P.P.P.

José Horta Manzano

Às vezes se ouvem inacreditáveis histórias de cubanos que padecem com salário mensal de 10 ou 20 dólares. São relatos que nos deixam de queixo caído e sem entender como é possível alguém viver com uma ninharia assim.

É verdade que, em qualquer lugar do mundo, ter de se virar com poucas dezenas de dólares por mês é andar na corda bamba. No entanto, há que relativizar. O dólar não é referência absoluta. Nenhuma moeda poderia servir de régua para medir realidades assimétricas.

Tradicionalmente, o PIB (produto interno bruto) tem servido de parâmetro para medir a riqueza de cada país. O cálculo é teórico, mas é o que temos. O problema é que um cubano, com o equivalente de 10 dólares, pode comprar mais mercadoria e mais serviços do que um norueguês que dispuser da mesma quantia. Portanto, simplesmente dividir o PIB pela população de um país pode levar a resultado distorcido, longe da realidade.

Para corrigir a distorção, utiliza-se a variante PPP (Purchasing Power Parity = Paridade de Poder Aquisitivo). Uma manipulação científica de indicadores permite a obtenção de resultado mais próximo da realidade. É aí que se vê que um ordenado mensal de US$ 5.000, considerado excelente no Brasil, é salário de fome na Suíça, país onde esse montante não chega para sustentar uma família de quatro pessoas.

Calculado pelo método PPP, o PIB brasileiro per capita aumenta 50%. O G7, o clube dos ricos, congrega as nações teoricamente mais ricas do planeta. Atualmente, os membros do clube são: os EUA, o Japão, a Alemanha, a França, o Reino Unido, a Itália, o Canadá – acompanhados da União Europeia. A Rússia, que fazia parte, foi excluída desde que suas tropas se apossaram da Crimeia, território antes ucraniano.

Algum tempo atrás, uma jornalista alemã esmiuçou dados do FMI e confrontou com a riqueza dos integrantes do G7. Chegou à conclusão de que, considerada a paridade de poder aquisitivo, os integrantes do G7 não seriam os mesmos. A ilustração mostra os países que, pelo método P.P.P., deveriam participar do clube, de 1980 a 2019.

Pode-se notar que, na década de 1980 (a chamada década perdida), o Brasil contava entre as sete maiores economias. Deu um escorregão no início dos 2000. Atualmente, é o oitavo da lista, ou seja, o primeiro dos que vêm depois. É interessante notar a ascensão fulgurante da China, o grande ausente. Não passava nem perto do clube em 1980 e, em 40 anos, assumiu o primeiro lugar. Mas continua de fora, que o clube não aprecia novos-ricos. Regras são regras, ora.

Fora, todos!

José Horta Manzano

Toda vez que líderes mundiais se reúnem, há quem manifeste desagrado, quiçá enrolado em bandeira e marchando sobre o asfalto aos gritos de «Fora este!» ou «Fora aquele!». É sacrossanto o direito a protestar, não há democrata que o negue. De lá a protestar por protestar, com objetivo nebuloso, só pra armar confusão ‒ já não estamos falando da mesma coisa.

Aconteceu quando doutor Trump estava para se encontrar com aquele excitado líder (dono?) da Coreia do Norte. Reuniram-se, cumprimentaram-se, conversaram. Muita gente ‒ na Coreia do Sul, nos EUA, no Japão ‒ contrária à ideia de os dois se encontrarem, manifestou indignação. Conversaram assim mesmo. Ao final, se o mundo não consertou, pelo menos ficou menos tenso do que antes. Mal não fez, a conversa.

Dias atrás, os grandes do planeta estiveram na reunião do G20 em Buenos Aires ensaiando acertar o passo no tango planetário que nos rege. De Mr. Trump a Frau Merkel, de doutor Temer a Monsieur Macron, estavam todos lá. Não deu outra: avenidas da capital argentina foram tomadas por manifestantes irados que ordenavam, sem sutileza nenhuma: «Fuera FMI!, Fuera G20!, Fuera imperialistas!, Fuera todos!». Edificante.

Fico perplexo com essas manifestações. «É conversando que a gente se entende» ‒ é moto repetido à farta entre nós. Ao observar os que protestam ruidosamente na rua, fico a imaginar que seria lógico proporem outra forma de resolver o problema contra o qual se insurgem. No entanto, nenhuma proposta aparece. Protestam por protestar. Mandam todos embora sem apresentar nem a sombra do esboço de um caminho novo.

