Bomba-relógio

José Horta Manzano

O mundo anda de olho grudado no Brasil. E não estão sonhando com o rumor das ondas de Ipanema nem com o rugido da onça-pintada na floresta tropical. Estão temerosos do desastre que começa a tomar forma com a chegada do coronavírus.

«O Brasil, nova bomba-relógio do planeta» – é a manchete do diário francês Le Parisien.

O medo é que os vaivéns presidenciais tenham prejudicado a tomada de decisão sobre as melhores estratégias para enfrentar a epidemia. Cada dia perdido no bate-cabeça que paralisa o Planalto contribui para aumentar a força da bomba que está por explodir.

«No Brasil e no México, a luta contra o coronavírus está marcada pela ignorância» – estampa o alemão SWP (Südwest Presse). Tem razão. A ignorância é a única explicação para um Brasil que destoa no concerto global. Todos vão, disciplinados, em compasso de marcha enquanto, por aqui, vai da valsa.

«O Brasil se dirige a uma terrível tormenta» – é a sombria previsão lançada pela Deutsche Welle, conglomerado alemão de mídia.

«O receio do pior nas favelas do Brasil» – é o temor expresso por France TV, conglomerado francês de mídia.

Como disse um magistrado, estes dias, só os astronautas não correm risco de contágio. Enquanto permanecerem no espaço, naturalmente.

Reparem que, em matéria de coronavírus, ninguém ousaria tratar nenhum outro país de ‘bomba-relógio’. Nem mesmo os EUA, que lideram a triste estatística de vítimas, são vistos como um perigo para a humanidade. Só nosso país. E todo o mundo sabe por quê.

Como é possível que um só personagem, fraco e cercado de meia dúzia de imbecis, possa causar tanto estrago? Será que não encontram um meio de acabar com essa trágica farsa? Temos um cipoal de leis. Temos centenas de parlamentares e milhares de magistrados. Vamos, gente, coragem!

Nós aqui, do andar de baixo, não dispomos dos meios necessários. O Brasil não aguenta mais três anos assim. Só a interdição desse homem pode nos devolver a tranquilidade. É melhor agir antes que o povo se subleve.

Obrigado, doutor Bolsonaro!

José Horta Manzano

O ataque sofrido por doutor Bolsonaro fez uma vítima principal e uma secundária. A principal, de evidência, é o próprio candidato. Sofreu na carne as consequências da lâmina fria. Efeito colateral, no entanto, desabou pesado sobre Lula da Silva.

A estratégia de vitimização de nosso guia é tão antiga que ninguém sabe dizer ao certo quem teve a ideia. É possível que os pais da criança sejam os perversos marqueteiros, cujas criações tóxicas são ora conhecidas de todos. Pode ser também que o demiurgo tenha vestido espontaneamente essa fantasia, que, afinal, combina tão bem com seu conhecido sentimento de inferioridade e de revolta.

Seja como for, a roupagem de vítima imaginária empalideceu na comparação com uma vítima real. A inevitável compaixão despertada pelo atentado contra o candidato Bolsonaro fez sumir Lula da Silva do noticiário. Pela primeira vez em meses, ninguém deu atenção ao enésimo recurso impetrado pelo encarcerado de Curitiba. Recurso contra o que mesmo?

Tenho pena do candidato ferido. Não deve ser agradável estar nessa situação, condenado a um leito de hospital, com todas as dores e os inconvenientes que isso implica. No entanto, há que assinalar que o sacrifício dele nos valeu alguns dias sem Lula da Silva nas manchetes. Obrigado, doutor Bolsonaro!

Importante
Já disse e repito: não sou bolsonarista. O candidato ora hospitalizado não é meu favorito, portanto, não tenho intenção de lhe dar meu voto. Só o faria se, num eventual segundo turno, fosse a última barreira contra a ameaça de volta do lulopetismo, uma barbaridade.

Boicote inútil

José Horta Manzano

Ontem os eleitores venezuelanos foram convocados para eleger prefeitos. A oposição tinha lançado uma palavra de ordem: abstenção. Segundo os opositores, todos os que discordam das políticas implantadas por Nicolás Maduro deveriam ficar em casa e fazer cara de paisagem. Por detrás dessa orientação, estava a ideia de demonstrar força… pela ausência.

