Barbaridade no aeroporto

José Horta Manzano

Desde que Putin lançou sua guerra de conquista sobre o território ucraniano, cerca de 5 milhões de habitantes abandonaram o país e fugiram direção à Europa. Nenhum país estava preparado para um afluxo tão caudaloso, mas em pouco tempo, organizou-se uma corrente de solidariedade.

Governos, ongs e simples cidadãos arregaçaram as mangas e cada um deu contribuição à altura de suas possibilidades. A Polônia, com seus parcos 38 milhões de habitantes, já deu abrigo a um milhão e trezentos mil refugiados. A Alemanha já acolheu um milhão. A pequenina Moldávia, país mais pobre da Europa, recebeu quase cem mil ucranianos.

Uma reportagem do Estadão informa que, neste momento, um grupo de 150 afegãos vive acampado num saguão do Aeroporto de Guarulhos (SP). Adultos, anciãos e famílias com crianças pequenas integram o conjunto. Sobrevivem com a caridade de funcionários e frequentadores do aeroporto. Há quem traga um cobertor, comida, um colchão. Além de famintos, os estrangeiros estão precisando de um banho e de roupa lavada. Faltam remédios para os mais idosos.

Um detalhe muito importante: esses afegãos não são clandestinos como aqueles que atravessam ilegalmente a fronteira do México para os EUA. Os migrantes de Guarulhos são titulares de um visto humanitário concedido por uma representação diplomática do Brasil no exterior.

O tratamento que estão recebendo é uma barbaridade. É desesperante constatar a desarticulação entre as instituições brasileiras. Conceder visto humanitário é uma coisa, mas a sequência da acolhida tem de estar concatenada: recepção dos imigrantes, fornecimento de ajuda de custo, um abrigo, alimentação, cuidados de saúde, escola para as crianças – enfim, o necessário para amparar quem tudo perdeu e aqui chegou só com a roupa do corpo.

Onde está o senso de acolhida do povo brasileiro? Nunca passou de ilusão ou foram o capitão e seus neandertais que instalaram essa revoltante aporofobia?(*)

(*) O termo aporofobia define o ódio e o repúdio à pobreza e aos pobres.

Congonhas muda de nome

José Horta Manzano

Se contar, ninguém acredita. Com toda a turbulência que o país atravessa, entre um conchavo e outro, suas excelências encontram o tempo de votar leis que frisam o ridículo. Anteontem, o Diário Oficial da União (da União!) informou que o chacoalhado presidente Temer, logo antes de viajar à Rússia, tinha sancionado uma lei votada pela Câmara.

A lei decorre de projeto apresentado em 2012 por um deputado ‒ que, desde então, não foi reeleito. Naqueles tempos em que o mensalão já assustava o país, o nobre deputado não encontrou nada melhor pra fazer do que propor o banimento do nome do Aeroporto de Congonhas, o segundo do país em número de passageiros. Segundo sua excelência, o aeródromo paulistano deveria ser rebatizado em homenagem a antigo deputado cearense.

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Cada um tem sua opinião, que vivemos em democracia. No entanto, justamente para barrar ideias estrambóticas, as decisões parlamentares não são monocráticas, mas colegiais. Assim mesmo, o bizarro projeto foi adiante. Tramitou durante cinco anos e acabou sendo aprovado pela maioria de nossos representantes, o que deixa evidente a falta de espírito crítico da manada que fabrica nossas leis. Para coroar, o presidente sancionou. É o mundo de ponta-cabeça.

Meus leitores sabem que me oponho veementemente a dar nome de gente a logradouros públicos, prédios administrativos, estradas, estações, aeroportos & similares. Posso até admitir uma estreita exceção para aquela meia dúzia de heróis reconhecidos da nação. Agora, dar nome de deputado a aeroporto? Em que mundo vivemos? Se o autor do projeto venera a esse ponto o homenageado, que aponha uma placa com o nome de seu heroi na fachada de sua residência. Mexer com Congonhas, um patrimônio nacional? É falta de respeito e de consideração para com paulistanos, paulistas e brasileiros.

Aeroporto de Congonhas com o tradicional piso em tabuleiro de xadrez

E pensar que suas excelências são sustentadas com nosso dinheiro, que gozam de prerrogativas pra lá de especiais, que recebem jetons e auxílio moradia, que têm direito a assessores, a passagens gratuitas, a imunidade judicial… Com tanto problema num país violento, pobre, injusto, à beira da convulsão, tudo o que conseguem votar é mudança de nome de aeroporto? Francamente…

Proibição
A partir de agora, ninguém mais pousa em Congonhas nem de lá decola. O nome oficial da estação aérea passou a ser Deputado Freitas Nobre (Fortaleza, 1921 ‒ São Paulo, 1990). Não se esqueça, distinto leitor. Quando entrar no táxi, ordene: «Toca pro Deputado Freitas Nobre!»