Francamente, esses que gritam «Fora!» a todos não têm solução alternativa a propor. Nesse caso, mais vale ignorá-los e perseverar nos encontros e nos diálogos. Post nubila Phoebus. Depois das nuvens, sai o sol. Há de sair.

Frases do Lula

José Horta Manzano

O Globo listou 25 frases marcantes do ex-presidente do Brasil, publicadas pelo quotidiano desde a década de 90. Estavam guardadas na minha gavetinha. Achei que hoje valia a pena publicá-las.

1) “De todos os deputados do Congresso Nacional, há pelo menos 300 picaretas. E eles foram eleitos, não caíram lá de paraquedas. São políticos que põem seus interesses acima de suas obrigações com a comunidade.”
Em 9/9/1993, referindo-se ao envolvimento de parlamentares no escândalo da CPI do Orçamento, durante o governo de Itamar Franco.

2) “Nunca fui candidato a santo.”
Em 12/5/2004, durante café da manhã com líderes da base do governo, ao comentar expulsão de jornalista de “New York Times”. Caso havia criado desconforto internacional, gerando comentários de jornalistas ao redor do mundo, inclusive do porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Richard Boucher.

3) “Sexo é uma coisa que quase todo mundo gosta e é uma necessidade orgânica, da espécie humana e da espécie animal. Como não temos controle disso, o que precisamos é educar.”
Em 7/3/2007, ao defender a distribuição gratuita de camisinhas no lançamento de plano para conter a disseminação da aids entre as mulheres.

4) “Crie um G que o Brasil vai estar lá dentro. Não tem país mais preparado para achar o ponto G que o Brasil.”
Em 12/2/2010, ao falar sobre a participação do país em grupos como G20, G4 e G8. Lula foi a Goiânia inaugurar uma barragem e uma escola em uma vila onde casas populares estavam sendo construídas.

5) “Não interessa se foi A, B ou C. Todo o episódio foi como uma facada nas minhas costas.”
Em 29/12/2005, ao comentar sobre o Mensalão durante entrevista ao programa “Fantástico”.

6) “Sou que nem massa de bolo. Quanto mais batem, mais cresço.”
Em 11/5/2006, ao comentar a relação entre a crise política e seu desempenho nas pesquisas.

7) “O caos aéreo é como uma metástase. A gente acha que está tudo bem, mas só descobre que o problema é bem maior quando ele surge.”
Em 2/8/2007, ao admitir ter sido surpreendido pela crise aérea.

8) “Estou preparado para enfrentar mais essa batalha e acho que nós vamos conseguir tirar de letra. Basta que a gente siga recomendações médicas, basta que a gente faça aquilo que precisa ser feito. Acho que vou vencer esta batalha. Não foi a primeira e não será a única batalha que eu vou enfrentar. Com a solidariedade de vocês, vai ser muito mais tranquilo, muito mais fácil.”
Em 1/11/2011, em vídeo gravado ao sair do hospital após receber o diagnóstico de câncer na laringe.

9) “Lá (nos EUA), ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar.”
Em 4/10/2008, ao debochar dos efeitos no Brasil da crise mundial, que estourara no mês anterior com a quebra do gigante bancário americano Lehman Brothers, revelando-se a crise mais severa enfrentada pelo planeta desde a Grande Drepressão dos anos 30.

10) “É uma crise causada, fomentada, por comportamentos irracionais de gente branca, de olhos azuis, que antes da crise parecia que sabia tudo e que, agora, demonstra não saber nada.”
Em 26/3/2009, ao falar sobre os responsáveis pela crise mundial que abalou a economia mundial a partir de 2008. O presidente estava ao lado do então primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, que tem olhos claros. Com razão, o visitante estrangeiro pareceu constrangido com o comentário.

11) “Você não acha chique emprestar dinheiro para o FMI? E eu, que passei parte da minha juventude carregando faixa em São Paulo: ‘Fora FMI!’”
Em 3/4/2009, ao confirmar, durante reunião do G20 (grupo de países mais ricos e os principais emergentes), que o Brasil iria se tornar, pela primeira vez, credor do Fundo Monetário Internacional (FMI).

12) “Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do Oceano Atlântico. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.”
Em 22/10/2009, em entrevista à Folha de S.Paulo, ao ser questionado sobre seus aliados políticos.