Pareceu-me estratégia pra lá de arriscada. De fato, o resultado não foi exatamente o esperado. Por um lado, nem todos os que reprovam o regime atual deixaram de votar. Ainda que não fossem numerosos, deram ao pleito um lustro de legitimidade difícil de contestar. Por outro lado, señor Maduro, com a truculência que o caracteriza, valeu-se da ocasião para anunciar que os partidos que lançaram o boicote não terão direito a apresentar candidatos às próximas eleições presidenciais.

by Darío Castillejos, desenhista mexicano

Pronto. Além de perder a oportunidade este ano, ainda serão impedidos de se candidatar da próxima vez. E que ninguém se engane. Maduro controla o Judiciário, razão pela qual não adianta entrar com recurso. Naquele país, os magistrados agem como seu mestre mandar.

Homens políticos não costumam dar ponto sem nó. No entanto, essa costura ditada pela oposição venezuelana parece desalinhavada. Alguma razão há de os estar levando a pregar o boicote às eleições. Seja qual for essa razão, o resultado não está saindo conforme o figurino. Com esse tipo de atitude, perdem mais do que ganham.

Os adversários de Maduro, que conquistaram dois terços do parlamento nas legislativas, já demonstraram que têm a seu lado a maioria dos eleitores. Falta-lhes compenetrar-se de que a união faz a força. O melhor caminho será deixar vaidades pessoais de lado e unir esforços em torno de candidaturas unificadas. E nada de convocar boicotes, que simplesmente não funcionam. No dia em que aprenderem a se unir, estarão pavimentando o caminho da vitória. E da derrota do tiranete.

Frase do dia — 338

«O Brasil chegou ao paroxismo de ver um ex-presidente recorrer a uma candidatura como estratégia de defesa. Afinal, com a rejeição nas alturas, o vaidoso Lula jamais se arriscaria a perder nas urnas novamente, como ocorreu em 1989, 94 e 98.»

Vera Magalhães, jornalista, analista política, colunista e radialista.

Holanda versus Turquia

José Horta Manzano

Para federar um povo e obter apoio unânime, nada como apontar um inimigo comum. Todos têm de sentir que o orgulho nacional está ameaçado. Se a ofensa vier de fora do país, melhor ainda. A ideia não é nova. Desde sempre ‒ especialmente de um século para cá ‒, tem sido utilizada com esperteza por mandachuvas. Alguns usam do artifício com esmero, enquanto outros são mais desajeitados.

É inconstestável o sucesso de um Adolf Hitler, que conseguiu cristalizar em torno de sua figura a quase totalidade do povo alemão ao apontar os judeus como origem e causa de todos os males nacionais. Stalin foi outro que se sustentou durante décadas no topo do poder culpando imaginários “inimigos do povo”. Assim também agiram Chávez e os bondosos irmãos Castro ao designar o “império“ como inimigo prestes a destruir o país.

Países Baixos e suas províncias

Uma ditadura argentina decadente valeu-se dessa estratégia em 1982. Passou a ideia de que o país estava sendo vilipendiado pelo Reino Unido, que ocupava havia século e meio um naco do território nacional. A Guerra das Malvinas logrou apoio popular mas terminou num desastre militar que acabou por levar de cambulho o que restava de ditadura.

Em nosso país, bem que Nosso Guia & clique fizeram o possível e o impossível para cindir os brasileiros entre “nós“ e “eles“, noções vagas e nunca explicadas que cada um entendeu como quis ou como pôde. Não tendo convencido, a estratégia acabou não dando certo. Aliás, em matéria de estratégia, o lulopetismo mostrou-se particularmente manquitola.

A Holanda ‒ que convém chamar de Países Baixos, dado que Holanda é o apenas o nome das duas mais importantes regiões do país ‒ atravessa momento crítico. Daqui a dois dias, os eleitores vão às urnas renovar a câmara de representantes. Um certo Herr Wilders, candidato de extrema-direita, ameaça balançar o coreto. Suas ideias e propostas são radicais e drásticas. Entre elas, a proibição pura e simples de praticar a religião maometana, veja só. É improvável que consiga maioria no parlamento, mas pode baralhar a política do país.

Modesta refeição do ministério turco

A Turquia também atravessa momento complicado. O presidente Erdoğan convocou os eleitores para um plebiscito que terá lugar mês que vem. A intenção é mudar a Constituição eliminando o cargo de primeiro-ministro e transformando o regime em presidencialista, o que dará imenso poder ao quase-ditador. As pesquisas não são lá muito animadoras, razão pela qual cada voto importa.

