que explodiu e deixou 4 feridos. Até o tráfego ferroviário teve de ser interrompido.

Muitas gerações futuras de ucranianos continuarão correndo o risco de viver sobre um solo minado. E não há nada que o cidadão comum possa fazer. O que está feito, está feito – as bombas e os mísseis não explodidos estão lá e lá vão continuar.

Daqui pr’a frente, a quantidade só pode aumentar. O futuro depende dos neurônios desequilibrados de uma pessoa só: Vladímir Putin.

Nunca ninguém imaginou que um homem sozinho pudesse tomar a humanidade inteira como refém.

Observação
Quando fala em “100 anos”, até que o chanceler alemão está sendo otimista. Se hoje, quase 80 anos depois do último bombardeio, Berlim ainda esconde 3 mil bombas no subsolo, a conta não fecha. Os netos dos bisnetos das crianças ucranianas de hoje ainda estarão pisando em bombas.