13) “Uma mulher não pode ser submissa ao homem por causa de um prato de comida. Tem que ser submissa porque gosta dele.”
Em 15/1/2010, durante discurso na cerimônia de lançamento da pedra fundamental e de início das obras da Refinaria Premium I, numa frase politicamente incorretíssima.

14) “O povo pobre não precisa mais de formador de opinião. Nós somos a opinião pública.”
Em 18/11/2010, ao acusar, durante comício em Campinas, a imprensa de não agir de forma democrática. A frase revelou particular ausência de modéstia.

15) “Parece um governo de mudos.”
Em 18/6/2015, ao criticar Dilma Rousseff (sua cria política) e os ministros dela, principalmente os do PT.

16) “É um triplex minha casa minha vida.”
Em 4/3/2016, durante depoimento prestado à Polícia Federal (PF) sobre triplex no Guarujá (SP), mostrando desdém pelas moradias entregues aos mais pobres. Na época da reportagem do Globo, a PF investigava se a empreiteira OAS havia reformado o apartamento para uso da família Lula em troca de benefícios.

17) “Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando. (…) Tchau, querida.”
Em gravação telefônica divulgada no dia 16/3/2016, em que Dilma dizia estar mandando termo de posse como ministro da Casa Civil, o que concederia ao Lula o direito a foro privilegiado.

18) “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado, somente nos últimos tempos é que o PT e o PCdoB acordaram e começaram a brigar. Nós temos um presidente da Câmara fodido, um presidente do Senado fodido, não sei quantos parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar. Eu, sinceramente, tô assustado com a “República de Curitiba”. Porque, a partir de um juiz de 1ª instância, tudo pode acontecer ‘nesse’ país.”
Em gravação telefônica divulgada no dia 16/3/2016, em que Lula, em conversa com a presidente Dilma Rousseff, atacou setores e instituições do governo.

19) “Nem o Moro, nem o Dallagnol, nem o delegado da Polícia Federal tem a lisura, a ética e a honestidade que eu tenho nestes 70 anos de vida.”
Em 24/4/2017, durante evento do PT que discutia os efeitos da Operação Lava-Jato no país. Lula reclamou da atuação dos investigadores e atacou o procurador Deltan Dallagnol, a quem chamou de “moleque”. Releve-se a pequena marca de vaidade do ex-presidente que, à época, já tinha completado 71 anos.

20) “Nós estamos reivindicando a participação na OMC porque achamos que o Brasil é um país que tem muita importância.”
Em 28/1/2005, durante discurso no Fórum Econômico Mundial, em Davos. O Brasil já fazia parte da organização na época.

21) “Sabe, porque… até a Clara Ant (…) porque fica procurando o que fazer. Faz um movimento da mulher contra esse filho da puta. Porque ele batia na mulher, levava ela pro culto, deixava ela se foder, dava chibatada nela. Cadê as mulheres de grelo duro do nosso partido?”
Em 15/3/2016, sobre uma suposta falta de ação das feministas do PT, em telefonema ao ex-ministro Paulo Vannucchi gravado com autorização judicial.

22) “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, ele vai para a cadeia, mas quando um rico rouba, ele vira ministro.”
Em 14/2/1988, ao comentar reportagem do Globo que revelara um dossiê no Palácio do Planalto com nomes de parlamentares que receberam doações de empresas na eleição de 1986. Para Lula, o governo deveria “mandar prender”, e não divulgar lista de políticos com recursos ilegais.

23) “Prefiro ser considerado uma metamorfose ambulante, por estar mudando na medida que as coisas mudam. Não tenho a dureza de um partido comunista ortodoxo.”
Em 6/12/2007, sobre a mudança de opinião a respeito da CPMF, imposto contra o qual lutou quando foi aprovado em 1996, mas que tentou prolongar a sua existência durante seus dois mandatos.

24) “Eu e Palocci somos unha e carne.”
Em 28/4/2005, ao elogiar e declarar confiança no novo ministro da Fazenda, o médico Antonio Palocci.

25) “Eu conheço o Palocci bem. Se o Palocci não fosse um ser humano, ele seria um simulador. Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade. É médico, calculista, é frio.”
Em 14/9/2017, durante depoimento ao juiz Sérgio Moro. Lula foi acusado pelo ex-companheiro Antonio Palocci de fazer um “pacto de sangue” com a construtora Odebrecht.