Vingança
O maior aeroporto brasileiro também foi vítima de atentado semelhante. Aberto em 1985, foi rebatizado em 2002 como Governador André Franco Montoro (São Paulo, 1916 ‒ São Paulo, 1999). O povo sabido deu de ombros e a mudança ficou no papel. Nunca, jamais, em tempo algum alguém disse que tinha embarcado em Governador André Franco Montoro. Continuamos todos a dizer Guarulhos. O mesmo acontecerá com Congonhas. E ponto final.

Aeroporto sem trem

José Horta Manzano

Avião 7A cada vez que penso nos bilhões rapinados da Petrobrás e do erário, imagino o que poderia ter sido feito com esse patrimônio caso não tivesse ido parar no bolso dos cangaceiros que nos governam.

Intuitivamente, a gente se lembra dos mais precisados ‒ hospitais e escolas em primeiro lugar. Mas falta dinheiro por toda parte. Uma sociedade tem muitas facetas e todas elas demandam atenção e cuidado. Não é aceitável que governantes não cuidem de cada uma.

AviaoO maior aeroporto do país fica em Guarulhos (SP). Tem nome de gente, mas praticamente ninguém usa: foi sempre chamado de Guarulhos e assim continuará. Além de turistas, por ali transitam homens de negócios, investidores, visitantes ilustres, todos aqueles a quem gostaríamos de dar boa impressão de nosso castigado país. Como se sabe, não há segunda chance de dar uma primeira impressão.

Pra quem chega, a realidade, logo de cara, é um choque: o aeroporto não está conectado com a metrópole por estrada de ferro. Nem metrô nem trem expresso nem bonde. Nada. A única solução para transpor os 30km até o centro é a estrada de rodagem. De carro, de ônibus, de caminhão ou de moto, tráfego pesado e eventuais enchentes terão de ser enfrentadas.

Aeroporto esteiraFosse o aeroporto recém-inaugurado, já seria surpreendente que não se tivesse pensado em construir ligação férrea ao mesmo tempo em que se instalava o terminal aéreo. Visto que foi inaugurado 30 atrás, a ausência de transporte rápido e confiável foge à compreensão de todo forasteiro.

Avião 6Em 2014, o Aeroporto de Guarulhos ficou em 30° lugar em número de passageiros. Não é pouca coisa. Nos 29 primeiros lugares, estão 12 aeroportos americanos, 4 chineses e os inevitáveis Frankfurt, Paris, Londres, Amsterdam, Tóquio.

Por Guarulhos transitam mais passageiros do que por campos de aviação importantes como Munique, Sydney, Roma, Barcelona, Toronto, Zurique, Milão, Lisboa, Copenhague. A estação aérea paulista é de longe a mais importante da América Latina. O segundo classificado, o da Cidade do México, fica em longínqua 48ª posição.

Faz 30 anos que, episodicamente, se fala vagamente em interligar o terminal com o centro da cidade. Embora, vez por outra, o assunto volte à tona, não passou, por enquanto, de conversa fiada. Os maiores aeroportos do mundo são conectados por meio confiável à metrópole mais próxima. Por que fazemos questão de continuar sendo a exceção?

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PS: O governo paulista acaba de anunciar que, pela enésima vez, fica paralisada a construção da interligação da rede de metrô ao Aeroporto de Congonhas, campo de pouso urbano.

Aeroporto Congonhas 1O aeroporto foi inaugurado em 1936, em sítio então desabitado e afastado do centro. A cidade cresceu e envolveu o campo de aviação. Contruiu-se o metrô. A primeira linha do metropolitano ‒ que passa a 1,5km do Aeroporto de Congonhas ‒ opera desde 1974. Nesses quarenta anos, as autoridades que nos governam foram incapazes de completar esse quilômetro e meio que falta. Contando, assim, parece brincadeira, coisa de filme cômico, não?

É verdade que o atual governo federal é mastodonticamente incompetente. Mas ‒ há que dizê-lo ‒ a incapacidade administrativa e o descaso com a coisa pública vêm de longe e estão incrustados na alma nacional.