Milhões de turcos vivem no estrangeiro, inclusive nos Países Baixos. Para motivá-los a votar «sim», o governo turco tem mandado ministros e emissários organizar comícios eleitorais em países europeus. Para reforçar, decidiram usar a velha tática de designar um «inimigo» externo. Escolheram a Holanda. Cavando um pretexto qualquer, dispararam palavras agressivas contra o governo de Haia. Para não levar desaforo pra casa ‒ o que daria votos ao candidato de extrema-direita ‒, o governo holandês viu-se na obrigação de tomar medida forte: proibiu a entrada no país de ministros turcos.

Ministra turca expulsa dos Países Baixos

Foi a conta. A Turquia e os Países Baixos estão em pé de guerra. A mídia, naturalmente, alimenta a polêmica. Redes sociais fervilham. A bandeira holandesa do consulado em Istambul foi arrancada e substituída por bandeira turca. A Turquia promete represálias ‒ que ninguém imagina quais possam ser.

Tudo não passa de encenação, mas o povão acredita, e é isso que importa. Por um lado, a movimentação tem servido à causa do presidente turco, que aumenta seu capital de votos. Por outro, está servindo também ao atual governo holandês, que demonstra ser capaz de defender-se sem entregar as rédeas à extrema-direita.

Entre mortos e feridos, salvar-se-ão todos. (Uma mesoclisezinha de vez em quando não faz mal a ninguém.)

Lula preso?

José Horta Manzano0-Sigismeno 1

Ao dar uma volta a pé pela cidade, dei de cara com o Sigismeno. Foi por puro acaso, não havíamos combinado nada. Conheço a susceptibilidade do moço; assim mesmo, resolvi mexer com ele.

‒ Então, Sigismeno, como é que foi a comemoração do Dia Internacional da Mulher? Lembrou de dar uma flor à namorada?

‒ Flor? Não. Nem flor nem presente. Já combinamos, ela e eu, só trocar mimos quando for instituído o Dia Internacional do Homem. Igualdade entre sexos é o que se busca, pois não? Pois igualdade quer dizer igualdade. Mulher não pode ser “mais igual” que homem e ter dia só pra ela. Cada um tem de ter seu dia, senão não faz sentido.

Confesso que ele me pegou desprevenido. Pensando bem, o que ele diz tem lógica. Não se pode pleitear igualdade dando, logo de cara, um passo desigual. Resolvi mudar de assunto.

‒ E Nosso Guia, hein, Sigismeno! Dizem que, agora que está pra sair a delação dos diretores do Departamento de Propina da Odebrecht, o Lula está a um passo da cadeia. Que é que você acha?

‒ Olhe, acho que não será tão já. É bem provável que seja encarcerado, mas não deve ser tão logo.

‒ E por quê? Porque enviuvou? Ou pelo receio de a prisão dele perturbar a ordem pública ou «incendiar o país», como temem alguns?

‒ Nem por um nem por outro. Para mim, a estratégia é fundamentada e bem mais sofisticada.

‒ Estratégia sofisticada, Sigismeno? O homem já é réu em meia dúzia de processos. Pra que esperar tanto?

‒ Você se lembra da «bala de prata» do Collor?

‒ Nossa, Sigismeno, que história antiga! Lembro sim. Naquela época, o país amargava uma inflação desenfreada. O Collor afirmou que, pra acabar com a balbúrdia monetária, tinha na cartucheira uma única «bala de prata», remédio certeiro e garantido. Logo depois de eleito, disparou a tal bala, confiscou a poupança de toda a população, provocou um rebuliço. E, no final, deu tudo errado. O que tem a bala de prata do Collor com a prisão do Lula?

‒ No Brasil, todo o mundo está de olho nesse assunto. Falas e gestos do antigo presidente são anotados, analisados, repercutidos. Os encarregados de mandar prendê-lo não podem titubear porque só têm uma bala de prata, umazinha só. Portanto, antes de mandar o camburão, têm de dispor de provas consistentes e irrefutáveis. Do contrário, o batalhão de advogados que assiste o líder caído conseguirá livrar a cara do homem no dia seguinte.

‒ É, Sigismeno, nisso eu também já tinha pensado. Mas há um «momentum» para tudo, uma hora agá. Se deixar passar, a coisa periga esfriar.

‒ Pois é aí que, a meu ver, entra a sofisticação do plano. Nosso Guia só será preso depois que todos os assessores, os ‘subs’ e os ‘vices’ tiverem sido apanhados e tiverem feito delação. Se agirem assim, o Lula, quando for detido, não terá mais o que delatar ‒ tudo já terá sido dito. Com isso, a pena que lhe for imposta não poderá ser minorada nem justificará tornozeleira. O homem terá de cumprir a punição conforme o figurino.