Só pra comparar

José Horta Manzano

Um certo senhor Mascarenhas, antigo funcionário do Departamento de Propina da Odebrecht, foi alcançado pelas investigações da Lava a Jato.

Acuado, o homem abriu o bico e delatou os crimes de que foi testemunha. Afirmou que a construtora tinha pagado cerca de 3,5 bilhões de dólares americanos a título de propinas e compra de favores.

Sabe o distinto leitor o que significa esse montante? Para nós, cidadãos comuns, é quantia fora da realidade. Só para dar uma pálida ideia, tomemos a lista do PIB mundial, país por país, publicada pelo FMI para 2016. No elenco, o Fundo Monetário Internacional esmiúça as finanças de 191 estados ou territórios autônomos.

Saiba que a soma das propinas pagas pela bondosa família Odebrecht é superior ao PIB das 34 nações menos ricas. Em outros termos: se a quantia paga pelo Departamento de Propina(*) da construtora fosse o PIB de um país, essa nação ocuparia o 158° lugar na lista das 191 computadas pelo FMI.

Nada mal, hein? E olhe que isso é só o que se sabe até agora. Nada impede que o total real seja superior.

(*) Falo só do montante das propinas. O faturamento da empresa é, naturalmente, muito superior.

Uns são mais iguais que outros

José Horta Manzano

Quanto mais alta for a velocidade do trem, maior será o risco de ele descarrilar. Nos negócios, vale a mesma máxima: quanto mais dinheiro uma transação envolver, maior será o risco de trambiques.

Para não encher a paciência do distinto leitor, vou resumir um imbróglio que começou 25 anos atrás e agora chega ao fim. Bernard Tapie, personagem nebuloso e ultraconhecido na França, saiu do nada, chegou lá em cima, caiu, reergueu-se, caiu de novo e, aos 73 anos, vai indo assim assim.

Monsieur Bernard Tapie

Monsieur Bernard Tapie

Inteligência, o homem tem. Lábia, também. Filho de operário, é o arquétipo do self-made man. Começou vendendo televisores. Com episódios rocambolescos, muita esperteza, um rolo aqui outro ali, foi subindo. No auge, chegou a ministro da República e proprietário do prestigioso Olympique Marseille ‒ clube de futebol de Marselha. Ganhou muito dinheiro comprando empresas à beira da falência, dando-lhes uma garibada e revendendo-as com bom lucro.

Seu passo mais arriscado foi quando, escorado por um grupo de bancos, investiu quase 500 milhões de euros na compra da Adidas, nos anos 1990. A partir daí, a história se complica. Transações obscuras levaram o empresário à impossibilidade de reembolsar o empréstimo, o que o levou à falência. Visto o volume de dinheiro envolvido, a disputa chegou aos tribunais e ao topo do Estado francês.

Passando por cima da justiça comum, o governo designou uma comissão arbitral para desatar o nó. Os peritos deram razão a Monsieur Tapie e condenaram o erário francês a pagar 400 milhões de euros ao empresário. Em princípio, a questão deveria terminar aí.

Madame Christine Lagarde

Madame Christine Lagarde

No entanto, com a chegada de François Hollande à presidência da República, o caso voltou à baila. A decisão do comitê de arbitragem foi contestada. O processo foi reaberto e enviado à justiça comum, que anulou a decisão arbitral e exigiu devolução dos milhões. Indo além, procurou saber quem havia optado pela arbitragem extrajudicial, procedimento inusitado.

Chegaram a Madame Christine Lagarde, à época ministra das Finanças da França, atual presidente do FMI. Acusada de ter sido descuidada com os dinheiros públicos, Madame foi mandada ao banco dos réus e julgada ontem. Recebeu sentença pra lá de curiosa. Foi, sim, condenada por negligência, mas dispensada de cumprir pena. Não é todos os dias que se vê um réu condenado sair do tribunal livre, sem pena, sem multa, sem sequer inscrição no registro de antecedentes criminais.

FMI ‒ Fundo Monetário Internacional

FMI ‒ Fundo Monetário Internacional

A razão disso tudo? Se fosse condenada em seu país, Madame Lagarde certamente seria despedida do FMI. Seu substituto dificilmente seria um cidadão francês. A bizarra decisão do tribunal evitou essa desonra nacional. Com folha corrida virgem, Madame conserva o prestigioso posto de diretora do Fundo Monetário Internacional.