Prontos para a Copa ― 2

Aeroporto de Guarulhos, São Paulo

Aeroporto de Guarulhos, São Paulo

E o bobão aqui que imaginou que o Aeroporto de Guarulhos, principal porta de entrada do Brasil, já estivesse pronto para receber o mundo há 30 anos. Engano feio. Ainda estão se preparando. Tomara que um dia cheguem lá.

Novo aeroporto

José Horta Manzano

Como é bom ser grande empresário num país de gente apática! Nossa falta de noção de pertencimento a uma comunidade faz que cada um de nós reaja com um simples dar de ombros a qualquer notícia, seja ela boa ou má.

O máximo que se vê é algum protestozinho mole aqui ou ali ― alguma manifestação que acaba se desmanchando em vandalismo. De estudar, que é bom, não gostamos. De aprender, que é bom, não gostamos. De nos esforçar, que é bom, não gostamos. De dar o melhor de nós mesmos, que é bom, não gostamos. Passamos a vida à espera de que alguém faça alguma coisa. Costumamos ter a nítida impressão de que o problema não é conosco.

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca

Alguns poucos se apercebem dessa generalizada tendência ao descaso, ao «tô-nem-aí». Para desgraça nossa, nem sempre são os mais bem-intencionados. Vai daí, nossas portas estão abertas a aventureiros, predadores, espertalhões, inescrupolosos, aproveitadores. A conjunção deletéria do descaso da população com o oportunismo de uma meia dúzia trava o país. E perpetua o insuportável contraste entre a riqueza indecente de uns contra a miséria negra de outros.

Em seu blogue alojado no Estadão, Marina Gazzoni nos contava, semana passada, que está prevista a construção de novo aeroporto (mais um!) para servir a cidade de São Paulo. O projeto foi apresentado por um consórcio de grandes empreiteiras. A certeza de que seja aprovado sem reticências é tão grande, que as construtoras já compraram até o terreno. Afinal, convencer autoridades públicas é especialidade de grandes empresários…

Reinventando o avião by Glen Baxter, desenhista inglês

Reinventando o avião
by Glen Baxter, desenhista inglês

O adjetivo absurdo, de tão usado, já gastou. Dizer que a ideia é absurda soa banal. Contraditória? Incoerente? Insensata? Disparatada? Que cada qual escolha o termo que melhor lhe convier. Estamos diante de uma estupidez sem nome.

O aeroporto de Guarulhos, que há 30 anos serve a capital do Estado, viu passar 32 milhões de passageiros em 2012. No mesmo ano, o movimento de viajantes registrado nos dez aeroportos mais movimentados do planeta foi o seguinte:

    Dubai       = 58 milhões
    Djacarta    = 58 milhões
    Dallas      = 59 milhões
    Paris       = 62 milhões
    Los Angeles = 64 milhões
    Chicago     = 67 milhões
    Tóquio      = 68 milhões
    Londres     = 70 milhões
    Pequim      = 82 milhões
    Atlanta     = 95 milhões (!)

Guarulhos não aparece nem entre os 30 aeroportos mais movimentados do mundo. Como qualquer um pode deduzir, se outros conseguem acolher o triplo dos viajantes atendidos em Cumbica, por que, raios, não seríamos nós capazes de fazer o mesmo? Há maneiras mais práticas, mais baratas, mais eficazes e mais lógicas de melhorar o desempenho da estrutura existente.

Foi um erro ter construído o aeroporto onde se encontra? Muitos dizem que sim. Mas não tem mais jeito: feito está, feito ficará. O que não convém é repetir a asneira.

Visita curta ― saguão de aeroporto desnecessário by Ross Thomson, desenhista inglês

Visita curta ― saguão de aeroporto desnecessário
by Ross Thomson, desenhista inglês

Caieiras, o município «escolhido» pelos empreiteiros, é localidade encarapitada na Serra da Mantiqueira, a quase 800m de altitude, num dos raros pulmões verdes que ainda sobram à roda de São Paulo. Para coroar o desatino, aquela serra é considerada zona de mananciais. Uma parte do abastecimento de água da megalópole depende da preservação e dos bons cuidados que se dediquem à região. E tem mais: como localidade serrana, Caieiras é tão sujeita a nevoeiros como Guarulhos.

Antes de pensar em novo aeroporto, ainda há muito que fazer no velho. Ligação ferroviária rápida, aumento da capacidade dos estacionamentos, construção de novos terminais, desapropriação de terrenos circunvizinhos, melhora na logística de movimento de carga, aprimoramento da formação de pessoal, reforço da segurança. Tudo isso é mais lógico e sai mais barato do que construir mais uma estação aérea.

