As falas do Lula viajante

Journal de Montréal
“A propaganda nauseante e escandalosa do Brasil”

José Horta Manzano

É sabido que chefes de Estado ou de governo, quando viajam para fora do país, correm risco de fazer pronunciamentos embaraçantes. Já aconteceu com o papa, o presidente da França, o presidente dos EUA, o primeiro-ministro da Itália. Ninguém consegue explicar as razões desse fenômeno curioso. Talvez seja porque os líderes se sentem mais à vontade, sem a pressão da mídia do país natal.

Em sua recente viagem à China com passagem pelo Oriente Médio, Lula mostrou que a regra continua válida – ele também deu declarações controversas. No Brasil, país em que Lula foi eleito sobretudo para afastar Bolsonaro, suas falas estranhas não ecoaram dramaticamente. Pelo menos, Lula não destratou soberanos nem fez comício em dia de enterro.

Ele tratou de Rússia, Ucrânia, China, G20 e G7, temas que não frequentam o dia a dia do brasileiro. Ucrânia e os países visitados por Lula nos parecem distantes, exóticos, do outro lado do mundo, fora da realidade brasileira. G7 e G20, então, são noções abstratas, que não reverberam em nossa mente.

No entanto, em lugares do mundo em que a invasão da Ucrânia pelos russos é vista como ameaça global, as falas de Luiz Inácio repercutiram. Lula é personagem conhecido e admirado por muita gente. Suas declarações, que no Brasil passaram quase batidas, representam um golpe em seu prestígio internacional.

Os comentários que tenho lido e ouvido vão neste sentido: “Puxa, eu tinha grande simpatia por Lula, mas fiquei chocado com o que ele disse sobre a guerra. Ele caiu muito na minha estima!”.

O editorial do jornal suíço Le Temps desta segunda-feira relembra que a eleição de Lula foi um alívio para os que torciam pela democracia no Brasil. Conta ainda que, em Pequim, nosso presidente defendeu a ideia de um “clube da paz”, conceito que parece razoável. Menos razoável, no entanto, é apontar o dedo para a Europa e os EUA, acusando-os de “alimentar a guerra”. Essa tirada assustou. A tijolada final chegou quando Lula garantiu que “compartilha a visão de mundo de Xi Jinping”.

Li também um artigo no canadense Journal de Montréal, desta mesma segunda-feira. Esse é mais categórico.

“O presidente brasileiro acaba de fazer declarações ultrajantes sobre a guerra na Ucrânia. Para ele, a responsabilidade pela guerra recai sobre a Ucrânia e a Rússia. Ele também acusa a Europa e os Estados Unidos de não fazerem nada para impedir a guerra. Cereja em cima do bolo, ele propõe a mediação do Brasil, junto com a China e os Emirados Árabes Unidos. Há um limite para tomar as pessoas por imbecis.”

E continua:

“Dizer que a Europa e os Estados Unidos não estão fazendo nada para parar a guerra é ecoar a propaganda russa, que gostaria que a Ucrânia deixasse de receber armas para ser conquistada mais rapidamente.”

E termina, veemente:

“Sugerir que ditaduras como as da China e dos Emirados Árabes sirvam de árbitro para um povo que busca liberdade e democracia é cínico e repugnante.”

Como se pode ver, as falas de Luiz Inácio viajando podem parecer blá-blá-blá no Brasil, mas no exterior o efeito é devastador. É pena que ele não consiga fechar a boca. Calado, poderia até tomar as mesmas iniciativas sem levantar esse auê internacional.

4 pensamentos sobre “As falas do Lula viajante

  1. Eu também acho inaceitável a fala de Lula sobre a responsabilidade da Ucrânia na guerra e o apoio que ele vem dando às investidas imperialistas de Rússia e China, mas confesso que me desagrada o acúmulo de críticas ao desempenho do presidente nos primeiros 100 dias de governo. Todo mundo sabia quais eram (e ainda são) suas crenças de geopolítica, mas votou nele de caso pensado como única forma de afastar o abismo diplomático (dentre outros) que caracterizava o governo do ex-presidente. Agora é engolir em seco e empurrar com a barriga até que seus assessores mais especializados o convençam a calar a boca de improviso.

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  2. Boa noite. Na frase: “Calado, poderia até tomar as mesmas iniciativas sem levantar esse auê internacional” vejo algo preocupante e problemático. Demonstra que esse senhor eleito poderia agir sorrateiramente (às escondidas), em seu apoio que é total em relação a países cujo histórico é antidemocrático e cujos regimes são abertamente ditatoriais. Como se isso fosse algo digno de aplauso. Não é. O bom mesmo é vê-lo dizendo abertamente o que pensa e quais os líderes que ele reverencia e apoia. Não sei de onde surge a ideia de que Inácio seja um baluarte do pensamento democrático, quando em seu âmago todos sabemos que ele defende regimes como o chinês, o russo, o cubano, o venezuelano. Talvez o mundo, que o considera um grande estadista, desconheça quem ele verdadeiramente seja. Começaram a perceber.

    Hoje ele já fez um pronunciamento do tipo mea-culpa, tentando desfazer o mal estar. Enfim, acredita em conto de carochinha quem quer!

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