Como se vê, não é só no Brasil que certos personagens são tratados com mais condescendência que os demais. Os franceses chamam isso de «justice à deux vitesses» ‒ justiça de duas velocidades. Todos são iguais, mas… sempre haverá aqueles que são mais iguais que os outros.

Só o FMI

José Horta Manzano

O FMI ‒ Fundo Monetário Internacional ‒, espécie de massagem cardíaca para países infartados, é a última esperança de economias naufragadas. Criado em 1944 no âmbito dos acordos de Bretton Woods, o fundo tem por objetivo regulamentar e equilibrar as relações financeiras internacionais. Na prática, é conhecido como pronto-socorro para países em dificuldade.

Nos anos 1970 e 1980, um Brasil economicamente enroscado mirava o Fundo com antipatia e temor. Volta e meia, vinha um alto representante de visita a Brasília dar diretivas sobre a condução da economia nacional, fato que irritava. Mas não havia outro jeito. Em matéria de finanças, o país precisava injeção na veia.

Chamada do inglês The Telegraph, 3 mar 2016

Chamada do inglês The Telegraph, 3 mar 2016

De lá pra cá, muita coisa aconteceu. A economia pouco a pouco absorveu o choque do petróleo que a tinha derrubado. As finanças melhoraram. Com o tempo, a presença de dignitários do FMI em Brasília foi rareando até que sumiu. Passamos todos a acreditar que o perigo estava esconjurado.

Semana passada, o jornal inglês The Telegraph traz alentado artigo assinado por A. Evans-Pritchard, analista de negócios globais. Para quem se lembra do sufoco financeiro dos anos 80 e da hiperinflação do anos 90, o título é assustador: «Only the IMF can now save Brazil»agora só o FMI pode salvar o Brasil. Cruz-credo, olhe aí o espantalho de novo! Como é que conseguimos retroceder tão rápido e tão fundo?

Chamada do argentino Diario Uno, 6 mar 2016

Chamada do argentino Diario Uno, 6 mar 2016

A estagnação da economia nacional anda assustando até nossos fornecedores. O Diario Uno de Mendoza (Argentina) dá sinais de que a crise brasileira já está batendo às portas daquela região, que supre nossa demanda de vinhos, azeitonas, maçãs e outros produtos agrícolas. Uma brisa de pânico já sopra no sopé dos Andes. Como superar a «histórica y cómoda brasildependencia» que sustenta boa parte da economia local?

O portal argentino iProfesional, voltado para temas econômicos e financeiros, vai ainda mais longe. «Um Brasil à deriva força Macri a favorecer os EUA como novo aliado estratégico» é o título de análise publicada hoje.

Chamada do argentino iProfesional, 6 mar 2016

Chamada do argentino iProfesional, 6 mar 2016

O mar não está pra peixe, como se dizia antigamente. Dona Dilma ou quem quer que presida o país nos próximos anos pode ir arregaçando as mangas. Despedaçar a economia foi fácil, fizeram isso com um pé nas costas. Reconstrui-la serão outros quinhentos.

O gato e a lebre

José Horta Manzano

Não sou analista financeiro nem tenho lastro suficiente para me aprofundar na matéria. Assim mesmo, os anos e as experiências vividas não deixaram de me apurar o bom senso. Entre tantos incômodos, os anos maduros trazem, pelo menos, o consolo de enxergar com menos paixão.

Banco 2Fiz esse preâmbulo antes de falar da criação do Banco do Brics, assunto que me chamou a atenção estes últimos dias. Longe de ser banco de pobre, como alguns apressados poderiam deduzir, tem sócios de peso. Basta dizer que conta com a segunda potência comercial do planeta entre seus membros. É interessante notar que cada um dos sócios tem sua própria motivação para aderir ao empreendimento.

A Rússia, por exemplo, anda meio de birra com o resto do mundo por causa do conflito com a Ucrânia. Desde que anexou a Crimeia, vem sofrendo sanções econômicas da União Europeia e dos EUA. As punições são inócuas, é só questão de marcar um desacordo. Assim mesmo, a Rússia procura mostrar que está dando de ombros para o castigo. Nessa óptica, uma associação com outras economias poderosas é sempre bem-vinda.

Diferentemente de nossa hermana Cristina, o Brasil não precisa do socorro financeiro de bancos internacionais. Já temos apoio suficiente. Se dona Dilma achou tão importante a criação desse estabelecimento é por razões de imagem interna. Transmite ao povo a sensação de que nosso país tem dinheiro pra dar, emprestar e vender. E, mais que isso, dá a prova cabal de que, finalmente, não dependemos mais dos abominados capitalistas ocidentais. A artimanha funciona, tem muita gente que acredita.