O raciocínio de Sigismeno pode até não bater exatamente com o da equipe da Lava a Jato, mas não deixa de ter lógica. Quem viver, verá.

O comandado

José Horta Manzano

Por mais que a seleção brasileira de futebol conte com estrelas de renome planetário, quem seleciona e convoca jogadores é o técnico. Cabe a ele, pelo menos em princípio, orientar a equipe, formular a estratégia de cada partida, incentivar a turma.

O técnico, sobre o qual pesa enorme responsabilidade, se esforça para exercer comando sobre a Seleção.

Chamada do Estadão, 11 nov° 2016

Chamada do Estadão, 11 nov° 2016

Como todos os demais jornais, o Estadão publicou artigo sobre o clássico Brasil x Argentina, disputado ontem no Mineirão. No entanto, o subtítulo desorienta o leitor. Dá recado trocado. Diz o contrário do que tencionava dizer.

De fato, informa que o festejado técnico está sendo comandado pela equipe. Estranha situação. Levada a sério, a frase conta que quem dá as ordens é a Seleção e que o orientador está sob seu comando. Trocaram os pés pelas mãos.

Deveria estar escrito que o «técnico emplaca cinco vitórias no comando». Pelo menos, é o que se imagina.

Que todos saibam

Marco Antonio Villa (*)

Temer deveria convocar rede nacional e apresentar a situação econômica ao país. É importante que o povo saiba o caos deixado pelo projeto criminoso.

A estratégia dos criminosos é imputar a crise ao novo governo – que não tem nem três dias! Só o rombo deste ano alcança R$ 125 bilhões. E alguns estimam que pode ser maior.

Tal rede nacional poderá mostrar também as iniciativas tomadas pelo novo governo e apontar um cenário previsível a curto prazo.

O governo não pode contemporizar, sob pena de desgastar seu capital político rapidamente.

(*) Marco Antonio Villa, escritor, historiador e comentarista político, edita o Blog do Villa.

De transposições

José Horta Manzano

Notícias recentes vêm confirmar que, no Brasil, transposição ― conceito da vez ― nos cria dois problemas: um estratégico e um semântico.

Do lado estratégico
A dita «transposição do Rio São Francisco» expõe, para quem quiser ver, o resultado do descaso secular com que nossos dirigentes têm encarado a governança.

Tecnologia existe há muito tempo. O Canal de Suez foi escavado 150 anos atrás, entre 1859 e 1869, e o Canal do Panamá abriu suas comportas para o primeiro navio há exatos 100 anos. Se, no Brasil, o paliativo para as secas do Nordeste se resumiu a cavoucar açudes, não terá sido por falta de tecnologia, mas por abundância de negligência.

Nascente do São Francisco

Nascente do Rio São Francisco

Apareceu, estes dias, nova «transposição», a ser arquitetada em regime de urgência urgentíssima. O caso agora é mais grave. A rarefação da água atinge a maior metrópole do país. No sufoco, surgiu a ideia de fazer vir água do Rio Paraíba do Sul.

Temos aí outro exemplo acabado de pouco caso. Setenta anos atrás, São Paulo já tinha passado a marca de 2 milhões de habitantes. Não cresceu da noite para o dia. Se nada se fez até hoje, foi por pura incapacidade de planejamento.

Para piorar, a obra levará 14 meses, quando faltam apenas 3 meses para o grande circo da «Copa das copas» montar seu picadeiro. Bala perdida na rua e água sumida no hotel ― taí um buquê de boas-vindas pra turista nenhum botar defeito.

Do lado semântico
O dicionário ensina que transpor (ou fazer uma transposição) significa mudar de um lugar para outro. Não é, que se saiba, o efeito desejado. Não está nos planos do mais descabeçado de nossos dirigentes transferir as águas do São Francisco para novo leito. Tampouco o Paraíba do Sul deverá deixar de correr de São Paulo até sua foz nos Campos dos Goitacases.

Bacia do Paraíba do Sul Fonte: Agência Nacional de Águas

Bacia do Rio Paraíba do Sul
Fonte: Agência Nacional de Águas

A palavra «transposição» está sendo utilizada erroneamente. A língua oferece numerosas opções bem mais adequadas. Partição, bipartição, tripartição, subdivisão, partilha, repartição, divisão, repartimento, redistribuição são algumas delas. Há outras.

Que fazer? O descaso ― com a governança e com a língua ― parece fazer parte da paisagem do país. Não muda nunca.