Não tem cabimento termos estádios padrão Fifa e continuarmos com aeroportos padrão Uagadugu.

Nosso aeroporto

José Horta Manzano

Quase três décadas atrás ― faz exatamente 28 anos neste 20 de janeiro ―, foi inaugurado o novo aeroporto de São Paulo. No começo, chamou-se indiferentemente Guarulhos ou Cumbica. Mais tarde, tentaram impor-lhe o nome do político que ocupava o cargo de governador do estado à época da inauguração. Parece que não pegou. Não é comum alguém dizer que apanhou seu voo no Franco Montoro. Continua sendo conhecido como Guarulhos ou Cumbica.

Desde os tempos em que o Padre Anchieta subiu a serra, faz meio milênio, para exercer seu apostolado no planalto, já se sabia que o sopé das encostas da Cantareira era sujeito a nevoeiros e brumas frequentes. Pior que isso, o caminho para se chegar lá, partindo da cidade de São Paulo, tem de atravessar, obrigatoriamente, o vale do Tietê.

Canal principal de drenagem das águas tropicais da região, o rio sempre foi alagadiço na estação das chuvas. A fraca declividade de seu leito, o alastramento da mancha urbana e o descaso dos habitantes e de seus dirigentes só fizeram agravar o problema.

O que é verdadeiro hoje, já o era quando foi escolhido o lugar onde se erigiria a nova estação aérea: o local não é adequado. Além disso, a via de acesso corre risco permanente de estar tomada pelas águas.

A lógica indicava duas saídas. A primeira delas, mais evidente, era transformar o já existente sítio de Viracopos em aeroporto metropolitano. A estrutura de base estava pronta e boa parte das desapropriações já tinham sido feitas. O clima da região é bem menos sujeito aos caprichos úmidos de Guarulhos. O problema maior era o afastamento de 95km da capital. A ideia de se implantar uma linha de trem expresso entre o terminal aéreo e a metrópole não vingou.

A segunda saída apontava para um compromisso. Aceitar a instabilidade climática de Guarulhos, mas compensar o risco com um acesso rapidíssimo e garantido o tempo todo. A ligação férrea seria bem mais curta (23km), portanto, muito menos onerosa.

Sabemos todos que os decididores da época optaram pela pior solução: escolheram construir no sítio menos adequado e, como se não bastasse, passaram por cima do fato de que um aeroporto é, em princípio, frequentado por passageiros. Deixaram que o problema do transporte rápido e seguro fosse resolvido pelas gerações seguintes.Aeroporto Guarulhos

Sabe-se lá quais foram as absconsas razões que levaram as autoridades a tomar essa decisão. Dizem uns que os militares que governavam o País na época só bateram o martelo quando se certificaram de que o novo aeroporto civil seria instalado junto à base aérea já existente. Dizem outros que interesses mais escusos ― e não necessariamente voltados ao bem-estar da população ― guiaram a escolha.

O fato é que Guarulhos, 45° aeroporto do mundo em movimento de passageiros segundo a última lista publicada pelo Airports Council International, é um dos raros ― provavelmente o único entre os 50 maiores ― a não oferecer a seus passageiros o conforto de uma ligação férrea frequente, rápida e segura com o centro da metrópole.

Essa incúria, à qual brasileiros dão de ombros como se fosse fatalidade incontornável, talvez explique em parte a forte baixa na chegada de turistas. As estatísticas do Aeroporto de Guarulhos mostram que a entrada de visitantes provenientes dos 26 maiores países emissores encolheu 20% entre 2005 e 2011. Estamos falando de 400 mil chegadas a menos, a cada ano. É um bocado de gente!

Mas nem tudo está perdido, caros leitores! Como trinta anos atrás, novos projetos continuam a pipocar esporadicamente. É trem-bala para cá, ligação expressa para lá. A cada vez, tem-se o sentimento de que «agora, vai»!

Enquanto «não vai», contentemo-nos com um chique e sofisticado sistema automático de despacho de malas. Revolucionário. Está previsto para entrar em funcionamento em junho de 2014. Se não chover daqui até lá, evidentemente. Veja aqui.

Ânimo, que falta só um ano e meio! A partir daí, temporais, enchentes e nevoeiros podem até bloquear o aeroporto ou o caminho que leva a ele. Em compensação, a bagagem será encaminhada au-to-ma-ti-ca-men-te!

Pode não ser muito útil, mas é um charme. Ou não?