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

by Roque Sponholz, desenhista paranaense

Quanto à África do Sul, cujo PIB equivale à quarta parte do nosso, não se entende bem o que está fazendo nesse clube. Faria mais sentido incluir a Turquia e a Indonésia.

O PIB (PPP) brasileiro, pelas contas do FMI, equivale ao da Rússia. Já a China, com produção anual bruta quase seis vezes superior à nossa, precisa menos ainda de ajuda de bancos internacionais. Seu interesse é diferente do nosso e do da Rússia.

Banco 1Com dinheiro a escapar pelo ladrão, o Estado chinês tem vista de longo alcance. Por seu peso econômico, terá de facto a última palavra nas decisões da nova empresa. Para ser concedido, todo empréstimo terá de contar com o beneplácito de Pequim.

A China, sedenta de matérias-primas necessárias para sua afirmação, tenderá, naturalmente, a apoiar projetos de seu próprio interesse. Projetos visando a favorecer produção de soja no Brasil ou de gás na Sibéria serão aplaudidos em Pequim. Seu financiamento está garantido.

Se os estrategistas do Planalto imaginavam, com a criação do banco de fomento do Brics, alforriar-se da dependência dos investidores tradicionais, perigam decepcionar-se. Livram-se da suserania ocidental para enfeudar-se aos tecnocratas de Pequim.

Quem viver, verá. Posso me enganar, mas tenho a impressão de que estão comprando gato por lebre.

Caiu

José Horta Manzano

Em artigo de 21 de março, contei-lhes as desventuras do ministro francês pilhado com a boca na botija. Caia, realmente, muito mal que o ministro encarregado de combater a fraude fiscal e a evasão de divisas fosse detentor de uma conta não declarada no exterior.

O figurão, como lhes disse, foi obrigado a pedir demissão. Diferentemente do que costuma acontecer no Brasil, o caso não parou por aí. As investigações continuaram.

Neste 2 de abril ― até que não demorou muito ― a pressão chegou a tal ponto que o agora ex-ministro não teve mais como esconder. Pateticamente, confessou à nação e ao mundo que, sim, a história da conta bancária secreta era verdadeira.

Foi um escândalo nacional. Mais que isso: a mídia se declarou em estado de sidération, termo raro e muito forte. Sentiram-se fulminados. A última vez que a palavra tinha sido utilizada tinha sido em 2011, quando chegou a notícia da detenção de Dominique Strauss-Kahn, então chefe do FMI.

Crédito: Pakmanwww.bakchich.info

Crédito: Pakman
bakchich. info

A acusação contra o ministro do orçamento veio a público faz quatro meses. Caradura, o homem afirmou, garantiu, jurou que tudo não passava de boataria mal-intencionada. Mentiu ao povo, ao Congresso e até ao presidente da República.

Toda a mídia dedicou enorme espaço à notícia. Como é natural na França, cada um tem sua própria opinião sobre o assunto. E todos fazem questão de exprimir seu pensamento, daí a duração excepcional dos programas de informação. O que mais ofendeu não foi tanto o fato de o figurão ter ou deixar de ter conta secreta. Foi a mentira deslavada.

O fato é que, politicamente falando, a carreira do homem terminou. Evasão fiscal, na França, é vista como crime de lesa-pátria. O acusado terá agora de enfrentar processo pesado que lhe pode render até 5 anos de cadeia. Nestes tempos em que grande parte do povo, com dificuldades econômicas, luta para sobreviver e sofre a ameaça de perder o emprego a qualquer momento, o sentimento popular certamente não vai ajudá-lo.

Como diziam os antigos, aqui se faz, aqui se paga.

.:oOo:.

Ah, antes que me esqueça. Um conhecido homem público brasileiro ― antigo prefeito da cidade de São Paulo, antigo governador, antigo candidato à presidência da República nos tempos da ditadura, fichado na Interpol e procurado por ela ― continua negando, com voz cada vez mais nasal, ter jamais sido beneficiário de conta secreta no exterior.

Ele tem razão. Não há mais razão de falar ainda em «contas secretas». Muito pelo contrário, elas são notórias, conhecidas, atestadas pela Justiça de vários países civilizados.

Em Pindorama, o homem continua livre, leve e solto.